Em decisão inédita, Justiça autoriza farmácia de manipulação a vender produtos à base da Cannabis
A partir de agora, a farmácia de manipulação poderá comercializar produtos industrializados à base de Cannabis para uso medicinal. A manipulação, embora tenha sido permitida na mesma decisão, não deverá ser feita num primeiro momento pela questão da
Publicada em 01/04/2021
Charles Vilela
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) autorizou uma farmácia de manipulação situada no município de São José dos Campos (SP), a manipular e vender produtos e fitofármacos à base de Cannabis sativa. A decisão, até então inédita, teve acórdão publicado na terça-feira (30). Cabem recursos extraordinário e especial à decisão, que podem ser encaminhados ao STJ (Superior Tribunal Federal) e STF (Supremo Tribunal Federal), respectivamente.
A partir de agora, a farmácia de manipulação poderá comercializar produtos industrializados à base de Cannabis para uso medicinal. A manipulação, embora tenha sido permitida na mesma decisão, não deverá ser feita num primeiro momento pela questão da dificuldade de obtenção da matéria-prima, que, conforme estabelecido na RDC 327 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), tem que ser de origem importada, não podendo ser produzida em território nacional.
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Lei 13.021 estaria sendo desrespeitada pela RDC 327 da Anvisa
A Lei 13.021/2014, que conceitua farmácia sem manipulação ou drogaria – que só podem vender os medicamentos ou correlatos nas embalagens originais -, as categoriza do mesmo modo. Já em relação à farmácia com manipulação, a lei prevê que além da venda dos medicamentos ou correlatos nas embalagens originais, o estabelecimento está apto a realizar a manipulação de produtos.
Com base nisso, a farmácia de manipulação ingressou contra chefe do Setor de Vigilância Sanitária do município, solicitando que a autoridade seja impedida de aplicar qualquer tipo de sanção por dispensação e manipulação de produtos com ativos derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis Sativa, com base na Resolução RDC nº 327/2019 da Anvisa.
De acordo com o processo, o estabelecimento sustentou que seria ilegal a vedação à venda dos produtos de Cannabis em farmácias com manipulação, bem como à manipulação de fórmulas magistrais contendo derivados ou fitofármacos à base de Cannabis, nos termos da RDC nº 327/2019, por se tratar de restrição não prevista em lei.
Ainda, segundo consta nos autos, haveria ofensa aos princípios constitucionais do livre trabalho e da livre iniciativa, bem como afronta direta ao art. 4º da Lei 13.874/2019, que determina que a Administração Pública evite o abuso do poder regulatório de maneira que crie reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes.
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Para advogado, decisão aponta para o surgimento de novo mercado no fornecimento de matéria-prima
Para o advogado Flávio Mendes Benincasa, especialista em direito sanitário e farmacêutico, no caso em questão, são remotas as chances de se lograr êxito nas apelações possíveis ao STJ e STF pelo fato de que a ação é contra uma regulamentação da Anvisa, não tenho relação direta com questões da legislação federal ou à Constituição. Para ele, apesar de a decisão não se qualificar como jurisprudência, abre um importante precedente na Justiça. “Possivelmente, as importadoras de matéria-prima (de Cannabis para fins medicinais) passarão a olhar para esse segmento”, prevê.
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Em seu despacho, a desembargadora relatora Maria Olívia Alves, declarou que “a vedação da venda dos produtos de Cannabis Sativa em farmácia de manipulação pelo art. 53 da RDC 327/19 da Anvisa é uma afronta a lei 13.874/19 que em seu art. 4º. determina que o administrador público evite o abuso do poder regulatório que crie privilégios econômicos ou outros em prejuízo dos demais concorrentes.”
Ainda segundo a desembargadora, “a livre concorrência é preconizada na Magna Carta no art. 170, inc, IV. Com isso, a Anvisa está fazendo clara distinção entre os dois tipos de farmácia, com ou sem manipulação, favorecendo uma em detrimento de outra, o que é inadmissível. Uma poderá comercializar e outra não. Não há lógica. E mais, a Anvisa é uma autarquia sob regime especial é uma agência reguladora e em que pese poder regular matéria de saúde não está autorizada a inovar no ordenamento jurídico, sendo defeso invadir competência reservada à lei (art. 5º, II, CF).”