Por que os produtos à base de Cannabis são tão caros?
Em mais um assunto escolhido acertadamente, o colunista Ricardo Ferreira trata do preço proibitivo dos óleos medicinais produzidos a partir dos derivados da Cannabis, conectando ao tema elementos como regulação, técnicas de produção e plantio, lucro
Publicada em 25/03/2021
Coluna de Ricardo Ferreira*
Independente do seu saldo bancário, é impossível achar que os produtos à base de Cannabis disponíveis por aqui sejam vendidos por um preço razoável. Eles são invariavelmente caros, pouco importando a marca, concentração, origem, ou se foram produzidos de forma artesanal ou industrial.
Mesmo em países onde o acesso amplo à Cannabis já está em vigor, comprar qualquer coisa que venha desta planta fará um buraco na sua carteira.
Essa dura realidade não fica restrita ao Brasil. Mesmo em países onde o acesso amplo à Cannabis já está em vigor, comprar qualquer coisa que venha desta planta fará um buraco na sua carteira.
Independente do que está sendo vendido, o preço de qualquer produto costuma ser definido por fatores bem conhecidos. O mais óbvio é a diferença entre a oferta e a demanda, quanto mais raro e desejada alguma coisa é, mais caro ela tende a ser. Exemplos clássicos disso são metais e pedras preciosas como ouro, diamantes, esmeraldas e por aí vai.
Mas nesta equação também entram outras variáveis como: custo de produção, gastos com transporte, tempo de prateleira (prazo de validade), margem de lucro e a malvada da carga tributária.
O regramento vigente no Brasil permitiu desde o ano passado a produção de extratos de cannabis por laboratórios dentro do território nacional. Entretanto, o cultivo da Cannabis continua sendo proibido por aqui; obrigando que a matéria prima seja importada de outros países.
O regramento vigente no Brasil permitiu desde o ano passado a produção de extratos de cannabis por laboratórios dentro do território nacional. Entretanto, o cultivo da Cannabis continua sendo proibido por aqui; obrigando que a matéria prima seja importada de outros países.
Esta mesma regulamentação também permite às empresas nacionais a importação e distribuição de produtos já prontos. Além disso, ainda está vigente a regra que a ANVISA permite que um paciente faça a importação direta de extratos de cannabis para atender a sua necessidade médica pessoal.
Alguns pacientes também conseguem obter seus extratos através de associações, produtores independentes e cultivo individual; seja através da desobediência civil ou protegidos por autorizações judiciais.
Pensando de forma simplista, tendemos a achar que o fato do cultivo só poder ocorrer fora do Brasil seja o principal motivo para preços tão elevados… Mas a questão é bem mais complexa que isso.
Pensando de forma simplista, tendemos a achar que o fato do cultivo só poder ocorrer fora do Brasil seja o principal motivo para preços tão elevados… Mas a questão é bem mais complexa que isso.
Se traçarmos um paralelo com azeite de oliva, veremos que o fato das plantas estarem fora do nosso país, não faz do azeite um produto de difícil acesso. Em todo Brasil é possível comprar 500ml de um bom azeite por menos de R$15,00. O azeite não é barato, mas está longe de ter um custo proibitivo.
Não faz muito tempo que eu fiquei sabendo do quanto as oliveiras são árvores tinhosas. Elas só se adaptam a uma faixa de latitude restrita, e com condições de solo e clima bem específicos. Sem falar que elas demoram 10 anos para produzir azeitonas de boa qualidade para extração do azeite extra virgem. E é por isso que o azeite de oliva custa pelo menos o dobro do óleo de soja. Mas por outro lado seu preço é ínfimo se comparado com um óleo de cannabis.
Os argumentos quanto ao cultivo acontecer em outros países, grandes dificuldades técnicas para a produção e necessidade de investimentos monumentais para cultivo não servem como justificativa para encarecer o preço final dos produtos canábicos.
Quem já teve a oportunidade de conhecer com um pouco mais de profundidade como é feito o cultivo da Cannabis, sabe que apesar desta planta ter algumas particularidades, ela é cultivável praticamente em qualquer lugar. Então, os argumentos quanto ao cultivo acontecer em outros países, grandes dificuldades técnicas para a produção e necessidade de investimentos monumentais para cultivo não servem como justificativa para encarecer o preço final dos produtos canábicos.
Da mesma forma, os fatores da carga tributária e tempo de prateleira (prazo de validade) de produtos canábicos, não são muito diferentes dos de outros medicamentos fitoterápicos e extratos vegetais que podemos facilmente comprar em qualquer farmácia ou quitanda.
Será a margem de lucro? Será que existe um conluio entre todos os produtores do mundo de cannabis para embutir margens de lucro abusivas? E toda esta distorção e paradoxo só tem uma razão: O proibicionismo canábico.
Então o que sobra? Será a margem de lucro? Será que existe um conluio entre todos os produtores do mundo de cannabis para embutir margens de lucro abusivas? As leis do Sr. Mercado não se aplica a Cannabis?
A meu ver não é nada disso, mas ao mesmo tempo é tudo isso. E toda esta distorção e paradoxo só tem uma razão: O proibicionismo canábico.
Proibicionismo é uma política de estado com finalidade de proibir ou pelo menos limitar ao máximo a circulação de algum produto ou atividade econômica. Em relação à cannabis ele não é praticado apenas no Brasil, mas sim em todo o mundo.
Mesmo nos lugares onde o uso da cannabis já foi regulamentado o proibicionismo continua em vigor. E é por isso que na Califórnia ou Vancouver 1g de flores de cannabis não são vendidas por menos de U$10.
