Associação Brasileira de Psiquiatria apoia a resolução do CFM sobre a prescrição de compostos da cannabis

Mesmo com diversas críticas por parte de pacientes e profissionais médicos, devido às controvérsias da normativa, a ABP manteve seu apoio e ressaltou a “importância das revisões científicas sobre as aplicações terapêuticas e segurança do uso da subst

Publicada em 18/10/2022

capa
Compartilhe:

Por João R. Negromonte

Na última sexta-feira (14), o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a resolução 2324/22, que restringe o uso dos compostos da cannabis, isto é, a normativa veda para quais doenças e qual composto pode ser utilizado por profissionais médicos. Em nota, a entidade ressalta que a resolução do CFM, assim como norma divulgada pela ABP em julho, levou em consideração os estudos mais recentes sobre a aplicação dos usos do canabidiol, composto da planta, no tratamento de algumas patologias.   

Segundo a ABP, a resolução do CFM destaca a “importância das revisões científicas sobre as aplicações terapêuticas e segurança do uso da substância (canabidiol)”, estabelece que o “grau de pureza e sua forma de apresentação devem seguir as determinações da Anvisa” e reforça “que é vedado ao médico a prescrição da cannabis in natura para uso medicinal, bem como quaisquer outros derivados que não o canabidiol”.  Além disso, a norma proíbe que médicos possam “ministrar  palestras  e  cursos  sobre  uso  do  canabidiol  e/ou  produtos  derivados  de cannabis fora do ambiente científico, bem como fazer divulgação publicitária”. Contudo, especialistas destacam incongruências na normativa. 

À respeito das revisões

Segundo a própria resolução entre “dezembro  de  2020  e  agosto  de  2022,  foram  realizados  estudos  cujos  objetivos  eram identificar  a  evidência  científica  disponível  na  atualidade,  consistente  e  relevante  eficácia  e segurança  no  tratamento  de  pacientes  em  diversas  situações  clínicas  com  os  produtos  ou preparações à base de cannabis”.

Assim, a pesquisa realizada em dezembro de 2020 foi estruturada em “Revisões Sistemáticas de 2018 a 2020 e baseadas em ensaios clínicos randomizados controlados em paralelo e associados à meta-análise”.  Concluiu-se  então pela  existência  de  resultados  positivos  quanto à eficácia em Síndromes Convulsivas, como Lennox-Gastaut e Dravet, mas resultados negativos em diversas outras situações clínicas. 

Porém, ao analisar o teor dos dados de forma temporal, foi possível observar que as referências utilizadas pelo CFM não respeitam de fato as datas citadas, sendo que, de 1963 a 2002, foram avaliados 24 artigos. De 2004 a 2012, 26 e de 2013 a 2014, seis estudos. Ou seja, das 56 referências examinadas, apenas seis  são dos últimos 10 anos e nenhuma entre 2018 e 2020, datas que o conselho afirma ter observado. Vale ressaltar que algumas referências utilizadas estão fora do texto original, mas de todo modo são um tanto quanto inconclusivas.   

À respeito das determinações da Anvisa

Resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como a RDC 327/19 e a RDC 335/20, tratam sobre a importação, fabricação, comercialização e prescrição de produtos de cannabis para fins medicinais, sendo, de acordo com o posicionamento do procurador da República Ailton Benedito de Souza, direito fundamental à saúde, fato este indutor da cidadania e da dignidade humana. 

Assim, no entendimento de alguns especialistas, com o advogado Emílio Figueiredo, a resolução vai contra as diretrizes do órgão sanitário, que regula os medicamentos e produtos para o uso médico. Nesse caso, proibindo que os profissionais de saúde exerçam seus trabalhos ao prescrever produtos in natura ou que não seja o canabidiol, quem sofre com isso são os pacientes que necessitam deste tipo de terapia e são obrigados a recorrer à justiça para garantir o direito à saúde. 

Vale lembrar também que recentemente o procurador tomou providências ao solicitar à Anvisa, CFM e Ministério da Saúde, informações sobre as repercussões técnicas, financeiras e administrativas em relação  às resoluções da cannabis com intuito de medir os impactos causados pelas mesmas. 

À respeito da divulgação publicitária, cursos e palestras

Até que todas as arestas jurídicas sejam aparadas, a decisão do CFM impede que médicos façam qualquer tipo de propaganda, divulgação publicitária ou ministre cursos e palestras sobre o tema fora do ambiente científico, caracterizado, segundo o relatório, por congresso nacional realizado por Sociedade de Especialidade vinculada à Associação Médica Brasileira (AMB). Para alguns advogados,  tal ação priva a liberdade de expressão e faz com que as informações factuais sobre a pauta não sejam divulgadas. 

Contudo, a mesma associação (ABP) que concorda com a resolução do CFM, tem na figura de seu presidente, o médico psiquiatra, Dr. Antônio Geraldo, um palestrante sobre a pauta. Ele  participará de um simpósio em novembro, cujo direcionamento de sua fala será exatamente, coincidência ou não, sobre o composto canabidiol e seus aspectos éticos, morais e financeiros na prescrição. 

(Imagem: Reprodução/Instagram)

Desse modo, fica aqui o questionamento: falará o médico sobre os benefícios desse composto ou seguirá a decisão do CFM em restringir o uso para determinadas doenças? Ou irá coibir sua divulgação sobre os benefícios dessa terapia? Isto é, informações positivas são proibidas, mas negativas não há problema? 

O caminho do debate ainda é longo, mas não haverá coação nem desespero e, como diz Emílio Figueiredo, "ninguém ficará sem tratamento, os dias serão de luta e de defesa à saúde assim como foi em 2014”.