O SUS de SP está preparado para atender os pacientes de cannabis? 

Mesmo com a sanção da lei que regulamenta a distribuição dos produtos à base de cannabis no Estado paulista, na prática, os médicos da rede pública de saúde vão precisar de orientações específicas para a prescrição de cannabis para a população, princ

Publicada em 13/07/2023

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Por João Negromonte

Em São Paulo, a realidade da cannabis medicinal e o acesso dos pacientes de comunidades por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) são questões que merecem atenção. Bairros como Paraisópolis, conhecidos pela densidade populacional e condições socioeconômicas desafiadoras, refletem a dificuldade enfrentada por muitos pacientes que necessitam desse tipo de tratamento.

Há uma ampla gama de patologias, como autismo, epilepsia e outras condições crônicas, que podem ser potencialmente aliviadas ou gerenciadas mais efetivamente com o uso medicinal da cannabis. No entanto, a disponibilidade desses tratamentos para pacientes carentes é limitada ao considerar as barreiras financeiras e a complexidade do sistema de saúde.

Unindo forças pela transformação: a realidade compartilhada da comunidade

Para a empregada doméstica, Miriam do Carmo Silva, moradora de Paraisópolis, esse é um assunto polêmico, por conta da marginalização do uso adulto da maconha. O conhecimento sobre os benefícios medicinais enfrentam dificuldades para chegar até a comunidade.

“Esse assunto precisa chegar a todos, não apenas para quem está no conforto de sua mansão e consegue de forma rápida o acesso ao óleo. Conheço muita gente que necessita deste tipo de tratamento aqui na área, mas não tem condições de pagar por uma consulta e muito menos comprar o medicamento, mesmo nos institutos que cobram muito mais barato por eles”, ressaltou.

Miriam, que também faz uso medicinal da cannabis, explica que só conseguiu ter acesso ao tratamento pois seu patrão arcou com os gastos da consulta. A doméstica, que convive com artrite reumatoide, explica que desconhecia o uso medicinal da planta antes de conversar com seu empregador. 

“Antes do óleo de cannabis, fiz um tratamento caríssimo com uma vacina chamada ‘Enbrel’. Fazia uma aplicação por semana, isto é, 4 vezes ao mês, mas que não trazia resultados satisfatórios para as dores que sentia. Sem falar que o tratamento com esta vacina custa 7 mil reais por aplicação”, diz.

Miriam disse, ainda que levou os exames para o médico, que prescreveu os derivados da cannabis no mesmo dia. “E, me indicou o instituto que fazia o óleo por um valor acessível, cerca de 180 reais um frasco. Hoje tomo dez gotas, mas comecei com duas e fui aumentando gradativamente até chegar no que para mim é suficiente”, conclui Miriam que cobra maior acessibilidade ao tratamento com cannabis nas comunidades carentes.

Quem também falou ao Sechat sobre a dificuldade de acesso à informação, a falta de capacitação de médicos da rede pública de saúde e a violência policial sofrida por moradores das periferias por conta do uso da maconha, foi Renata Santos, líder comunitária, conselheira de saúde e fundadora da produtora “Das Quebradas”, sediada em Paraisópolis.

https://www.youtube.com/watch?v=LcD6NzYgDrw

O SUS de SP está preparado para atender os pacientes de cannabis? 

Recentemente, foi aprovada a lei 17.618/23, que determina que o SUS seja responsável pela distribuição dos medicamentos à base de cannabis. Essa medida é um passo significativo em direção à garantia do acesso igualitário aos tratamentos para todos os paulistas. No entanto, surge a questão de como essa lei será implementada de fato e como o serviço chegará aos pacientes carentes que não têm condições de pagar por uma consulta médica especializada.

É fundamental que o SUS atue de maneira proativa para garantir que a lei seja efetivamente implementada e que os pacientes mais vulneráveis sejam alcançados por esse serviço. Ações devem ser tomadas para facilitar o acesso a consultas especializadas em cannabis medicinal para aqueles que não têm recursos financeiros para custear os atendimentos. É necessário investir em programas de capacitação e conscientização dos profissionais de saúde sobre as indicações e protocolos de prescrição da medicina canabinoide.

Ao ser questionada sobre a capacitação de profissionais médicos e o andamento da nova lei, a Secretaria de Saúde de São Paulo disse, em nota, que é necessário que tal normativa passe por regulação adequada antes da implementação no Sistema Único de Saúde (SUS):

“A lei 17.618, de 31 de janeiro de 2023, trata da dispensação de medicamentos à base de cannabis para os pacientes e não da prescrição de tal substância. A SES está trabalhando no processo de regulamentação, por meio do qual serão definidas as situações clínicas em que haverá dispensação de medicamentos à base de cannabis. Com as condições clínicas definidas, a pasta irá adquirir os remédios para fornecimento aos pacientes que podem ter melhoria significativa no tratamento por meio do uso de tais substâncias”.

A secretaria explicou, ainda, que o processo de capacitação de médicos e profissionais da área da saúde visando o aprimoramento dos atendimentos prestados aos pacientes, “é uma prática recorrente da pasta estadual”.

Enquanto o estado não se movimenta…

É importante destacar que enquanto o estado não coloca em prática a nova lei, as associações de pacientes e organizações da sociedade civil têm desempenhado um papel fundamental ao fornecer atendimento e suporte para pacientes carentes que não podem arcar com o custo de uma consulta médica particular. Essas associações trabalham em estreita colaboração com médicos especializados, oferecendo informações, orientações jurídicas e até mesmo auxílio na obtenção dos medicamentos necessários.

Segundo o autor da lei, o deputado estadual Caio França (PSB-SP), o Projeto de Lei já se transformou em lei e, sua regulamentação que abrange a capacitação de médicos e distribuição via SUS, fica à cargo agora da Secretaria Estadual de Saúde.

“Haverá prescrição pelos médicos do SUS. A regulamentação deve trazer todos os detalhes necessários. Estamos pedindo ao governo que publique a regulamentação o quanto antes, pois o prazo expirou em maio. Estarei acompanhando, fiscalizando e monitorando todo esse processo de distribuição via SUS de perto tão logo isso aconteça efetivamente. Esse é meu papel de legislador e autor do projeto que originou a lei no estado de São Paulo”, afirma o deputado.  

Em resumo, a dificuldade de acesso à medicina canabinoide para pacientes carentes por meio do SUS em São Paulo é uma realidade preocupante. A aprovação da lei 17.618/23 é um passo importante, mas é essencial que o sistema de saúde atue de forma eficaz para garantir que os pacientes carentes recebam o tratamento adequado. É necessário um esforço conjunto entre as autoridades de saúde, profissionais médicos e organizações da sociedade civil para assegurar que essa lei seja implementada de forma efetiva, garantindo assim o acesso à terapia canabinoide para aqueles que mais necessitam.