CBCM2023: Sistema endocanabinoide e farmacologia aplicada ampliam a discussão sobre a cannabis medicinal
“Bloco Saúde” desta quinta-feira levantou as principais questões sobre o uso de canabinoides na farmacologia, epilepsia e transtornos psiquiátricos infantis
Publicada em 04/05/2023
Por Bianca Rodrigues
Nesta quinta-feira, 04/05, a segunda edição do Congresso Brasileiro de Cannabis Medicinal (CBCM) 2023 - evento organizado pela Sechat e realizado no Expo Center Norte, em São Paulo - reuniu milhares de pessoas interessadas sobre as atualizações da medicina nas áreas da saúde e legislação.
Mais de 70 cientistas, advogados e parlamentares abordaram estudos recentes de novas possibilidades de aplicação da cannabis na saúde, bem como a legislação em vigor e o mercado canábico. O evento foi dividido em dois momentos. Veja os principais temas do Bloco 1 “Saúde”:
“Temos conhecimento sobre o sistema endocanabinoide graças aos canabinoides sintéticos, que hoje são demonizados e chamados de maconha sintética”, Renato Filev.
Inaugurando as palestras do CBCM 2023, o doutor e pesquisador Renato Filev explanou sobre os pontos de atenção do sistema endocanabinoide e a capacidade de interação com medicamentos farmacológicos.
O sistema endocanabinoide está dentro de uma das vias de sinalização lipídica com atividade no sistema nervoso central e periférico. Atua de maneira a modular neurotransmissores diversos e proporcionar uma atenuação da atividade cerebral geral. Ou seja, configura o papel de neurotransmissão e diminuição de atividades inflamatórias.
Também está relacionado com a regulação da pressão arterial do endotélio, da musculatura cardíaca, com o metabolismo hepático - principalmente de lipídios -, proteção e regeneração da epiderme. Filev afirma que a utilização de medicamentos à base de canabinoides modula processos imunológicos de percepção da dor, do humor, do sono, do apetite e da memória que podem atuar como adjuvantes na reabilitação de enfermidades, aumentando o bem-estar e a qualidade de vida dos pacientes.
Finalizando a palestra, o especialista fez uma observação sobre a opinião expressa por alguns estudiosos da área: “Começamos a rastrear o sistema endocanabinoide para identificar onde estavam esses compostos, onde eram expressos os receptores e como eles atuavam graças aos canabinoides sintéticos. Chamá-los de maconha sintética é totalmente ilógico.”
“Causa espanto ver professores universitários que não recomendam o uso do óleo. Só posso dizer uma coisa: é preconceito”, Eduardo Faveret
Eduardo Faveret, neurologista especialista em epileptologia, trouxe perspectivas sobre o uso de canabinoides no tratamento da epilepsia infantil.
O médico destaca que a atuação dos canabinoides na epilepsia não se limita apenas ao controle das crises. O canabidiol (CBD), por exemplo, também ajuda no tratamento das comorbidades frequentemente associadas à epilepsia crônica refratária de difícil controle medicamentoso. Nesses casos, existem 65% de incidência de depressão, ansiedade generalizada e surtos psicóticos mais raramente, além da incidência aumentada para insônia, déficit de atenção e dores.
Segundo ele, o CBD diminui a ansiedade, melhora a atenção e também ajuda na desinflamação, na qualidade do sono e combate às dores, com efeito, inclusive, de neuroproteção documentado em dois trabalhos científicos. Dessa forma, quando existe uma crise epiléptica mais longa, os canabinoides impedem a entrada de cálcio de forma excessiva na célula, o que poderia ser fatal para aquela célula. Faveret afirma ainda que a mistura de CBD com quantidade reduzida de tetrahidrocanabinol (THC) aumenta o humor e aqualidade de vida das pessoas com epilepsia.
“O tipo de neuroproteção associada ao uso dos canabinoides é completamente bem-vinda. Causa espanto ver professores universitários admiráveis que não recomendam o uso do óleo. Não existe nada que chegue perto e tenha todas essas propriedades e ainda seja um anticonvulsivante com tantos mecanismos de ação e modelos experimentais.”.
“Os efeitos dos canabinoides não são idênticos durante as diferentes fases da vida”, Eduardo Perin
Dr. Eduardo Perin, psiquiatra com larga experiência no tratamento de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), síndrome de Tourette e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) ministrou a última palestra deste primeiro bloco sobre o tema: “Indicações e riscos do uso dos canabinóides nos transtornos psiquiátricos infantis”. Trouxe inclusive a perspectiva do uso da cannabis medicinal para casos refratários de síndrome de Tourette, transtorno do espectro autista.
O estudo apresentado por Perin sugere que o THC reduza a gravidade dos tiques associados à doença, devido ao seu efeito analgésico nos músculos dos pacientes. Além disso, a substância também auxiliaria na melhora do humor, ansiedade, sono, interação social e qualidade de vida.
Ao final da aula, o especialista apresentou uma revisão sistemática de um estudo de neuroimagem em que os autores estudaram as mudanças de funcionamento cerebral de adultos e adolescentes que faziam o uso quase diário de maconha.
“Em adultos, o uso de maconha está ligado à ativação das áreas temporal e frontal e a desativação de outras áreas, como a área septal e temporal. Em crianças e adolescentes, nós só temos a ativação em algumas áreas - o que ainda precisa ser melhor replicado. Isso já mostra uma diferença de ativação de áreas cerebrais em crianças e adolescentes e adultos. Porém, isso é a maconha fumada, de rua, e não maconha medicinal.”