Relatório do Reino Unido recomenda proibir abordagens policiais com base em suspeita de porte
Material também aponta necessidade de descriminalizar a posse de cannabis
Publicada em 04/06/2025

Imagem Ilustrativa: Canva Pro
A Comissão de Drogas de Londres, criada pelo prefeito Sadiq Khan há quase três anos, publicou o relatório final avaliando a atual política de drogas do país. Segundo o documento, a proibição da cannabis trata a substância de forma desproporcional aos seus reais danos, sobretudo no impacto sobre minorias étnicas da capital britânica.
Com o apoio explícito de Khan, as 42 recomendações do relatório já estão provocando debates intensos na mídia, em meio a uma agenda política focada na reforma do sistema prisional — impulsionada por outro relatório controverso, este elaborado por David Gauke, ex-secretário de Justiça. O governo britânico já aceitou “em princípio” as sugestões de Gauke, num momento em que a crise carcerária do país atinge níveis críticos.
Embora o cenário seja propício para novas reformas — que poderiam tirar milhares de infratores de menor potencial ofensivo do sistema penitenciário — ainda não está claro se o governo de Keir Starmer adotará as recomendações de Lord Falconer.
A gênese do relatório: o "conundrum" da cannabis
Em 12 de maio de 2022, Sadiq Khan lançou oficialmente a Comissão de Drogas de Londres (LDC), liderada por Lord Falconer, ex-ministro da Justiça do governo Tony Blair. A comissão foi criada com o objetivo de avaliar a eficácia das leis e políticas sobre a cannabis, especialmente quanto aos danos causados às comunidades marginalizadas.
O relatório, intitulado “The Cannabis Conundrum”, analisa os impactos do uso não medicinal da planta, o efeito das políticas atuais sobre a sociedade londrina e o sistema judiciário em colapso.
“O arcabouço legal atual criminaliza a importação, exportação, produção e fornecimento de cannabis, bem como a posse, com penas severas associadas. Entendemos que esse modelo não cumpre adequadamente sua finalidade”, diz o documento.
Dados do Ministério da Justiça apontam que o número de indivíduos processados formalmente na Inglaterra e País de Gales subiu 4% em 2024, atingindo 1,52 milhão. As sanções extrajudiciais, como advertências por posse de cannabis, cresceram 5%, mesmo com queda drástica de 68% nas advertências e de 44% nas notificações de penalidade por desordem (PNDs).
Mesmo assim, 37% das 4.100 PNDs emitidas no período foram por posse de cannabis — cerca de 1.500 pessoas multadas por essa infração. No fim de 2024, havia 1.073 pessoas presas por crimes em que a cannabis era o delito principal, com um custo anual médio de £ 51.108 por preso, totalizando mais de £ 55 milhões por ano aos cofres públicos.
O relatório critica a severidade das penalidades, considerando-as “desproporcionalmente altas, especialmente para a posse”.
Discriminação racial e abusos nas abordagens policiais
Um dos pontos mais contundentes do relatório é a denúncia de que negros londrinos são mais parados e revistados, embora não sejam encontrados com cannabis com maior frequência. “O policiamento da cannabis, especialmente via abordagens, foca grupos específicos com consequências danosas e duradouras”, aponta.
Descriminalizar, mas não legalizar
Desde o início, o relatório esclarece que não recomenda a legalização da cannabis. Segundo os autores, experiências de países como EUA, Canadá, Alemanha e Malta mostram que, embora a legalização não tenha provocado grandes crises, ela não eliminou o mercado ilícito nem resolveu os problemas estruturais da proibição.
“Em algumas jurisdições, o ‘Big Tobacco’ foi substituído pelo ‘Big Cannabis’”, aponta o texto, que também afirma que os benefícios fiscais e o alívio no sistema penal não foram suficientes para justificar a legalização plena.
Com isso, a comissão propõe um modelo intermediário: descriminalizar a posse, mas manter como crime a produção, distribuição e importação. Para tanto, sugere transferir a cannabis da Lei de Uso Indevido de Drogas de 1971 (MDA) para a Lei de Substâncias Psicoativas de 2016 (PSA).
Impacto prático e proteção a usuários medicinais
Essa reclassificação impediria que a suspeita de posse fosse motivo legítimo para abordagem policial, o que reduziria práticas discriminatórias e abusivas. Também garantiria maior proteção a quem usa cannabis para fins medicinais, mas sem acesso a prescrição particular — uma realidade comum no país.
A comissão também propõe anistia retroativa para pessoas condenadas por posse.
Reações da indústria
Mike Morgan-Giles, CEO do Cannabis Industry Council, afirmou ao Business of Cannabis: “Não há dúvida de que o sistema atual impacta de forma desproporcional as comunidades de minorias étnicas. A reforma é extremamente necessária”.
O Dr. Simon Erridge, chefe de pesquisa da Curaleaf Clinic, ressaltou: “Sabemos que classificar a cannabis como droga de Classe B não reduziu os danos nem melhorou o acesso. Muitas pessoas ainda são forçadas a recorrer ao mercado ilícito”.
Já Jon Robson, CEO da Mamedica, destacou a urgência de maior compreensão: “É chocante que, mesmo após seis anos de legalização da cannabis medicinal, o acesso e o conhecimento sobre seus benefícios sigam tão restritos”.
A psiquiatra Imogen Kretzschmar, também da Mamedica, completou: “Descriminalizar a posse pessoal é um passo essencial para proteger os pacientes e reduzir os danos do sistema de justiça”.
Conteúdo Publicado Originalmente em Business of cannabis