<strong>É preciso falar sobre o ensino do Sistema Endocanabinoide</strong>

O médico psiquiatra e prescritor da terapia canabinoide, Dr. Wilson Lessa, faz uma reflexão sobre a falta de disciplinas sobre o tema dentro das universidades brasileiras

Publicada em 05/04/2023

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Por Wilson Lessa

Quando penso que o Sistema Endocanabinoide (SEC) foi desvendado há 30 anos e que em 2014 o Conselho Federal de Medicina fez a primeira resolução sobre o uso do canabidiol, não consigo encontrar razões para não ter o ensinamento sobre o SEC e as aplicações terapêuticas da cannabis e seus derivados nos cursos de Medicina, Farmácia e Biomedicina.

A Professora Dra. Katy Lísias Albuquerque, farmacêutica e docente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) criou em 2018 uma disciplina optativa pioneira no curso de Biomedicina, uma vez que encontrou resistência para montar essa grade nos cursos de Medicina e de Farmácia na mesma instituição. Naquele ano, 80% dos alunos eram do curso de Medicina. 

Primeira turma da disciplina sobre cannabis da UFPB (Imagem: reprodução)

Durante a pandemia, a disciplina teve uma pausa e no ano de 2023 fui convidado para auxiliá-la, e hoje, 5 de abril de 2023, tive minha aula de estreia. 

Ementa da disciplina: Aspectos gerais, importância, funções, regulação e Fisiologia completa do Sistema Endocanabinoide. Ação de fármacos agonistas e antagonistas dos receptores canabinoides e não canabinoides, substâncias que atuam sobre o SEC e suas repercussões clínicas. Perspectivas terapêuticas da Cannabis sativa e seus derivados em diferentes doenças, enfatizando a fisiopatologia, manifestações clínicas e tratamento e aspectos regulatórios.

Apesar da minha felicidade “anandamídica”, fico muito aborrecido com a dificuldade de se criar disciplinas do tipo em outros cursos no Brasil. Com esse foco, no campus da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) em Divinópolis-MG, começa daqui a algumas semanas a primeira disciplina endocanabinoide em um curso de medicina no país. 

Atualmente, temos algumas poucas iniciativas, como o curso de pós-graduação na UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americanaa) em Foz do Iguaçu-PR, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu-SP e o da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), dentro do curso de Medicina Veterinária. 

O que me causa estranheza é que médicos estão sendo doutrinados por representantes de laboratórios de produtos à base de cannabis e que aparentemente não se sentem incomodados com isso (não todos). 

Já passou da hora dessas iniciativas serem replicadas em outras faculdades e universidades de todo o Brasil. Não adianta lutar por ter plantio de cannabis no país ou leis para fornecimento de cannabis pelo SUS (Sistema Único de Saúde) se não cultivarmos o conhecimento dentro da academia. Pois, se o preconceito tem raízes mais profundas que os princípios, como já disse Maquiavel, é com a informação de qualidade que esse problema começa a ser resolvido.