Justiça concede HC preventivo a argentino que viajará ao Brasil com cannabis medicinal
Decisão da 2ª Vara Federal de Guarulhos determina que autoridades não apreendam óleo, flores de cannabis e vaporizador usados em tratamento médico por paciente argentino.
Publicada em 05/12/2025

Imagem: Canva Pro
A Lei de Drogas (Lei 11.343/06) prevê a repressão penal ao tráfico e ao consumo de entorpecentes, mas também a possibilidade de autorização para o plantio de cannabis para fins medicinais.
Esse foi o fundamento adotado pelo juiz Márcio Martins de Oliveira, da 2ª Vara Federal de Guarulhos (SP), ao conceder Habeas Corpus preventivo em favor de um cidadão argentino que faz uso terapêutico de cannabis. O paciente comprovou ser portador de doença e estar em tratamento para ansiedade, com prescrição de óleo da planta e flores inaladas.
Segundo o processo, ele possui autorização das autoridades argentinas para aquisição e ingestão dos medicamentos, além de autorização para importação de sementes. O paciente informou ao Judiciário que chegará ao Brasil em 12 de novembro de 2025 pelo Aeroporto de Guarulhos e permanecerá no país até 20 de novembro de 2025. Relatou temer sofrer coação de autoridades brasileiras ao transportar 40 gramas de medicamento in natura, três frascos de 30 ml de óleo de cannabis e um vaporizador.
O advogado Clayton Medeiros Bastos Silva, que representa o paciente, afirmou que “a decisão representa mais do que uma vitória jurídica: ela reafirma que o direito à saúde e à dignidade humana não conhece fronteiras”. Ele destacou que o tratamento é regularmente prescrito no país de origem e apontou o risco que o cidadão enfrentaria ao entrar no Brasil: “corria risco real de ser criminalizado por transportar seu próprio tratamento”.
O juiz observou que o HC preventivo é cabível quando há ameaça concreta à liberdade de locomoção e citou jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que admite salvo-conduto nesses casos, já que a importação ou transporte de derivados da cannabis sem autorização administrativa pode, em tese, enquadrar-se nos artigos 28 ou 33 da Lei 11.343/06, ou ainda no crime de contrabando previsto no art. 334-A do Código Penal.
Clayton reforçou essa compreensão ao afirmar que “o habeas corpus preventivo garante justamente isso: a liberdade de quem faz uso de cannabis”. Para ele, o direito à saúde não se limita a cidadãos brasileiros: “E quando falamos de saúde, falamos de um direito fundamental protegido pela Constituição, válido para brasileiros e também para qualquer pessoa que esteja no território nacional”.
O magistrado destacou os artigos 6º e 196 da Constituição Federal e citou o artigo 2º da Lei 11.343/06, que prevê a possibilidade de autorização da União para plantio, cultura e colheita da planta para fins medicinais ou científicos. Também mencionou normas da Anvisa, como a inclusão da cannabis como planta medicinal na Lista de Denominações Comuns Brasileiras (DCB) e a alteração promovida pela RDC 66/2016 na Portaria 344/1998, permitindo prescrição e manipulação para fins terapêuticos.
Além disso, o advogado chamou atenção para a vulnerabilidade de estrangeiros em trânsito: “o estrangeiro em viagem ao Brasil deve ter assegurada a proteção mínima contra abordagens abusivas, detenções indevidas e constrangimentos em aeroportos”. Ele ressaltou que o salvo-conduto é essencial para evitar interpretações equivocadas por agentes de segurança: “impede que autoridades confundam um medicamento prescrito com tráfico de drogas”.
A decisão também registra precedentes do TRF-3 que autorizam importação, transporte e cultivo de cannabis para uso exclusivo medicinal, além da concessão de salvo-conduto para garantir a continuidade do tratamento.
Ao analisar o caso, o juiz considerou comprovada a doença, a necessidade do tratamento e a autorização concedida na Argentina. Diante do risco iminente de constrangimento ilegal, concedeu liminar para impedir que autoridades policiais apreendam ou destruam três frascos de 30 ml de óleo de cannabis e 40 g de flores, autorizando o transporte do material entre 12 e 20 de novembro de 2025.
Sobre o objetivo geral da medida, Clayton sintetizou: “No fundo, o que buscamos é simples, que ninguém tenha seu tratamento interrompido ou sua liberdade ameaçada por falta de atualização das normas”. E completou: “enquanto essas normas não avançam, o caminho judicial segue sendo uma ferramenta essencial de proteção”.
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