Psiquiatra Elisa Brietzke explica a importância da terapia com psicodélicos para transtornos do humor

A psiquiatra do Kingston General Hospital diz que a psilocibina é segura e pode trazer benefícios para a saúde mental

Publicada em 29/07/2024

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Imagem ilustrativa | Canva PRO

Elisa Brietzke encontrou no Canadá o local ideal para aprofundar seus estudos e pesquisas sobre transtornos do humor, especialmente o transtorno bipolar e a depressão. Segundo a médica psiquiatra, com pós-doutorado na University Health Network/ University of Toronto e Queen’s University no Canadá, a escolha do país não foi por acaso. "Eu escolhi o Canadá porque este é um país muito produtivo na área de transtornos do humor, que é o meu principal foco de trabalho. Aqui temos pesquisadores bastante respeitados nessa área e que trabalham em rede. Isso potencializa imensamente a capacidade de realizar pesquisas que mudem o panorama na área de saúde mental. Além disso, este é um país que já estudou extensamente outras substâncias como a cannabis e seus derivados, especialmente o canabidiol, e escolheu o caminho da legalização dessas substâncias."

Médica da psiquiatra da Divisão de Psiquiatria do Adulto do Kingston General Hospital, Brietzke conta que a escolha se baseou na produtividade e na excelência dos pesquisadores canadenses nessa área. "Eu escolhi o Canadá porque este é um país muito produtivo na área de transtornos do humor, que é o meu principal foco de trabalho. Aqui temos pesquisadores bastante respeitados nessa área e que trabalham em rede. Isso potencializa imensamente a capacidade de realizar pesquisas que mudem o panorama na área de saúde mental", explicou a psiquiatra.

Além disso, o Canadá se destaca por sua abordagem progressista e científica em relação ao uso de substâncias como a cannabis e seus derivados, especialmente o canabidiol. "Este é um país que já estudou extensamente outras substâncias como a cannabis e os seus derivados, especialmente o canabidiol, e escolheu o caminho da legalização dessas substâncias", afirmou Brietzke, evidenciando a sinergia entre seus interesses de pesquisa e a política canadense.

A trajetória de Brietzke na medicina é marcada por uma combinação de desejo de ajudar e curiosidade científica. "Eu escolhi ser médica por dois motivos: eu tinha uma grande vontade de ajudar as pessoas em sofrimento e, ao mesmo tempo, uma curiosidade imensa sobre como o corpo humano funcionava", contou. Desde cedo, sua fascinação pelo funcionamento do cérebro foi despertada por leituras como "Drogas Psicotrópicas e seu Modo de Ação", do Prof. Frederico Graeff, que se tornou um divisor de águas em sua carreira.

Com foco em transtornos do humor, explora o campo da psiquiatria em busca de novas descobertas para beneficiar pacientes que sofrem com problemas de saúde mental. Neste contexto, a psilocibina tem se mostrado eficiente no tratamento de diversas patologias.  

 

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Elisa Brietzke  | Imagem: Arquivo Pessoal 

Veja a entrevista completa sobre o olhar de Elisa Brietzke para a terapia com psicodélicos.


1- O que você vem estudando sobre psicodélicos?

Eu estudo principalmente o potencial terapêutico da psicoterapia assistida por psilocibina para pessoas com depressão. Nosso projeto mais recente é um estudo envolvendo mulheres com depressão que foram vítimas de maus-tratos na infância. Sabemos que essa é uma população especialmente complexa, porque há mais comorbidade com transtornos de ansiedade, abuso de substâncias e risco de suicídio. Muito frequentemente, precisamos associar psicoterapia à medicação e, mesmo assim, a resposta ao tratamento não é tão boa. Como temos resultados promissores no tratamento do transtorno do estresse pós-traumático com MDMA, nosso grupo desenvolveu a hipótese de que a psilocibina poderia ser útil em quadros de depressão em que o trauma fosse um fator preponderante.

2- Por que a psilocibina?

Primeiro porque a psilocibina é uma substância bastante segura. Quando buscamos um tratamento inovador, a última coisa que queremos é causar risco ao nosso paciente. Os efeitos colaterais são principalmente relacionados ao potencial de ter uma experiência desagradável durante a sessão de dosagem, o que pode ser minimizado com o acompanhamento profissional adequado. A segunda razão diz respeito ao tempo de ação, que é menor do que outros psicodélicos, como o LSD. Isso reduz a permanência da pessoa no local de administração, diminuindo os custos.

3- E como você vê o momento de pesquisa e incorporação na prática clínica dos psicodélicos nos grandes institutos no mundo?

Eu vejo o momento atual como de rápido desenvolvimento, mas de muita cautela também, pois é necessário que a pesquisa avance e que os órgãos reguladores estabeleçam claramente os requisitos técnicos para a psicoterapia assistida por psicodélicos. Além disso, é importante que os profissionais que entrarão em contato com pessoas sob efeito de psicodélicos atuem de forma ética, a fim de garantir a segurança do paciente. Também acredito que os profissionais da saúde precisam ser muito criteriosos em avaliar os benefícios potenciais, entendendo que os transtornos mentais são condições crônicas causadas pela combinação de fatores biológicos, incluindo o risco genético, fatores psicológicos e sociais. É improvável que os psicodélicos funcionem para todos e é esperado que funcionem melhor para alguns pacientes do que para outros. Nosso papel é ajudar o paciente a acessar a psicoterapia assistida por psilocibina dentro de protocolos experimentais, entendendo os benefícios esperados e as limitações do conhecimento.

