<strong>As novas possibilidades da medicina alternativa</strong>
A última rodada de conversas sobre saúde do CBCM 2023 abordou a cannabis no esporte e veterinária, cânhamo e uso de psicodélicos
Publicada em 09/05/2023
Por Bianca Rodrigues
O professor universitário Erik Amazonas e a pesquisadora Livia Goto trouxeram novidades e informações relevantes sobre tratamentos terapêuticos alternativos de suas respectivas especialidades. Confira os principais destaques do 2º Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, realizado em São Paulo.
“O atleta sempre chega ao escritório pensando em melhorar a performance”, Wellington Briques
O doutor Wellington Briques, médico integrativo, abordou o uso da cannabis dentro do esporte, sob a perspectiva da manutenção da qualidade de vida dos atletas.
Segundo o especialista, o uso de produtos à base de canabinoides na medicina do esporte possui diferentes indicações, como tratamento da dor crônica, ansiedade, regeneração muscular e óssea e concussões. O potencial multiterapêutico da cannabis auxilia no tratamento de várias condições que geralmente acontecem simultaneamente em praticantes de exercícios físicos e esportes, seja para o atleta profissional ou o corredor eventual de rua.
Wellington reforçou a importância de se fazer o diagnóstico de lesões de forma correta e que o tratamento estabelecido seja acompanhado por equipes multiprofissionais, contribuindo assim para retorno do atleta aos treinos e competições de maneira segura e rápida.
“O que leva o atleta para o consultório não é diferente do paciente comum", disse o especialista que continua: "A Wada (Agência Mundial Antidoping) reviu o uso do canabidiol (CBD) por existirem muitas evidências de recuperação muscular e diminuição das lesões de recuperação. O que tira o atleta do treinamento tira das provas, o que é um prejuízo muito grande.”
“A salvação econômica do país está no cânhamo”, Erik Amazonas
Erik Amazonas - também professor de Endocanabinologia na Medicina Veterinária e Agronomia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) - ministrou uma aula sobre aplicações clínicas na veterinária com evidências científicas, interações medicamentosas e legislação.
O professor explicou que medicamentos à base de cannabis podem ser utilizados com segurança em diversos animais - cão, gato, ovelha, cabra, boi e cavalo - para diferentes casos, como inflamações, dores crônicas, convulsões e até mesmo o câncer - embora ainda não haja comprovação científica, apenas evidências.
Além disso, trouxe um panorama sobre quais substâncias são indicadas para cada caso. Até certo tempo atrás, acreditava-se que o CBD era a substância com maior aplicação na veterinária, podendo atuar como estimulante ósseo, analgésico, anti-isquêmico, anti-epiléptico, anti-bacteriano, entre outros. Com a evolução das pesquisas, sabe-se atualmente que todos os canabinoides atuam de forma semelhante. No Brasil, especialmente, o THC (tetrahidrocanabinol) é tão usado quanto o CBD e nos mesmos níveis (alto CBD, equilibrado, alto THC e assim por diante).
Ao final da palestra, Erik expôs uma reflexão exaltando o potencial econômico e a oportunidade agroecológica do cânhamo. “Acho que a salvação econômica do país é o cânhamo. O ouro do Brasil não é aquele dos yanomamis. Tem muito mais grana aqui do que no ouro. Aquele ouro acaba, esse aqui estamos plantando há quatro mil anos.”
Ele completou dizendo que o cânhamo industrial tem uma capacidade ímpar de obrigar o planeta a funcionar de forma sustentável, por várias razões. Uma delas é a capacidade de descontaminar, fazendo com que o cultivo de cannabis e cânhamo sejam orgânicos.
“A proibição dos psicodélicos foi uma forma de criminalizar grupos políticos”, Livia Goto
Finalizando as palestras sobre saúde do CBCM 2023, Livia Goto, bióloga e colaboradora da Scirama - primeira startup brasileira de pesquisa em psicodélicos - apresentou o tema “Psicodélicos: uma promessa ou realidade no tratamento psiquiátrico". Ela discorreu sobre o mecanismo de ação das substâncias, tratamentos terapêuticos com o uso de psicodélicos e regulamentação.
