10 quilos de cannabis apreendidos serão destinados à produção científica com fins medicinais

Universidade na Argentina está realizando os processo para verificar se a maconha pode ser usada no tratamento de pacientes, cerca de quatro anos após sua apreensão

Publicada em 19/07/2024

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Segundo a Lei de Drogas de 2006 não há a possibilidade de utilizar a cannabis apreendida em pesquisas, no Brasil. Imagem: Vecteezy

Em La Plata, município da Argentina, um juiz federal ordenou que dez quilos de cannabis, apreendidos no âmbito de um processo judicial, fossem transferidos para a Faculdade de Ciências Exatas da Universidade Nacional de La Plata (UNLP) para o desenvolvimento do “Projeto Cooperativo e Multidisciplinar de Cultivo Terapêutico de Cannabis” realizado em conjunto com a Faculdade de Ciências Agrárias e Florestais da mesma universidade.

“Trata-se de promover o desenvolvimento de programas de investigação médica e científica para o uso medicinal, terapêutico e/ou paliativo da planta cannabis para a dor e, desta forma, dar uma finalidade útil para a comunidade a elementos que, de outra forma, seriam destinado à destruição", comenta a titular do Ministério Públicos Federal de La Plata, Ana Russo.

O Ministério Público, o Ministério Público do Narcocrime (PROCURAR) e o juiz federal destacaram que a medida ordenada está enquadrada no artigo 30 da lei 23.737, de repressão ao tráfico de drogas, que estabelece: “O juiz ordenará a destruição pelos correspondentes nacionais autoridade dos estupefacientes infratores ou dos elementos destinados à sua produção, a menos que… possam ser utilizados pela mesma autoridade, deixando provas expressas do uso que lhes sejam atribuídas”.

Os 10 quilos de maconha entregues pela jurisdição federal à UNLP faziam parte de um carregamento de 673.069 quilos, composto por 738 tijolos compactos, apreendido em 3 de julho de 2020.

 

Armazenamento da cannabis

 

Conforme o farmacêutico Carlos Espínola, o produto confiscado quatro anos atrás pode ser diferente hoje em dia. “Se a planta tiver ficado em um local sem umidade, recebendo bons cuidados, ela ainda deve ter alguns fitocanabinoides. Depois de um tempo, o THC vira CBN (canabinol), então esse composto pode estar em maior quantidade que os demais”, explica.

Caso o produto tenha passado este tempo todo congelado, boa parte dos seus princípios ativos estão conservados, podendo ser usados de maneira normal e, se a cannabis não foi cuidada, ela apodreceu e não pode ser usada, segundo Espíndola.  

 

O projeto da UNLP

 

Conforme o Ministério Público, um dos principais objetivos do projeto científico é “gerar um sistema de produção de plantas de Cannabis que permita aos profissionais de saúde e aos pacientes ter o controlo sobre a origem dos óleos usados”. Seu produto final, deve ser destinado para pacientes com epilepsia infantil refratária, autismo, Alzheimer, Parkinson e esclerose múltipla.

Responsáveis pela pesquisa, o professor pesquisador Oswaldo Aranda e o reitor da Faculdade de Ciências Exatas, Mauricio Erben, explicaram que a maconha será submetida a um procedimento de extração de seus princípios ativos, passando por diversas etapas, desde a secagem do material até a obtenção de uma resina primária dos canabinoides.

Também, haverá testagem do controle de qualidade para verificar se ela pode ou não ser utilizada em ensaios laboratoriais. Nesse processo será verificada a qualidade e o conteúdo dos princípios ativos extraídos, a concentração e o tipo de fitocanabinóides, e a ausência de possíveis contaminantes, como pesticidas, resíduos metálicos, bactérias, fungos, entre outros.

 

Premissa é válida no Brasil?

 

Segundo o Artigo 50-A da Lei nº 11.343, conhecida como Lei de Drogas de 2006, “A destruição das drogas apreendidas sem a ocorrência de prisão em flagrante será feita por incineração, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da data da apreensão, guardando-se amostra necessária à realização do laudo definitivo”, ou seja, segundo a legislação atual, não há a possibilidade da cannabis apreendida ser destinada para fins científicos e/ou medicinais.

“Não tenho conhecimento de nenhum caso como este aqui no Brasil. Mas, acredito que a decisão na Argentina possa influenciar o poder judiciário brasileiro. Tendo uma fundamentação, cada juiz é livre para decidir como ‘bem entender’, então é possível que decisões neste sentido, principalmente quando falamos de ciência e saúde comecem a ocorrer”, comenta o advogado especializado em direito canábico, Murilo Nicolau.