A Cannabis no controle da dor e outras consequências do câncer

Em sua nova coluna para o Sechat, o médico Ricardo Ferreira trata do uso da Cannabis em uma das doenças mais graves e de difícil tratamento, apesar dos avanços da ciência e da medicina: o câncer. Sem protocolos que digam qual dosagem, tempo e forma d

Publicada em 22/04/2021

capa

Coluna de Ricardo Ferreira*

"Bom senso é a capacidade de ver as coisas como são, e fazê-las como devem ser feitas." (Josh Billings)

A dor relacionada ao câncer hoje em dia é um capítulo à parte da medicina. E ela ganhou esta importância por ser realmente diferente das outras dores. Mas o que esta dor tem de diferente?

A dor oncológica pode aparecer em vários estágios da doença, engana-se quem pensa que a dor está restrita à fase terminal. Para muitos pacientes a dor é o primeiro sintoma, e para alguns ela é aquilo que o faz lembrar todos os dias da presença do famigerado câncer.

Quando pensamos em câncer, imediatamente a morte nos vem à mente. Entretanto, nas últimas décadas os métodos de diagnóstico precoce e novos tratamentos mudaram radicalmente o potencial de sobrevivência das vítimas desta doença.

Quando pensamos em câncer, imediatamente a morte nos vem à mente. Entretanto, nas últimas décadas os métodos de diagnóstico precoce e novos tratamentos mudaram radicalmente o potencial de sobrevivência das vítimas desta doença.

Apesar dos inquestionáveis avanços da medicina, receber o diagnóstico de câncer ainda é um tiro de escopeta na alma. De uma hora para outra quem recebe esse diagnóstico é catapultado para um universo de incertezas, agonia, ansiedade, revolta e dor; dor esta que nem sempre é física. 

A dor não física está relacionada às drásticas mudanças e perdas. Todas as coisas que até ontem eram as mais preciosas e sagradas passam a ter sua relevância questionada. Sua única certeza é que muitas coisas acontecerão, e que muitas destas coisas poderão mudar radicalmente ou até mesmo acabar com a sua vida. 

Após assimilar o golpe, tanto o paciente como a sua família terão pela frente um árduo caminho com um número variado de obstáculos, mas poucas opções. Eles precisarão confiar em profissionais que indicarão tratamentos os quais só saberão se eles realmente funcionarão conforme o tempo for passando.

Após assimilar o golpe, tanto o paciente como a sua família terão pela frente um árduo caminho com um número variado de obstáculos, mas poucas opções. Eles precisarão confiar em profissionais que indicarão tratamentos os quais só saberão se eles realmente funcionarão conforme o tempo for passando. E grande parte da sua vida se resumirá a torcer por estar dentro de um determinado percentual favorável das estatísticas, seguir as tendências, ficar atento ao surgimento de novos sintomas e aguardar ansiosamente pelos resultados de exames. 

Sem dúvida os tratamentos oncológicos atuais transformaram sentenças de morte em esperança de vida para um número considerável de pacientes. Mas ainda existem alguns tipos de câncer que apesar de todo progresso ainda evoluem da mesma forma desde que o homem é homem. Além disso, sobreviver a um câncer para muitos não significa voltar a ser o que era antes da doença, deixando algumas ou muitas sequelas que podem  perdurar por toda a sua vida; com graus variáveis de limitação. 

Hoje em dia temos técnicas modernas de cirurgias, novas quimioterapias, anticorpos monoclonais, radioterapias e as revolucionárias imunoterapias. Se para muitos estes tratamentos são eficientes, para uma parcela considerável eles simplesmente não funcionam, ou só são capazes de estender a vida por um período muito aquém da nossa expectativa. Além disso, hoje sabemos que muitos destes novos medicamentos têm como uma das suas complicações o desenvolvimento de dores neuropáticas crônicas altamente incapacitantes e de difícil controle com os medicamentos tradicionais.

E isso significa que os pacientes com câncer não devam tentar estes novos tratamentos? Não, muito pelo contrário, sem dúvida devemos usar todos os recursos e ferramentas disponíveis. Entretanto, como médicos temos que estar atentos às possíveis complicações dos novos tratamentos, e correr atrás de alguma forma de tornar o tratamento mais seguro e eficaz como um todo. 

E isso significa que os pacientes com câncer não devam tentar estes novos tratamentos? Não, muito pelo contrário, sem dúvida devemos usar todos os recursos e ferramentas disponíveis. Entretanto, como médicos temos que estar atentos às possíveis complicações dos novos tratamentos, e correr atrás de alguma forma de tornar o tratamento mais seguro e eficaz como um todo. 

