Associações de pacientes da Cannabis medicinal lançam nota pedindo que projeto de lei democratize acesso

O texto, que é assinado por 23 entidades, defende que o foco da regulação da Cannabis pelo Congresso deve ser a democratização das formas de acesso

Publicada em 15/08/2020

capa

Charles Vilela 

As associações que defendem o cultivo da cannabis para fins terapêuticos, lançaram uma nota pública na noite de hoje (14). As instituições, que concentram grande parte do know-how brasileiro no avanço prático do tema Cannabis medicinal e na discussão pública do assunto, manifestaram “preocupação com as movimentações em torno do PL399/2015, em especial dos pontos que tratam do cultivo associativo e do cultivo doméstico." Confira a reprodução da nota na íntegra ao final desta matéria. 

O texto, que é assinado por 23 entidades, defende que “o foco da regulação da Cannabis deve ser a democratização das formas de acesso, começando pelo cultivo doméstico da planta que serve como remédio, o cultivo e fornecimento pelas associações exclusivamente para seus associados, produção e comercialização de medicamentos pela empresas, e, principalmente, o acesso universal através do SUS.”

Dirigente da Santa Cannabis diz que regra pode inviabilizar associações

Entre os pontos que estão gerando discordância está a regra que não estabelece tratamento diferenciado às associações, submetendo-as às mesmas exigências de operação das grandes empresas do mercado de Cannabis. “É uma  maneira de inviabilizar o trabalho das associações”, critica o presidente da Santa Cannabis, Pedro Sabaciauskis. “É o mesmo que proibi-las de atuar, porque elas não têm a capacidade de investimento das grandes empresas e, por isso, necessitam de um tratamento diferenciado”. 

A Santa Cannabis existe há pouco mais de um ano e meio em Florianópolis, no estado de Santa Catarina, e já conta com mais de 400 associados espalhados pelo Brasil. 

Pedro destaca que, mesmo com condições operacionais limitadas, as associações já trabalham, trazem soluções, resolvem problemas, e isso tem que ser levado em consideração porque não se trata de uma tentativa, mas de um trabalho consolidado. “É algo que já acontece na prática, que dá resultado e tem tido sucesso. Queremos que isso seja reconhecido”, defende.  

Para o dirigente, a nota é um alerta à sociedade e aos integrantes da comissão de que qualquer lei, que não seja justa, democrática, e que atenda aos interesses das associações e de seus pacientes e daqueles que praticam o autocultivo, será questionada. “Foram eles (os pacientes) que começaram essa discussão, correndo riscos, fazendo desobediência civil. Isso tem que ser levado em consideração”, defende. “Não adianta fazer uma lei mal feita, que não vai funcionar. Estamos atentos aos interesses envolvidos (no PL399/2015), alguns bem nebulosos inclusive.”

Assinam a nota as seguintes entidades: 

  • Abrace (PB) - Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança
  • Acolher - Associação Brasileira de Cannabis e Saúde
  • ACP (PI) - Associação Canábica Piauiense
  • ACuCa (SP) - Associação Cultural Cannábica de São Paulo
  • AGAPE (GO) - Associação Goiana de Apoio e Pesquisa à Cannabis Medicinal 
  • ALIANÇA VERDE (DF) - Instituto de Pesquisas Científicas e Medicinais das Plantas
  • AMA+ME (MG) - Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal
  • AMEMM (BA) - Associação Multidisciplinar de Estudos sobre Maconha Medicinal
  • AMME (PE) - Associação Maconha Medicinal 
  • AMPARA (PB) - Associação Ampara Cannabis Medicinal 
  • APEPI (RJ) - Associação Apoio a Pesquisa e Pacientes de Cannabis
  • CANNAB (BA) - Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil 
  • CANNAPE (PE) - Associação Canábica Medicinal de Pernambuco
  • CULTIVE (SP) - Associação de Cannabis e Saúde 
  • FLOR DA VIDA (SP) - Associação Terapêutica Cannabis Medicinal Flor da Vida 
  • LIGA CANÁBICA (PB) - Liga Paraibana em Defesa da Cannabis Medicinal 
  • PRÓ-VIDA (SP) - Pró-Vida Cannabis Associação Medicinal
  • RECONSTRUIR (RN) - Associação Reconstruir Cannabis Medicinal
  • SANTA CANNABIS (SC) - Associação Brasileira de Cannabis Medicinal
  • SATIVOTECA (CE) - Instituto de apoio à pesquisa e ao estudo da Cannabis 
  • ABRACAM (CE) - Associacão Brasileira de Cannabis Medicinal 
  • ABRACannabis (RJ) - Associação Brasileira para a Cananbis

