Superar o proibicionismo é indispensável para o acesso à cannabis medicinal e fortalecimento da indústria: veja a análise dos debatedores do CBCM 2023

Só no Brasil, o mercado medicinal deve atingir em 2023 mais de R$ 600 milhões, segundo relatório da empresa de inteligência de dados Kaya Mind

Publicada em 05/05/2023

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Por Thaís Castilho

Na segunda edição da Medical Cannabis Fair e do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, evento promovido pela Sechat e realizado no Expo Center Norte, em São Paulo (SP), foi discutida a importância da regulamentação e da democratização do acesso ao tratamento à base da planta. 

O segundo bloco sobre Legislação e Negócios trouxe números expressivos  sobre o cenário da cannabis atual no Brasil. Hoje são cerca de 240 mil pessoas no Brasil em tratamento com a planta, com resultados excelentes que comprovam a eficácia do tratamento. 

De acordo com os  dados apresentados pela Maria Eugênia CEO da  Kaya Mind, o mercado deve atingir em 2023 mais de R$ 600 milhões. Caso houvesse uma regulamentação que incluísse o uso medicinal, industrial e adulto (recreativo) da planta, haveria potencial para criar 328 mil empregos formais e informais no país e, em quatro anos, o setor geraria R$ 26,1 bilhões à economia brasileira.

“O cenário da cannabis passa por um processo de transformação constante. Cresce o número de pacientes, as indicações clínica e as formas de acesso e, ainda assim, o mercado não está totalmente regulamentado, o proibicionismo que faz vítimas todos os dias pela mesma planta que salva tantas outras prejudica também o mercado medicinal e a sociedade como um todo, mas ainda assim há motivos para um certo otimismo”, explica Tarso Araújo, jornalista especializado em cannabis.

Nesse cenário de regulamentação a postura dos conselhos de medicina regionais e federal é considerada, tanto pelos órgãos regulatórios como pelos médicos, por isso, é importante a classe se aproximar dos conselhos e promover o debate.

“É importante que a classe médica participe das discussões dos conselhos de medicina para propor mudanças em relação ao tratamento com cannabis”, Leonardo Navarro.

Formas de acesso aos produtos de cannabis

Enquanto a esfera legislativa não torna a distribuição da cannabis pelo SUS (Sistema Único de Saúde) uma política nacional, a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) vem criando mecanismos  baseados em pesquisas, evidências científicas e ouvindo os atores sociais para garantir à população o direito básico à saúde.

Essas regulamentações viabilizaram o  acesso a esse tipo de tratamento. Hoje, qualquer pessoa com a receita em mãos consegue solicitar a autorização de compra, seja importada ou nas drogarias do país, pois a RDC 660 possibilita essa via.

“Quando se fala em cannabis temos um número crescente das potencialidades do uso medicinal da cannabis e temos confirmações promissoras, mas ainda não confirmatórias ou respostas conclusivas e por isso, não podem ser extrapoladas de forma geral para população”, ressalta João Paulo Perfeito, representante da Anvisa.

A indústria tem conseguido caminhar, ainda que a passos lentos, para oferecer novas soluções farmacêuticas feitas a partir da substância. Por meio da  RDC 327 que é uma Autorização Sanitária, as empresas podem importar os insumos para produzir e comercializar os remédios no Brasil. São 26 medicamentos  à base de cannabis com autorização de venda nas farmácias e drogarias. Todos eles com garantia de segurança, qualidade e eficácia, seguindo critérios da agência. 

Habeas Corpus, o direito de plantar e produzir o próprio remédio em casa

Dentre as formas de acesso à cannabis como via de tratamento, os HCs de Cultivo  (Habeas Corpus) se mostraram como um recurso eficiente e seguro.

Ainda que seja possível acessar a cannabis pelas regulamentações criadas pela Anvisa, o alto custo dos produtos acaba sendo um empecilho.Por se tratar de uma planta, produzir remédios à base de cannabis em casa é uma realidade possível, porém, criminosa pela lei de drogas, que categoriza a cannabis como substância proibida.

Se o paciente comprovar que a cannabis é eficiente para seu tratamento é perfeitamente viável mover um processo para garantir que o Estado não reprima sua conduta. São os Habeas Corpus de Cultivo, que garante a liberdade do paciente enquanto cultivador. Afinal, o direito à saúde prevalece. Estima-se que atualmente sejam cerca de dois mil pedidos de Habeas Corpus concedidos pelo judiciário.

CBCM2023

Projetos de Lei em andamento em todo país

Desde que o estado de São Paulo aprovou a lei para distribuição da cannabis no SUS o assunto tem se ampliado nas discussões tanto no campo legislativo quanto na mídia nacional.

Há projetos de lei  dessa ordem que tramitam em praticamente todas as unidades da federação. Dos 27 estados, há PL em tramitação  em 24 deles, sendo que 11 já contam com leis aprovadas.

Recentemente o Senado Federal promoveu uma audiência pública para debater o PL 89/2023, que trata da distribuição da cannabis pelo SUS. Mas o projeto que está estacionado na Câmara de Deputados e o mais amplo de todos, pois trata também do cultivo, é o PL 399/2015.

Judicialização pelo SUS onera os cofres públicos

Enquanto o legislativo não regulamenta o acesso aos produtos de cannabis, crescem os processos de judicialização que autorizam o tratamento custeados pelo Estado. A Defensoria Pública do Estado autorizou todos os pedidos que foram apresentados desde 2018, uma vez que os processos, ainda que burocráticos e demorados, comprovam a eficiência do tratamento para os pacientes. 

O que argumenta a maioria dos PL, além de priorizar o acesso democrático ao tratamento, é que algumas empresas que fornecem os produtos acabam sendo favorecidas em detrimento a outras.

Uma vez que a distribuição dos produtos de cannabis se dá pelo SUS, é obrigatório haver processos de licitação para a compra dos remédios.

Associações canábicas garantem tratamento para mais de 100 mil pacientes

O movimento associativo foi uma alternativa de mobilização que a sociedade civil encontrou para ter acesso ao tratamento e aos produtos de cannabis.

Organizados pelo terceiro setor, esses grupos atuam no combate à desinformação sobre a planta, no apoio às pesquisas, na educação no tocante aos benefícios da cannabis e na oferta de tratamento e produtos.

Uma pesquisa da Kaya Mind revela que são cerca de 80 associações espalhadas em todo o Brasil, mas apenas cinco delas podem plantar e produzir o óleo com segurança jurídica. 

O maior apelo que as associações fazem diante desse cenário de regulamentação é que os projetos de leis dêem especial atenção ao modelo associativo, pois, desde 2014, quando esse movimento começou a se formar, tais grupos atendem mais de 100 pacientes.

Por não terem fins lucrativos, as associações conseguem fornecer tratamento gratuito para milhares de pessoas. De certa forma, elas realizam o papel do SUS.

“As associações existem porque o poder público não fez a parte dele e na necessidade a gente ergues a mangas e faz acontecer com as ferramentas que a gente tem para poder mudar a lei praticando a desobediência civil para promover a saúde que é um direito universal e garantido pela constituição brasileira”, destaca Pedro Sabaciauskis, presidente da Associação Santa Cannabis.