Audiência da Alesp debate inclusão da esclerose múltipla, mudança de fornecedor no SUS e revisão de grupo de trabalho sobre cannabis medicinal
Parlamentares, médicos e associações defenderam maior acesso a tratamentos, avaliaram o potencial terapêutico do THC e anunciaram edital de R$ 1,25 milhão para pesquisa e inovação no setor.
Publicada em 04/09/2025

Crédito da imagem: Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial / ALESP
A Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), coordenada pelo deputado estadual Caio França (PSB) e sob a vice-coordenação do deputado Eduardo Suplicy (PT), realizou nesta quinta-feira (04/09), no Auditório Teotônio Vilela, a sua 3ª audiência pública.
O encontro contou com a presença do Dr. José Luiz Gomes do Amaral, coordenador do GT Canabidiol da Secretaria Estadual da Saúde, que apresentou um balanço do primeiro ano da distribuição da cannabis no SUS paulista, resultado da implementação da Lei Estadual nº 17.618/2023.
Representantes de associações questionaram o posicionamento do coordenador do grupo de trabalho da Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal, que insiste na falta de evidências sobre a eficácia da cannabis no tratamento de outras patologias.
"Desde o início nós estamos pedindo um acesso pelo SUS mais amplo, com várias patologias, mas o argumento é: tem que ser de forma responsável. Mas que essa responsabilidade não leve ao prejuízo da saúde de tantos brasileiros. O SUS é o lugar para dar acesso a quem não tem condições. Em relação ao 0,3% de THC, acaba sendo excludente porque vira as costas para várias patologias, como a esclerose múltipla. A EM precisa de THC alto, não só a esclerose múltipla. Tem paciente de epilepsia que responde melhor com óleo rico em THC", afirmou Cidinha Carvalho, mãe de paciente e presidente da associação Cultive.

Segundo Cidinha, o argumento contra é sempre o mesmo "o THC tem efeito psicoativo", explicou, acrescentando: "A minha filha usa anticonvulsivante. Os anticonvulsivantes que ela usava também davam efeito psicoativo, que a deixava como zumbi, sem sequer ir ao quintal."

José Luiz destacou que a medicina deve ser pautada por "acolhimento, evidência científica e ética" ao esclarecer sobre o lastro da definição das patologias contempladas pela Lei de acesso à cannabis medicinal no SUS do Estado. Ele ainda considerou que a inclusão da esclerose múltipla, que tem como sintoma a espasticidade, deve ser avaliada para ser incorporada à lista de doenças contempladas pela lei de acesso à cannabis medicinal no SUS de São Paulo. Atualmente, o sistema fornece o produto apenas para três doenças: esclerose tuberosa, síndrome de Dravet e síndrome de Lennox-Gastaut.
"Na próxima semana devemos ter uma reunião com o grupo de trabalho. Devemos apresentar à comissão a revisão das evidências que encontramos e, a partir daí, iniciar um novo ciclo de trabalho da equipe."
Outro tema que gerou debate foi a mudança do fornecedor dos produtos à base de cannabis no SUS de São Paulo, decorrente da nova licitação prevista em lei. O risco da alteração foi discutido no plenário da ALESP.
"Pode trazer prejuízo, pode não acontecer nada e pode trazer benefício. A gente não sabe o que vai acontecer. Porém, quando estamos falando da saúde de uma criança, de um adulto ou de qualquer pessoa, não podemos jogar. Precisamos ter certeza do que está acontecendo. Mesmo que haja um benefício maior, é um risco. E se não acontecer nada, tudo bem. Mas e se piorar?", avalia José Wilson, médico e presidente da APMC (Associação Panamericana de Medicina Canabinoide).
Veja o vídeo:
O médico ressaltou a necessidade de análise criteriosa antes da substituição:
"Pode mudar de fornecedor? Pode! Mas o produto tem que ser analisado antes disso e precisamos ter certeza de que a concentração dos canabinoides e a composição desse óleo são as mesmas que já funcionaram anteriormente para o paciente."
Também houve críticas à composição do grupo de trabalho.
"O grupo de trabalho é formado por médicos de excelência, porém totalmente ignorantes quando falamos de endocanabinologia. Eles estão discutindo um assunto sobre o qual não têm conhecimento. Não é para tirá-los de lá, mas para incluir pessoas que entendam do assunto, levar informação validada e, assim, discutir com base científica. Quem está discutindo sobre isso não entende o assunto", afirmou José Wilson.
O coordenador do grupo de trabalho também foi questionado sobre a falta de conhecimento científico e técnico dos profissionais a respeito do uso medicinal da cannabis. Ele reconheceu que mudanças podem ser feitas:
"As mudanças que têm sido feitas são de pessoas que não podem comparecer com a frequência desejada, que são substituídas. Mas as sociedades de especialidades médicas também podem modificar suas representações. Se a sociedade de psiquiatria entender que há conveniência em indicar, representando os psiquiatras, algum médico que tenha mais vivência clínica com o canabidiol, são eles que têm que resolver. Não seremos nós que vamos modificar a composição das representações das especialidades."
O deputado Caio França leu a moção enviada ao presidente Lula, um apelo à Anvisa para que reavalie a minuta que estabelece em 0,3% o limite máximo de tetrahidrocanabinol (THC) no cultivo da cannabis no Brasil. O pedido considera a inviabilidade agronômica da aplicação desse parâmetro em clima tropical, a aprovação de medicamentos com maior proporção de THC já disponíveis em farmácias, como o Mevatyl, a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconhece a necessidade de regulamentação do cultivo no país e a relevância das associações de pacientes, fundamentais para garantir acesso a terapias ainda não ofertadas pelo Estado ou pelo mercado.

"É mais um instrumento que o governo federal tem para se debruçar. Essa frente parlamentar é uma frente que se reúne periodicamente, com uma pauta séria. Conseguimos avançar em São Paulo, sendo referência para outros estados. Então, que o governo federal possa colocar a mão na consciência e aproveitar a planta como um todo, para que não fique um produto muito restritivo para outras patologias. A gente sabe que o canabidiol tem um potencial terapêutico, mas não podemos descartar o potencial terapêutico do THC."
Durante a audiência, também foi lançado o 3º edital de emendas da Frente, que neste ano destinará R$ 1,25 milhão para o financiamento de projetos voltados ao desenvolvimento e aplicação da cannabis medicinal e do cânhamo industrial. A iniciativa contempla áreas como saúde, ciência, tecnologia, inovação, educação, cultura, comunicação e impacto social, com o objetivo de incentivar pesquisas, ampliar o acesso da população e fortalecer a inovação no setor.
Serviço
Objetivo: fomentar iniciativas de pesquisa, inovação e desenvolvimento no Brasil.
Período de inscrição: de 05/09/25 a 31/10/25
Inscrições: fpcannabis.com.br