4- Nas pesquisas desenvolvidas, já é possível verificar as diferenças entre o composto sintético de psilocibina e o IFA do cogumelo mágico, ou ele in natura?

Esse é um aspecto ainda pouco estudado e não temos dados que mostrem alguma diferença entre esses dois compostos, quando usados em contexto de pesquisa médica.

5- O que vocês descobriram no estudo reforça o que outras grandes instituições falam sobre os psicodélicos?

O estudo realizado no Canadá mostrou que é possível tratar com psicoterapia assistida por psilocibina uma população mais próxima da encontrada na clínica, com comorbidades psiquiátricas e com quadros de depressão resistentes ao tratamento. Também mostrou que é possível usar múltiplas doses de psilocibina, caso o paciente responda a essa intervenção. Esse resultado foi semelhante a outros estudos com o mesmo tratamento realizado em outros países. Porém, é necessário ressaltar que, até o momento, temos sete estudos comparando a psicoterapia assistida por psilocibina na depressão, mas que, tomados em conjunto, eles avaliaram pouco mais de 400 pessoas. Precisamos investir na realização de grandes estudos, envolvendo populações diversas e com maior tempo de seguimento.

6- Psicodélicos podem ser um novo campo para a psiquiatria?

Sim. Os psicodélicos são uma esperança para uma quantidade enorme de pacientes que não respondem aos tratamentos convencionais, como os antidepressivos e as psicoterapias. Nesse momento, há estudos com psicodélicos para transtorno do estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade, dependência de álcool e de drogas, transtornos alimentares, dor crônica, entre outros. A psiquiatria vem se interessando por entender o efeito dos psicodélicos no cérebro e estudos usando métodos de neuroimagem para desvendar os seus mecanismos de ação. Tem ficado cada vez mais claro que essas são substâncias únicas e que não são comparáveis aos antidepressivos convencionais.

7- Comente sobre a contribuição que a terapia psicodélica está trazendo para a medicina.

Uma das contribuições mais importantes é no campo dos cuidados paliativos. Temos estudos bastante sólidos mostrando que o uso de psicodélicos nesse momento, especialmente da psilocibina, alivia a ansiedade existencial, o medo da morte, e ajuda a pessoa que está em uma situação de fim de vida a encontrar significado nesse período. Uma outra situação bastante importante é o caso da psicoterapia assistida por MDMA no transtorno do estresse pós-traumático. Temos dois grandes estudos sugerindo a melhora com esse tipo de tratamento. O resultado desses estudos subsidiou a aprovação desse tratamento na Austrália e o pedido de aprovação nos Estados Unidos.

8 - Qual a importância de receber educação sólida em um campo tão novo para a saúde mental para quem quer se aprofundar na psicoterapia assistida por psicodélicos?

Um dos pontos principais diz respeito aos múltiplos campos de estudo envolvidos. Quem vai trabalhar nessa área precisa conhecer desde aspectos socioantropológicos da substância até a situação legal dos psicodélicos, passando pela farmacologia, psicoterapia e metodologia científica. Em geral, quem procura um aprofundamento domina um ou poucos aspectos envolvidos na psicoterapia por psicodélicos, mas precisa se familiarizar com os outros. Também é importante entender que esse é um conhecimento em evolução e é muito importante conhecer os pesquisadores que estão produzindo os dados sobre essa modalidade de tratamento, aprender com quem pratica a psicoterapia assistida por psicodélicos em outros países e ter a oportunidade de entrar em contato com os estudos fundamentais no campo. Porém, para mim, o aspecto mais importante está em entender os aspectos técnicos e éticos que um profissional que pretende se tornar um psicoterapeuta dessa modalidade precisa conhecer.

9 - Como é possível trazer para o Brasil, que é um país ansioso e deprimido, a medicina psicodélica? Existem quebras de paradigma para isso, assim como vem acontecendo nos grandes centros médicos mundiais?

Essa não é uma pergunta simples, porque as razões para o Brasil ser um país ansioso e deprimido são muitas. Elas vão desde a violência urbana, a privação de sono, a falta de opções de exercício físico e lazer, a alimentação pouco saudável, as dificuldades econômicas e, para piorar, ainda vivendo as consequências da pandemia pela Covid-19. Precisamos caminhar na direção da redução do estigma, na capacitação de profissionais para reconhecer precocemente e tratar transtornos psiquiátricos e na oferta de tratamentos de diferentes modalidades para o conjunto da população brasileira, incluindo um largo contingente de pessoas que usam o Sistema Único de Saúde. Precisamos de mais pesquisas, com mais financiamento e mais estrutura para quem trabalha nessa área. E, finalmente, precisamos iniciar uma discussão sobre os aspectos regulatórios e legais do uso experimental de psicodélicos. Mais do que uma mudança brusca, acredito no envolvimento dos profissionais de saúde, pesquisadores, pessoas com transtornos mentais e da sociedade como um todo no amadurecimento dessa discussão, de forma que os avanços na medicina psicodélica cheguem até as pessoas de forma segura e eficiente.