CARTA DAS ASSOCIAÇÕES (Reprodução na íntegra)

"Nós, as Associações de pessoas que usam a Cannabis como ferramenta terapêutica abaixo nominadas, expressamos aqui nossa preocupação com as recentes notícias sobre o rumos do projeto legislativo Lei 399/2015 onde parece que haverá uma prioridade as demandas de grandes corporações frente as dos pacientes e suas organizações sociais, encaminhando nossas demanda para serem incluídas no relatório da Comissão.

A regulação da Cannabis no Brasil vem sendo feita de maneira insuficiente para anteder as demandas sociais desde 2014, principalmente pela ANVISA no Processo nº 25351.421833/2017-76, da Reunião Ordinária Pública (ROP) 029/2018, onde o voto condutor final destacou que todo aquele processo foi passível de questionamento, e que não houve transparência e lisura da própria proposta regulatória, haja vista contemplarem determinados produtores e produtos de empresas específicas, com possível criação de uma reserva de mercado.

Tanto o processo administrativo da ANVISA, quanto o presente processo legislativo do PL 399/2015 desconsideram que a demanda pelo uso da Cannabis como ferramenta terapêutica tem origem nas pessoas que usam, foram os pacientes e seus pacientes (principalmente as mães) que trouxeram essa prática para o Brasil e não nenhum empresário de boa vontade, inclusive foram os pacientes que iniciaram a produção nacional, ainda que clandestina.

O sucesso do reconhecimento do uso da Cannabis decorre da soma da luta de todos aqueles que reconhecem sua imensa aplicabilidade terapêutica e continuam a enfrentar injustiças, ainda que de maneira clandestina.

O foco da regulação da Cannabis deve ser a democratização das formas de acesso, começando pelo cultivo doméstico da planta que serve como remédio, o cultivo e fornecimento pelas associações exclusivamente para seus associados, produção e comercialização de medicamentos pela empresas, e, principalmente, o acesso universal através do SUS.

Para isso, se faz necessário o reconhecimento de que é possível usar a cannabis em prol da saúde a partir de remédios feitos em casa e em organizações da sociedade civil sem fins de distribuição de lucro. Deste modo,  demandamos que seja incluído no relatório do PL 399/2015 o acesso ao remédio pelo cultivo doméstico da Cannabis e que seja prevista uma clara diferenciação na atividade das associações (tanto as de pequeno porte, tanto as de grande porte) das atividades da indústria, evitando que exigências desnecessárias sejam feitas às entidades que cultivam e produzem o remédio tão somente para o seu corpo associativo sem finalidade mercantil.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1793) diz no seu Art. 35: “Quando o governo viola os direitos do povo, a insurreição é, para o povo e para cada parcela do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres”.

            A sabedoria possibilita a resolução de conflitos de forma harmônica, porém haverá forte resistência caso esses pilares (cultivo individual e associativo) não sejam contemplados em qualquer proposta regulatória.

            Uma vez atendidas nossas demandas nos comprometemos com essa comissão de apoiar o texto do relatório, contudo uma vez rejeitadas nossas propostas não nos restara alternativa senão criticar o trabalho dessa comissão e incentivar o descumprimento de uma lei feita em descompasso com a realidade brasileira.

            Não nos sujeitamos à um fluxo do mercantilismo ou qualquer tipo de oligopólio.

            Respeitosamente. "