Livia deu início à palestra trazendo o contexto histórico do uso de psicodélicos, desde a pré-história até os dias atuais. Ela explicou que nos anos 60 já havia pesquisas e uma coletânea importante de informações a favor do uso clínico das substâncias, porém, os que defendiam os psicodélicos eram ligados ao movimento de contracultura.
“Devido à uma discordância política que envolvia interesses das pessoas que faziam uso de psicodélicos - à época, grupos de contracultura contra a Guerra do Vietnã - a proibição foi a maneira utilizada para criminalizar grupos políticos e isso levou à impossibilidade de explorar o potencial clínico das substâncias por um bom tempo.”
A pesquisadora apresentou estudos que sugerem que o aumento da conectividade entre as regiões cerebrais pode levar a uma maior flexibilidade cognitiva e emocional, o que explicaria os efeitos terapêuticos dos psicodélicos no tratamento de transtornos psicológicos, como depressão e transtorno de estresse pós-traumático.
O LSD, por exemplo, vem sendo estudado como uma alternativa terapêutica para o Alzheimer devido ao seu efeito neuroprotetor, além de reduzir a inflamação e melhorar a plasticidade neuronal. Já a psilocibina demonstrou resultados promissores em crises de dor de cabeça crônica, reduzindo a intensidade e frequência dos episódios. Além disso, há evidências de que psicodélicos ajudam a tratar a obesidade, com estudos sugerindo que eles podem reduzir a compulsão alimentar e melhorar a regulação do apetite. Livia ressaltou que existem efeitos colaterais adversos que mais estudos são necessários para avaliar eficácia e segurança dos tratamentos a longo prazo.
“Precisamos viver bem até o fim”, Erik Amazonas
Ao final das aulas, o moderador Pedro Pierro deu abertura à sessão de perguntas e respostas com um questionamento sobre a liberação de medicamentos à base de MDMA na Austrália - “é um ponto isolado ou uma nova onda chegando?”
Para Livia, ainda temos um grande caminho a ser percorrido. "Precisamos trilhar a nossa própria caminhada, e cada passinho terá que ser com pesquisa feita aqui, e não lá fora”. Ela completou dizendo que para mostrar resultados à Anvisa, ainda é necessário muito suporte financeiro devido ao alto custo dos estudos.
Sobre a possível influência dessas liberações para acelerar a questão regulamentadora no Brasil, Livia acredita que sim, há influência, entretanto o Brasil já é o terceiro país que mais publica sobre psicodélicos, atrás apenas dos Estados Unidos e Reino Unido. “Em termos de produção científica, estamos bem colocados”.
Aquecendo o debate sobre o uso de canabinoides por atletas, Pierro perguntou se não seria possível utilizar o óleo broad spectrum THC em vez do full spectrum. Wellington explica: "Sempre tem um pouquinho de THC.” Não é possível garantir que a extração foi feita com total pureza, o que pode ser um risco ao passar pelo antidoping.“Seria irresponsabilidade prescrever. Talvez para a próxima olimpíada teremos novidades sobre essa regulamentação dos canabinoides."
O enfoque da sessão foi, sem dúvidas, a participação de Simone Gatto no debate, participante da Medical Cannabis Fair que possui uma petição sobre o uso da cannabis para animais. Ela resgata gatos para ou tetraplégicos e já utiliza a medicação nos animais. Dois de seus gatos estavam presentes no evento em um carrinho de bebê, roubando sorrisos e exclamações de todos que passavam. “Que fofos!”, exclamava o público.
Erik, como professor de medicina veterinária e defensor do uso de canabinoides, convidou Simone a subir ao palco e deu sua opinião sobre o caso: “Se vocês virem os exames dos animais, eles têm qualidade de vida. Uma das gatas é tetraplégica, tem 18 anos e está com problemas renais. Já está no fim da vida, não tem mais muito tempo, mas está bem. Eu acho que você tem que estar bem até o fim.”
Uma veterinária presente no debate, que não se identificou, questionou sobre o uso terapêutico da quetamina nos animais, que já é aplicado pelo Hospital das Clínicas. Livia explicou que esta é uma aplicação off label, o que é um risco para o médico por não haver a regulamentação da Anvisa.