Falando em alívio, para a maioria dos médicos esta é a real função da medicina: buscar minimizar o sofrimento, e se for possível curar. Independente da doença e sintoma, a busca do alívio daquilo que aflige nossos pacientes sempre deve ser o objetivo.

E é aí que os princípios ativos presentes na cannabis podem ter seu papel. Minimizando a dor e outros sintomas relacionados ao câncer e seus tratamentos. 

Mas apesar disso, ainda não existem protocolos estabelecidos que digam qual dosagem, tempo e forma de uso para se obter este efeito nos pacientes. Por conta disso, neste momento falar que a cannabis deve ser usada como tratamento dos tumores ainda é precoce. Repito: neste momento.

Está certo que recentemente existem bons estudos científicos que mostram o potencial anticâncer dos derivados da cannabis em vários tipos de células cancerígenas. Mas apesar disso, ainda não existem protocolos estabelecidos que digam qual dosagem, tempo e forma de uso para se obter este efeito nos pacientes. Por conta disso, neste momento falar que a cannabis deve ser usada como tratamento dos tumores ainda é precoce. Repito: neste momento.

Desta forma, o uso de canabinoides em paralelo como os modernos tratamentos disponíveis para o câncer é sem dúvida oferecer o que temos de mais avançado para os nossos pacientes.

Entretanto, não pairam mais dúvidas que os canabinoides têm potencial de ajudar grande parte dos pacientes na redução de sintomas relacionados ao câncer como: dor, náuseas, fadiga, tristeza, ansiedade, falta de apetite, etc. Desta forma, o uso de canabinoides em paralelo como os modernos tratamentos disponíveis para o câncer é sem dúvida oferecer o que temos de mais avançado para os nossos pacientes.

Como eu disse no início deste texto, a dor do câncer é tida como diferente das dores relacionadas a outras causas. E para muitos ela é diferente porque a dor é muito mais que uma sensação desagradável, ela é na verdade um sentimento. E como todos os sentimentos, o contexto que estamos inseridos modifica a sua intensidade, percepção, impacto sobre a vida e culminando com uma maior carga de sofrimento. 

Se para alguns pacientes a cannabis não é capaz de minimizar objetivamente a dor, apesar disso, para muitos seu poder de dissociação da dura realidade das limitações impostas pelo câncer pode ser capaz de promover algum alívio do sofrimento. E isso é particularmente importante quando pensamos em pacientes nos estágios mais avançados da doença.

Vale lembrar o conceito da dor total, o qual é uma associação da dor provocada por lesões físicas em paralelo com frustrações emocionais, questionamentos espirituais, alterações psíquicas, perdas econômicas e limitações do convívio social. A dor total é considerada a tempestade perfeita das dores, e infelizmente todo o contexto do câncer é bastante propício a levar muitos pacientes oncológicos em direção à dor total.

Vale lembrar o conceito da dor total, o qual é uma associação da dor provocada por lesões físicas em paralelo com frustrações emocionais, questionamentos espirituais, alterações psíquicas, perdas econômicas e limitações do convívio social. A dor total é considerada a tempestade perfeita das dores, e infelizmente todo o contexto do câncer é bastante propício a levar muitos pacientes oncológicos em direção à dor total.

Assim, adicionar a cannabis como parte do tratamento oncológico é sem dúvida uma boa prática médica. Podendo fazer toda a diferença na qualidade de vida de quem tem câncer, independente dele estar fazendo tratamento com potencial curativo, paliativo, ou mesmo em cuidados de fim de vida.

“Morte, você é valente

O seu poder é profundo

Quando eu cheguei neste mundo você já matava gente

Eu guardei na minha mente este seu grande rigor

Porém lhe peço um favor

Para ir ao campo santo não me faça sofrer tanto

Morte, me mate sem dor!”

(Patativa do Assaré)

Este texto é inspirado nos ensinamentos do cuidado global dos pacientes oncológicos brilhantemente propagados pelos Professores Dr. Carlos Marcelo de Barros (Alfenas, MG), Dr. Paulo Renato da Fonseca (Rio de Janeiro) e Dr. Alexandre Silva (São João del Rei, MG). 

