Erisipela e celulite: como a cannabis pode ajudar

Mais do que atuar em doenças neurológicas, os canabinoides podem ter ação dermatológica

Publicada em 13/12/2022

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Por *Dr. Guilherme Marques

Um assunto que poucos falam a respeito da cannabis é sobre sua atividade antimicrobiana e sua relação com as doenças de pele. Não sendo um medicamento de primeira linha para tratar infecções, abordaremos aqui sobre o potencial da planta Cannabis Sativa contra algumas patologias dermatológicas, pautando-se sempre em evidências cientificas. 

Erisipela e Celulite

A Erisipela e Celulite são causadas por agentes bacterianos e que exigem máxima atenção do profissional de saúde e causam dúvidas. Ambas são infecções da pele e do tecido celular subcutâneo que, apesar de serem causadas por entidades clínicas distintas por definição, podem ser abordadas como uma única doença, dadas as pequenas diferenças entre seus critérios clínicos e bacteriológicos. Nos Estados Unidos, a incidência chega a 200 casos a cada 100 mil habitantes por ano, enquanto na França variam de 10 a 100 casos por 100 mil habitantes por ano. Idosos são mais acometidos, enquanto os locais mais comuns são membros inferiores e face.  

Erisipela recorrente na perna de uma mulher de 59 anos com insuficiência cardíaca (Imagem: Wikimediacommons)

Esses quadros podem ganhar uma dimensão perigosa quando o paciente também apresenta doenças que corrompem sua imunidade (leucopenia), principalmente etilismo, câncer (e vigência de tratamento para tal) e diabetes mellitus. 

Na maior parte dos casos, notam-se sinais inflamatórios locais que podem complicar e evoluir com abcessos, trombose venosa profunda, necroses e sepse. De todo modo, a maioria tem evolução satisfatória se bem diagnosticada e tratada. 

Como diferenciar?

A Erisipela ocorre superficialmente (derme superior e vasos linfáticos superficiais), sendo lesões mais delimitadas do que a celulite.

Já a Celulite infiltra-se em camadas mais profundas (derme profunda e tecido celular subcutâneo), ganhando por isso um aspecto mal delimitado e infiltrado. Por este mesmo motivo, não veremos celulite na orelha (não apresenta derme profunda e subcutâneo) – quando notamos essa urgência dermatológica, certamente é Erisipela (sinal de Milian é o epônimo). 

Há diferenças também no início dos sintomas: a erisipela costuma começar rápida e pronunciada, com febre e calafrios. Já a celulite demora mais e esse quadro geral demora mais a se apresentar. A coloração da erisipela é vermelha viva, enquanto a celulite tende a rósea, entretanto acredito que este parâmetro pode se tornar dúbio frente aos diferentes fototipos ou colorações de pele.

A eficácia da cannabis contra patógenos 

Em estudo conduzido pela notória Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, perceberam uma ação sinérgica dos canabinóides com antibióticos contra bactérias multirresistentes. A mesma pesquisa demonstrou que o CBD isolado também foi capaz de atuar contra as bactérias Staphylococcus e Streptococcus, revelando o potencial terapêutico para infecções cutâneas. 

A essa altura do campeonato, não podemos nos restringir a falar somente de Canabidiol (CBD) e Tetrahidrocanabinol (THC): os fitocanabinoides Canabicromeno (CBC), Canabinol (CBN) e Canabigerol (CBG) também possuem atividades antimicrobianas contra bactérias, fungos e protozoários.

Devemos lembrar que os fitocanabinoides são compostos terpeno-fenólicos e os fenóis têm uma sabida ação antimicrobiana. Os fenóis são subdivididos em três grupos: ácidos fenólicos, taninos e flavonóides. Esse último nome te lembra algo? Caso já tenha ouvido a respeito, saberá que eles fazem parte dos metabólicos secundários da planta (terpenos e flavonóides), presentes nos medicamentos que levam espectros amplos da planta (diferentes das medicações isoladas).