O proibicionismo não é capaz de evitar que um adolescente acenda um baseado. Mas ele é bastante eficaz para atrapalhar a cadeia produtiva para quem atua dentro da legalidade, dificultando absurdamente a produção.
O proibicionismo não é capaz de evitar que um adolescente acenda um baseado. Mas ele é bastante eficaz para atrapalhar a cadeia produtiva para quem atua dentro da legalidade, dificultando absurdamente a produção.
Seus métodos são desde a exigência de pilhas e pilhas de documentos para registros e concessões, até o confinamento do cultivo em estruturas com arquitetura e segurança comparáveis a abrigos nucleares. E para conseguir atender a estas exigências são necessárias grandes quantidades de dinheiro, tempo e energia.
Aqueles que optam por não seguir as exigências não ficam imunes aos seus impactos. Eles precisarão investir em infraestrutura de segurança, não podem expandir muito a sua capacidade produtiva para não chamarem muita atenção, e vão querer ser recompensados pelo risco que correm.
Então, seguindo ou não as regras, de uma forma ou de outra todos os processos são afetados. E esse é o real motivo do elevadíssimo preço dos produtos à base de cannabis independente da origem deste produto.
Direta ou indiretamente as políticas proibicionistas reduzem e encarecem absurdamente todas as fases de produção, limitando drasticamente a capacidade produtiva, e jogando para cima todas as variáveis que resultarão no alto preço final. E quem paga é o paciente; seja com dinheiro, ou com a manutenção do seu sofrimento pela falta de possibilidade de acesso.
Se você é favorável ao uso medicinal da cannabis e seus derivados, mas entende que seu elevado custo é um problema real… Não basta simplesmente se posicionar à favor do cannabis como medicamento. Apesar do seu apoio ser importante, ele sozinho não é o suficiente para promover o acesso para a grande maioria das pessoas que precisam desta planta.
Com base em tudo isso, ser contra o proibicionismo é ser a favor da ampliação do acesso à cannabis como medicamento.
*Ricardo Ferreira é médico especialista no tratamento de doenças da coluna vertebral e controle da dor e colunista do Sechat.
As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.
Veja outros artigos de nossos colunistas:
Alex Lucena
– Inovação e empreendedorismo na indústria da Cannabis (19/11/2020)
– Inovar é preciso, mesmo no novo setor da Cannabis (17/12/20)
– Sem colaboração, a inovação não caminha (11/02/2021)
Fabricio Pamplona
– Os efeitos do THC no tratamento de dores crônicas (26/01/2021)
– Qual a dosagem ideal de canabidiol? (23/02/2021)
Fernando Paternostro
– As multifacetas que criamos, o legado que deixamos (11/3/2021)
Jackeline Barbosa
– Cannabis, essa officinalis (01/03/2021)
Ladislau Porto
– O caminho da cannabis no país (17/02/2021)
Marcelo de Vita Grecco
– Cânhamo é revolução verde para o campo e indústria (29/10/2020)
– Cânhamo pode proporcionar momento histórico para o agronegócio brasileiro (26/11/2020)
– Brasil precisa pensar como um país de ação, mas agir como um país que pensa (10/12/2020)
– Por que o mercado da cannabis faz brilhar os olhos dos investidores? (24/12/2020)
– Construção de um futuro melhor a partir do cânhamo começa agora (07/01/2021)
– Além do uso medicinal, cânhamo é porta de inovação para a indústria de bens de consumo (20/01/2021)
– Cannabis também é uma questão de bem-estar (04/02/2021)
– Que tal CBD para dar um up nos cuidados pessoais e nos negócios? (04/03/2021)
– Arriba, México! Regulamentação da Cannabis tem tudo para transformar o país (18/03/2021)
Maria Ribeiro da Luz
– Em busca do novo (23/03/2021)
Paulo Jordão
– O papel dos aparelhos portáteis de mensuração de canabinoides (08/12/2020)
– A fórmula mágica dos fertilizantes e a produção de canabinoides (05/01/2021)
– Quanto consumimos de Cannabis no Brasil? (02/02/2021)
– O CannaBioPólen como bioindicador de boas práticas de cultivo (02/03/2021)
Pedro Sabaciauskis
– O papel fundamental das associações na regulação da “jabuticannábica” brasileira (03/02/2021)
– Por que a Anvisa quer parar as associações? (03/03/2021)
Ricardo Ferreira
– Da frustração à motivação (03/12/2020)
– Angels to some, demons to others (31/12/2020)
– Efeitos secundários da cannabis: ônus ou bônus? – (28/01/2021)
– Como fazer seu extrato render o máximo, com menor gasto no tratamento (25/02/2021)
Rodolfo Rosato
– O Futuro, a reconexão com o passado e como as novas tecnologias validam o conhecimento ancestral (10/02/2021)
– A Grande mentira e o novo jogador (10/3/2021)
Rogério Callegari
– Sob Biden, a nova política para a cannabis nos EUA influenciará o mundo (22/02/2021)
– Nova Iorque prestes a legalizar a indústria da cannabis para uso adulto (17/03/2021)
Stevens Rehen
– Cannabis, criatividade e empreendedorismo (12/03/2021)
Waldir Aparecido Augusti
– Busque conhecer antes de julgar (24/02/2021)
- Ontem, hoje e amanhã: cada coisa a seu tempo (24/03/2021)
Wilson Lessa
– O sistema endocanabinoide e os transtornos de ansiedade (15/12/2020)
– O transtorno do estresse pós-traumático e o sistema endocanabinoide (09/02/2021)
– Sistema Endocanabinoide e Esquizofrenia (09/03/2021)