*Ricardo Ferreira é médico especialista no tratamento de doenças da coluna vertebral e controle da dor e colunista do Sechat.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Veja outros artigos de nossos colunistas:

Alex Lucena 

– Inovação e empreendedorismo na indústria da Cannabis (19/11/2020)

– Inovar é preciso, mesmo no novo setor da Cannabis (17/12/20)

 Sem colaboração, a inovação não caminha (11/02/2021)

Bruno Pegoraro

– A “legalização silenciosa” da Cannabis medicinal no Brasil (31/03/2021)

Fabricio Pamplona

– Os efeitos do THC no tratamento de dores crônicas (26/01/2021)

 Qual a dosagem ideal de canabidiol? (23/02/2021)

– CBD: batendo na porta da psiquiatria (05/04/2021)

Fernando Paternostro

– As multifacetas que criamos, o legado que deixamos (11/3/2021)

– Vantagem competitiva, seleção natural e dog years (08/04/2021)

Jackeline Barbosa

 Cannabis, essa officinalis (01/03/2021)

Ladislau Porto

– O caminho da cannabis no país (17/02/2021)

Luciano Ducci

– Vão Legalizar a Maconha? (12/04/2021)

Marcelo de Vita Grecco

– Cânhamo é revolução verde para o campo e indústria (29/10/2020)

– Cânhamo pode proporcionar momento histórico para o agronegócio brasileiro (26/11/2020)

– Brasil precisa pensar como um país de ação, mas agir como um país que pensa (10/12/2020)

– Por que o mercado da cannabis faz brilhar os olhos dos investidores? (24/12/2020)

– Construção de um futuro melhor a partir do cânhamo começa agora (07/01/2021)

– Além do uso medicinal, cânhamo é porta de inovação para a indústria de bens de consumo (20/01/2021)

 Cannabis também é uma questão de bem-estar (04/02/2021)

– Que tal CBD para dar um up nos cuidados pessoais e nos negócios? (04/03/2021)

– Arriba, México! Regulamentação da Cannabis tem tudo para transformar o país (18/03/2021)

– O verdadeiro carro eco-friendly (01/04/2021)

– Os caminhos para o mercado da cannabis no Brasil (15/04/2021)

Maria Ribeiro da Luz

– Em busca do novo (23/03/2021)

- A tecnologia do invisível (20/04/2021)

Paulo Jordão

– O papel dos aparelhos portáteis de mensuração de canabinoides (08/12/2020)

– A fórmula mágica dos fertilizantes e a produção de canabinoides (05/01/2021)

– Quanto consumimos de Cannabis no Brasil? (02/02/2021)

 O CannaBioPólen como bioindicador de boas práticas de cultivo (02/03/2021)

– Mercantilismo Português: A Origem da Manga Rosa (06/04/2021)

Pedro Sabaciauskis

– O papel fundamental das associações na regulação da “jabuticannábica” brasileira (03/02/2021)

 Por que a Anvisa quer parar as associações? (03/03/2021)

– Como comer a jabuticannabica brasileira? (13/04/2021)

Ricardo Ferreira

– Da frustração à motivação (03/12/2020)

– Angels to some, demons to others (31/12/2020)

 Efeitos secundários da cannabis: ônus ou bônus? – (28/01/2021)

 Como fazer seu extrato render o máximo, com menor gasto no tratamento (25/02/2021)

– Por que os produtos à base de Cannabis são tão caros? (25/03/2021)

Rodolfo Rosato

– O Futuro, a reconexão com o passado e como as novas tecnologias validam o conhecimento ancestral (10/02/2021)

– A Grande mentira e o novo jogador (10/3/2021)

– Mister Mxyzptlk e a Crise das Terras Infinitas (14/04/2021)

Rogério Callegari

– Sob Biden, a nova política para a cannabis nos EUA influenciará o mundo (22/02/2021)

– Nova Iorque prestes a legalizar a indústria da cannabis para uso adulto (17/03/2021)

Stevens Rehen

 Cannabis, criatividade e empreendedorismo (12/03/2021)

Waldir Aparecido Augusti

– Busque conhecer antes de julgar (24/02/2021)

– Ontem, hoje e amanhã: cada coisa a seu tempo (24/03/2021)

Wilson Lessa

– O sistema endocanabinoide e os transtornos de ansiedade (15/12/2020)

– O transtorno do estresse pós-traumático e o sistema endocanabinoide (09/02/2021)

– Sistema Endocanabinoide e Esquizofrenia (09/03/2021)

- O TDAH e o sistema endocanabinoide (16/04/2021)