Maconha: será que estamos explorando seu potencial farmacêutico ao máximo? 

Ao olhar para o mercado farmacêutico brasileiro, temos disponíveis apenas óleos de composições semelhantes e um spray oral

Publicada em 01/10/2023

capa
Compartilhe:

Por Priscila Gava Mazzola e Claudete Oliveira

Certamente, você, leitor, já tomou dipirona pelo menos uma vez na sua vida. Sem pensar muito é possível elencar pelo menos cinco tipos diferentes desse medicamento nas prateleiras das drogarias. Comprimidos, gotas, xarope, supositórios e injetáveis.  

Por que existem tantas apresentações de um mesmo princípio ativo? 

Ora, cada uma das apresentações atende melhor um determinado tipo de paciente ou queixa. Por exemplo, se precisarmos medicar um paciente pediátrico em casa, certamente o xarope é o produto mais adequado, afinal, foi planejado para atender essa faixa etária. 

Quando olhamos para o mercado farmacêutico brasileiro dos derivados medicinais da maconha, temos disponíveis apenas óleos de composições semelhantes e um spray oral. Hoje os pacientes podem obter produtos no Brasil provenientes de três origens: na drogaria (medicamentos comerciais, com custos elevados), óleos de associações e famílias que possuem autorização de cultivo e produção, e a importação dos produtos.  

Contudo, a RDC 327/2019 da Anvisa vigente no Brasil, que está sendo revisada, autoriza que os produtos de Cannabis sejam utilizados apenas por via oral ou nasal. Ainda limita o desenvolvimento de produtos farmacêuticos que lancem mão de maiores tecnologias, tais como produtos de liberação modificada e nanotecnologia. 

Sendo assim, hoje existe uma grande limitação às inovações no que diz respeito simultaneamente à novas apresentações farmacêuticas e novas vias de administração, diferentes da oral e nasal. Há vasto potencial terapêutico em outras vias de uso de medicamentos derivados da Cannabis, e estão disponíveis na literatura científica artigos que relatam sucesso no desenvolvimento de medicamentos contendo canabinoides em apresentações diversas, adequados para determinadas doenças e grupos de pacientes. 

É indiscutível que o uso de medicamentos pela via oral é descomplicado e natural, no entanto há relatos que indicam que, após administração oral, a concentração sanguínea do metabólito inativo é aproximadamente 40 vezes maior do que a do CBD. Isso significa que grande parte do CBD já foi inativado pelo fígado, levando a uma redução do potencial terapêutico da dose administrada. Estudos como este apontam a importância de buscar combinações de medicamentos e vias de administração que evitem a metabolização hepática e maximizem os efeitos terapêuticos. 

As formulações atuais de canabidiol (CBD) enfrentam desafios relacionados à liberação e absorção imprevisíveis. O design racional de sistemas de entrega inovadores ou diferenciados oferecem uma alternativa prática. Além disso, há possibilidades de aprimorar a estabilidade dos canabinoides bem como sua biodisponibilidade*. 

Portanto, é crucial questionarmos: Estamos realmente explorando todo o potencial farmacêutico da Cannabis? Com o mercado atual limitado, é hora de abrir as portas para a inovação e a pesquisa. 

Essas iniciativas beneficiarão grupos específicos de pacientes, permitirão doses mais precisas e, portanto, tratamentos mais eficazes e com menores efeitos colaterais. Ainda, um maior leque de medicamentos permitirá maior segurança na prescrição, a realização de pesquisas clínicas mais abrangentes e que um maior número de pessoas tenha acesso a essas terapias. 

A busca por novas apresentações farmacêuticas e novas vias de administração para derivados de Cannabis é essencial para explorar todo o potencial terapêutico desta planta. Devemos aproveitar a oportunidade de explorar o desconhecido, ampliar nosso arsenal terapêutico e garantir que a medicina à base de Cannabis alcance seu máximo potencial.  

* Biodisponibilidade: descreve a quantidade e a velocidade com que um medicamento ou substância ativa, como os canabinoides, se torna disponível para o corpo após ser ingerido ou administrado ao paciente de alguma forma. Em termos mais simples, é uma medida de quanto do medicamento realmente "chega" à corrente sanguínea e poderá chegar ao local onde ele deve atuar no corpo. 

Sobres a autoras:

Essa coluna foi feita em colaboração com a farmacêutica Priscila Gava Mazzola, da Faculdade de Ciências Farmacêuticcas da Universidade Estadual de Campinas (FCF/Unicamp). Formada pela USP/SP, com doutorado em tecnologia-bioquímico farmacêutica e habilidades aprimoradas no MIT, Dra. Priscila é especialista em medicamentos tópicos e transdérmicos, utilizando em seus trabalhos ativos naturais (inclusive resíduos) e sintéticos. Atualmente explora os poderes terapêuticos da cannabis medicinal, desenvolvendo novos medicamentos para ampliar o arsenal terapêutico nacional.

Claudete Oliveira é graduada em Farmácia industrial pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em gestão e docência no ensino superior e em tecnologia em Cosméticos pela UNIARA (Universidade de Araraquara). Mestre em ciências por Farmanguinhos - FIOCRUZ, na área de produtos naturais, atualmente é doutoranda em Farmanguinhos - FIOCRUZ, com Cannabis medicinal. Coordenadora técnica de beneficiamento da APEPI - Associação de apoio a pacientes e pesquisa em Cannabis medicinal. Professa do curso de pós graduação em Cannabis medicinal na UNYLEYA. Professora de Graduação da Universidade Castelo Branco. Secretária executiva do Grupo de trabalho Técnica do Conselho Regional de farmácia do Rio de Janeiro e sócia do Instituto Huomare.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.