Já foram descritos 20 flavonóides responsáveis por atribuírem sabor, aroma e coloração à planta. Agora vocês também sabem que eles possuem atividade antimicrobiana. Além disso, apresentam ações anti-inflamatórias, antioxidantes, antineoplásicas, despigmentantes e fotoprotetoras. Em sua maioria não são moléculas exclusivas da Cannabis, entretanto há estudos que provam a atividade da Cannaflavina A e B no controle de crescimento de bactérias – estes sim exclusivos da Cannabis sativa

Os terpenos também são responsáveis por uma gama de processos metabólicos não-essenciais, porém, muito importantes para a existência da planta. Não há um vegetal no mundo que não possua terpeno em sua composição, seja nas flores, sementes, raízes, caules e folhagens. Também conferem cheiro e sabor e são muito utilizados na indústria cosmética, estimulando o sensorial e carregando propriedades diversas na cosmetologia e no uso de produtos tópicos como medicamentos, com destaque a sua capacidade de aumentar a permeabilidade da pele a outras drogas, inclusive aos antibióticos. 

No caso do Staphylococcus, o pineno se mostrou tão eficaz quanto à vancomicina no combate a diversas bactérias. Combinações simples de fitocanabinoides e terpenos mostram notável sinergia e elevar sua função antibiótica. Outros exemplos de terpenos são: mirceno (lúpulo, capim-limão, manga), limoneno (frutas cítricas), Geraniol (óleo de rosas, do óleo de palmarosa e do óleo de citronela), alfa-terpineol (cajepute, óleo de pinho e óleo petitgrain), Beta Cariofileno (Cravo-da-Índia, pimentas, algodão), entre outros. 

Maiores estudos são necessários para acharmos as concentrações mínimas necessárias para reduzir o crescimento bacteriano, bem como encontrar  as melhores indicações nas diferentes composições de medicamentos: quando os fitocanabinoides estão isolados, combinados com elementos da própria planta ou com antibióticos clássicos.

Atividade antimicrobiana

Foi testada a atividade do canabidiol (CBD) contra dois tipos de bactérias muito presentes na pele: Staphylococcus aureus e Streptococcus beta-hemolíticos do grupo A. Esses também são os agentes mais relacionados à Erisipela e Celulite, quadros dermatológicos importantes que inspiram múltiplos cuidados no diagnóstico, condução e atenção na condução do caso. 

O Staphylococcus é uma bactéria esférica, gram-positiva (quer dizer que se cora pela coloração de GRAM) e presente em fossas nasais de pessoas saudáveis. Já o Streptococcus também é gram-positivo, anaeróbio facultativo que vive melhor com baixo suprimento de oxigênio e produz toxinas nocivas ao organismo (especialmente quando atacados e fragmentados com antibióticos). Algumas variações deste último estão presentes na pele e na orofaringe. 

Eventualmente, um desbalanço de suas proliferações pode causar questões patológicas que vão desde uma infecção cutânea (abscessos, participação no processo da acne, celulite) até infecções de maior gravidade da pele (como a erisipela e celulite em face) ou em outros sistemas (cardíaco, respiratório e nervoso central. Não só quanto a sua proliferação, mas desbalanceamentos do nosso sistema imunológico (incluindo perda da barreira cutânea). Também são responsáveis por iniciarem essa queda de defesa. 

O maior desafio é vencer os vários mecanismos de virulência, patogenicidade e potencial de resistência antimicrobiana – entre eles, temos a cápsulas que os protegem da fagocitose e do reconhecimento pelo nosso sistema imune. Com essa proteção, são capazes de sobreviver, multiplicar e disseminar-se com facilidade. 

*Dr. Guilherme Marques é médico formado pela Faculdade de Medicina do ABC, focando seus estudos e atendimentos na área dermatológica e da endocanabinologia. Também é Diretor de Comunicação da Associação Pan-americana de Medicina Canabinóide (APMC) e membro do Comitê de Bioética da OAB-SP.