Alexandre de Moraes: conheça o estudo utilizado pelo ministro na votação sobre o porte de drogas para consumo pessoal

Pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Jurimetria analisou uma base de dados com mais de 650.000 ocorrências que mostram brechas na Lei 11.343 de 2006

Publicada em 14/08/2023

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Por Bruno Vargas

Na quarta-feira, dia 02 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF), retomou o julgamento sobre porte de drogas para consumo pessoal. Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes votou a favor da descriminalização da maconha, deixando o placar em 4x0. 

Para justificar seu voto, o ministro utilizou um relatório realizado pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), intitulado, Avaliação do Impacto de Critérios Objetivos na Distinção Entre Posse para Uso e Posse para Tráfico. Durante a votação, Moraes classificou o material como o “maior estudo já feito” neste sentido, analisando 656.408 ocorrências. 

A análise 

Coordenado pelos membros da ABJ, Marcelo Guedes Nunes, Fernando Correa e Julio Trecenti, o relatório contou com a participação dos pesquisadores José de Jesus Filho e Yasmin Abrão Pancini. Além disso, teve a parceria do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP-MG).

O estudo utilizou dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP). Principalmente, números de apreensões de drogas em ocorrências de tráfico ou porte, de 2010 a 2017, dos Registro Digital de Ocorrências (RDO) e outras informações obtidas diretamente do portal da SSP-SP, referentes ao período de 2002 até 2016. 

No total, a base de dados contou com 656.404 ocorrências entre 2003 e 2017, 556.613 apreensões distintas. Além de 2.626.802 pessoas envolvidas, entre testemunhas, suspeitos ou terceiros. 

A análise foi realizada em três níveis: a resposta dos agentes públicos, o tamanho do impacto e o perfil do impacto - todos apresentando como base a Lei 11.343 de 2006 (Nova Lei). Seu material foi finalizado em março de 2018 e publicado em 02 de abril de 2019. 

Nova Lei 

A primeira questão norteadora do estudo busca entender a influência da Lei 11.343/06 no volume de apreensão por tráfico e por porte. Adicionado na nova resolução, o Artigo 28 retira o usuário da posição de traficante, sendo previsto a ele, apenas sanções socioeconômicas, como advertência sobre o efeito das drogas, prestação de serviço à comunidade e comparecimento a cursos educativos. 

Como resultado, a pesquisa inferiu que a não utilização de critérios mais precisos, acerca da distinção de porte e tráfico pode estar relacionada ao cenário atual do cárcere no Brasil. “Desde a criação da Nova Lei, a proporção de presos por tráfico saltou de 15,5% em 2007 para 25,5% em 2013, ao mesmo tempo em que a população prisional cresceu em 80%” (GUEDES, CORREA, TRECENTI, 2019, p.13)

Padrões Gerais de apreensão 

Moraes salientou em seu discurso, mais de uma vez, a necessidade de se aplicar a lei de forma “igualitária a todos”, independente de descriminalizar ou não as drogas. Alinhado a este pensamento, o estudo relata padrões utilizados na hora de enquadrar um usuário e um traficante. 

O primeiro deles está relacionado à quantidade de droga, 2g é a mediana apreendida em ocorrências caracterizadas como porte de maconha, e 32,6 como tráfico. Números que somente não são mais discrepantes, pois 17% das apreensões por porte e 19% por tráfico foram cadastradas no RDO sem nenhuma quantia definida. Considerando estes casos a quantidade média seria ainda menor. 

Nas apreensão em flagrante, o local, a testemunha - principalmente se ela for um policial - e o número de suspeitos fazem toda a diferença. Conforme mostra o gráfico abaixo.

Talvez os dados que mais tenham espantado o ministro Alexandre de Moraes sejam as discrepâncias nos quesitos instrução, cor e idade dos suspeitos tipificados como traficantes. Ao citar esta relação, o ministro suplicou: “A Suprema Corte tem o dever de exigir que a lei seja aplicada de maneira idêntica a todos”.  

Conforme a pesquisa, a mediana da quantidade necessária de maconha determinada como droga para pessoas analfabetas é de 32,275g; para quem tem o 2º grau completo é 40g; e para os portadores de diploma superior, 49g. Ou seja, uma diferença de 52% entre o analfabeto e o ensino superior completo.  

Na análise da cor da pele, citada como uma possível “falha do estudo” por Moraes, pois não se identificou apenas brancos e negros, mas sim brancos, pelo menos um negro e outros. Existe uma discrepância significativa entre brancos e outros.  

Já na questão da idade, o percentual de diferença é de 153% a mais. Para os suspeitos de até 18 anos, a mediana é 23,90g; para pessoas até 30 anos é 36g; e para os acima de 30, 56g. 

Dados que segundo Moraes, auxiliam no “aumento de jovens, sem instrução, pretos e pardos presos principalmente por tráfico de entorpecentes”. Que logo são cooptados por facções criminosas, e acabam sucumbindo neste “ciclo vicioso” de entrada e saída dos presídios. 

As mulheres e a lei 

Em suas 68 páginas, o estudo relata o impacto da Nova Lei nas mulheres. Mostrando um padrão de esposas, namoradas, mães, familiares dos presos homens que levam drogas nas visitas ao presídio, são apreendidas pelos policiais e consequentemente viram detentas. Ação que gera um encarceramento em massa também nos presídios femininos. 

Outro dado  apresentado foram as experiências de descriminalização em outros países. Como o exemplo de Portugal, país que instituiu uma política de drogas voltada à saúde pública, investindo em medidas de redução de danos e apoio aos usuários.    

Gerando uma baixa no número de mortes relacionadas ao uso de entorpecentes, passando de 400 para 290 no período de 1999 a 2006, possibilitando uma redução nas pessoas infectados por hepatite B e C, AIDS e HIV - de 1.400 para menos de 600 casos. Além de possibilitar um crescimento de 147% no número de pessoas em programas de substituição, colocando as taxas de consumo do país entre as mais baixas da União Europeia. 

Resultados

O estudo obteve cinco conclusões principais. Entre elas:  

- Critérios objetivos para distinção podem ser uma forma de definir fronteiras claras para a descriminalização ou qualquer outra reformulação da atual política de drogas, sendo uma possibilidade na redução na discricionariedade;

- A utilização de critérios objetivos, por outro lado, pode gerar outras distorções: criminalizar usuários e ser leniente com traficantes; 

- Tomando como base as classificações temporárias feitas pelas autoridades policiais, é possível propor valores de cortes ideais capazes de balancear as injustiças citadas a cima;

- A utilização de critérios objetivos literais para classificar porte e tráfico geram impactos distintos nos perfis sociais. Mulheres portando maconha em estabelecimentos prisionais são um exemplo de subpopulação severamente impactada.   

- Os valores de corte ideais também variam ao longo do tempo. Idealmente, os padrões devem ser recalculados periodicamente para maior adequação à realidade.