“Não espere precisar para apoiar”

A história da advogada responsável pelo primeiro habeas corpus preventivo para cultivo domiciliar do RS

Publicada em 23/02/2023

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Por: Bruno Vargas

Bianca Uequed, 39 anos, é gaúcha, colorada, professora, advogada especializada em Direito Criminal e defensora da causa canábica. Sua participação na luta começou em 2015, quando a professora municipal, Liane Maria Pereira, 54, mãe da Carol, 13, portadora de Síndrome de Dravet, entrou em seu escritório, localizado em Canoas, RS.  

“Eu era uma pessoa muito preconceituosa, fui ensinada que maconha era droga e só. Até que atendi o caso da Carol e pude estar mais perto da realidade de uma criança com Síndrome de Dravet, que tem 60 convulsões por dia”, relata Bianca. Por sua experiência em casos de fornecimento de medicamentos, a advogada aceitou o pedido de Liane e pouco tempo depois, a ação contra o Estado, que garantia o pagamento do medicamento importado foi deferida.

Mas, mesmo com a ação ganha, Liane e sua família sofreram muito com os impaces jurídicos: “O procurador do Estado jogava para o de Canoas, que jogava de volta para o Estado, dizendo que não era responsabilidade dele,  enquanto isso, a Carol estava muito ruim, muito mesmo”. Entre atrasos e reclusões do medicamento, até falta de pagamento do Estado, os problemas jurídicos permaneceram por mais de dois anos, até que Bianca e Liane decidiram tomar uma atitude. 

Pioneirismo no RS

“Passamos dois anos e meio nisso (problemas de pagamento do medicamento), nessa dinâmica horrorosa… Até que a Liane foi na Marcha da Maconha em São Paulo”, comenta Bianca, ao falar  como a mãe de Carol começou a plantar cannabis e produzir o próprio remédio da filha. Visando proteger sua cliente, em 2017 a advogada decidiu iniciar o processo de habeas corpus preventivo. 

O processo passou pela 4º vara criminal, chegou até o Ministério Público e depois de alguns ajustes nos papéis, em 9  de abril de 2019, o primeiro habeas corpus preventivo para cultivo domiciliar de cannabis do Rio Grande do Sul foi aprovado. Diferente da maioria dos Habeas para plantio de maconha, o da Liane precisa ser renovado todos os anos, ação realizada pela advogada, que ocupa um lugar especial no coração da mãe da Carol. 

"Realmente, pra nós [família] a Bianca foi peça fundamental no processo, ela acreditou e confiou na gente, participou de tudo. Eu só tenho a agradecer”, relata Liane. Além deste caso, a advogada criminal é responsável por vários outros habeas corpus. Em junho de 2022, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, de maneira inédita, a permissão para cultivo de maconha com fins medicinais a três pessoas, uma delas era representada por Bianca. 

“Eu digo, tá sempre tudo escrito”

Em setembro de 2019, Bianca descobriu ser portadora de uma doença rara, presente em apenas uma a cada cem mil pessoas. Chamada de hipertensão intracraniana, a patologia consiste em uma alta concentração de líquido no cérebro, fazendo a pressão do crânio subir. 

Segundo a advogada, os primeiros meses depois da descoberta  foram muito difíceis: “Até fevereiro eu padeci. Tive dores de cabeça insuportáveis, parei de trabalhar por conta da dor, comecei a fazer uso de medicamentos muito fortes”. Além disso, Bianca relata que os remédios tiveram consequências negativas, como quedas de cabelos e problemas de visão. 

Cerca de sete meses depois do diagnóstico, em abril de 2020, quando já trabalhava na Sociedade Brasileira de Estudo da Cannabis Sativa (SBEC), Bianca decidiu conversar com os neurologistas e começou a utilizar o óleo a base de maconha como tratamento: “Duas semanas depois da cannabis, eu não tinha mais dor, aqueles meses que eu tinha passado, horrorosos, acabaram.” Atualmente, a advogada é associada da APEPI (Associação de apoio à pesquisa e a pacientes de cannabis medicinal) e faz o uso do óleo há cerca de três anos. 

Assim como o Deputado Estadual, Caio França, Bianca é adepta da frase “não espere precisar para apoiar". A advogada que entrou, de cabeça, na causa da maconha, decidiu seguir os mesmo passos das tantas pessoas que já ajudou e virou uma paciente canábica: “Pra tu ver. Eu entrei na causa por outra coisaé, não por mim. Eu digo, tá sempre tudo escrito”.

Trabalho junto a SBEC

Atualmente, Bianca é Advogada da SBEC, atua no projeto “Mulheres e Mães Jardineiras”, onde auxilia juridicamente mulheres vulneráveis de São Paulo, realizando habeas corpus preventivos e possibilitando que elas produzam seus próprios medicamentos. Também realiza este processo em seu escritório particular.

A gaúcha também ministra aulas pela instituição: “É bem desgastante. Passo uma semana preparando uma aula, me cobro bastante, mas estou me sentindo muito satisfeita com o que venho conseguindo construir”. Além das aulas, participa de palestras e conversas online, difundindo informações sobre a cannabis.