Estará Portugal preparado para uma verdadeira regulação para o consumo adulto de cannabis?

O que julgamos adequado é a adoção de uma regulação responsável, com vista a defender a saúde dos consumidores e a combater a criminalidade, para que o consumo migre do mercado ilícito para o mercado controlado

Publicada em 09/11/2021

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Curadoria e edição Sechat, com informações de Publico

Por Sara Rocha


Portugal foi pioneiro na descriminalização do consumo de drogas. Em 2001 surge a lei da descriminalização do consumo, a qual dita que a aquisição, posse e consumo de drogas deixa de ser considerado crime no país. Não obstante, importa referir que com esta lei o consumo foi descriminalizado, mas não despenalizado, ou seja, consumir substâncias psicoativas ilícitas continua a ser um ato punível por lei. Contudo, deixou de ser um comportamento alvo de processo-crime, passando a constituir apenas uma contravenção social.

Quase 20 anos passaram e importa perceber se esta posição de vanguarda, assumida por Portugal, se mantém e para onde deve evoluir.

Aos dias de hoje, continua a ser proibido vender um produto que tenha canabidiol (CBD) na sua composição para consumo humano, apesar de assistirmos à venda destes produtos em lojas físicas e online, como se a venda e o consumo recreativo fossem permitidos. Este contrassenso impõe uma reflexão sobre a sua regulação, para que o controlo das substâncias comercializadas passe a existir.

Em 2018, assistimos à aprovação do diploma que legaliza o uso da cannabis para fins medicinais. No entanto, passados três anos, os pacientes continuam sem uma verdadeira oferta nas farmácias, dadas as poucas autorizações emitidas pelo Infarmed.

Para comprar produtos à base de cannabis para fins medicinais, é necessária uma prescrição médica, sendo esta prescrição apenas admitida para uma lista muito limitada de doenças. Adicionalmente, para que estes produtos possam ser colocados à venda nas farmácias, é necessária uma licença especial do Infarmed (Serviço de saúde de Portugal), que alega não estar a receber pedidos de autorização para introdução no mercado.

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Face ao cenário descrito, a lei de 2018 não fez mais do que incrementar a venda ilegal em sites online e algumas lojas físicas, empurrando os pacientes para uma indesejável situação de ilegalidade, sem um verdadeiro conhecimento do que estão a consumir.

Onde esta lei mostrou ter uma maior aplicabilidade foi para o negócio da plantação e produção, tendo o número de culturas de cannabis medicinal em Portugal vindo a crescer exponencialmente nos últimos anos.

No entanto, engana-se quem julga que obter uma licença para o cultivo, importação e exportação de cannabis medicinal é uma tarefa fácil. Como em todos os setores, as empresas que pretendam investir têm de estar preparadas para lidar com uma enorme burocracia.

Ainda assim, os dados que têm vindo a ser disponibilizados pelo Infarmed demonstram que este é um terreno fértil para o investimento, tendo existido uma enorme exportação, tanto para a Alemanha como para os EUA – os maiores mercados – de plantas com origem em Portugal. Caberá, portanto, às instituições nacionais conseguir dar resposta aos investidores que procuram Portugal, de forma a capitalizar estas exportações, tendo esta resposta de passar por uma desburocratização, sem que se perca a exigência e o controlo a que este tipo de negócio deve estar sujeito.

Enquanto o mercado português ainda não dá resposta a uma lei aprovada em 2018, em Luxemburgo, para dar resposta ao facto de a proibição para o uso recreativo não ter funcionado, passa a ser permitida a plantação de até quatro plantas de cannabis por casa, a qualquer pessoa com mais de 18 anos.

Em Portugal, o legislador continua a considerar que a proibição absoluta fará diminuir o consumo, situação que não se tem vindo a verificar. Se a solução adotada no Luxemburgo também não parece ser a mais adequada, pela falta do necessário controle de qualidade, a proibição absoluta a que se assiste em Portugal também não pode ser a resposta.

Numa carta aberta dirigida à Assembleia da República, 60 personalidades da sociedade civil defendem a regulação da cannabis e propõem que a legislação defina, nomeadamente, a idade mínima para consumo, regras para cultivo e produção e que se crie um imposto especial.

Em resposta, o SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) veio manifestar-se contra esta carta, alegando que a legalização teria apenas como consequência o aumento do consumo e um agravar da situação atual, comparando-a ao consumo de álcool e tabaco. Teremos de discordar desta posição. Em boa verdade, em particular no que diz respeito ao consumo de tabaco, as várias campanhas antitabagismo têm vindo a dar frutos e julgamos que será também este o caminho que se deve adotar relativamente ao consumo de cannabis.

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A legalização da cannabis ainda divide a opinião pública, sendo, portanto, natural que o legislador acompanhe este impasse. Continua a existir alguma resistência à legalização, sendo esta resistência motivada, principalmente, por motivos de segurança e saúde pública, mas acima de tudo por motivos de ordem moral.

Não obstante, a proibição da venda e consumo de cannabis não está a ter efeito nem na redução do seu consumo, que continua a aumentar e tende a normalizar-se socialmente, nem tão-pouco na redução da criminalidade, que continua a crescer motivada pelo tráfico ilegal que reina num mercado desregulado, de um país que prefere olhar para o lado.

Continuar a perpetuar a venda no mercado ilegal terá um efeito perigoso na saúde dos seus consumidores, por um descontrolo da percentagem de THC; na segurança, com a criminalidade motivada pelo tráfico; e ainda a nível fiscal, com a receita que poderia estar a ser gerada, sem que tal tenha como consequência a diminuição do consumo. 

O que julgamos adequado é a adoção de uma regulação responsável, com vista a defender a saúde dos consumidores e a combater a criminalidade, para que o consumo migre do mercado ilícito para o mercado controlado. Essa regulação responsável deverá ouvir especialistas de forma a determinar, nomeadamente, a idade mínima para consumo, o local adequado para a venda, as condições para introdução no mercado, um imposto especial para desmotivar o consumo e financiar campanhas de combate ao consumo e as percentagens de THC admissíveis para consumo adulto. O adequado é a adoção de regulação responsável, que defenda a saúde dos consumidores e combate a criminalidade, para que o consumo migre do mercado ilícito para o controlado.

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Somente assim será possível criar uma verdadeira política de combate ao consumo de estupefacientes e proteger o consumidor. Se a lei deve ser um reflexo da sociedade em que se insere, não é menos verdade que esta deve proteger os seus cidadãos, sendo a regulação – em oposição à proibição absoluta – a única forma de alcançar uma verdadeira proteção.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

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