Jogo de empurra: de quem é a competência sob o cultivo individual de cannabis?

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) diz não ser responsável pela pauta do plantio, enquanto isso, ações judiciais que autorizam pacientes a cultivar a planta em casa para fins medicinais, disparam em 2023

Publicada em 31/01/2024

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No cenário brasileiro, a discussão em torno do cultivo individual de cannabis para fins medicinais tornou-se um verdadeiro “jogo de empurra” entre os órgãos governamentais. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), embora seja a instituição que regulamenta o setor de saúde, declara-se alheia à responsabilidade sobre a pauta do plantio, enquanto, paradoxalmente, ações judiciais proliferam, autorizando pacientes a cultivarem a planta em suas residências com a justificativa de que a agência sanitária permite seu uso terapêutico. 

O contrassenso fica evidente ao observarmos o aumento vertiginoso de decisões judiciais que obrigam o poder público a assegurar o fornecimento de produtos terapêuticos à base de Cannabis. O ano de 2023 se destacou por um notável aumento nesse tipo de ação, impulsionando a criação de leis estaduais que visam incorporar esses produtos ao Sistema Único de Saúde (SUS). 

Em um levantamento realizado pelo Globo, em conjunto com dados do Ministério da Saúde, revela um investimento significativo na tentativa de atender à demanda crescente. Até outubro de 2023, aproximadamente R$ 40 milhões foram destinados a esse fim, com estados como São Paulo liderando os gastos, contribuindo com expressivos R$ 25,6 milhões. 

No âmbito federal, os números alarmantes mostram um aumento de 377,9% nos gastos relacionados à cannabis no primeiro trimestre de 2023 em relação a todo o ano anterior, fazendo do judiciário a arena principal para a definição desse cenário.  

Para o advogado, membro e consultor da Comissão Especial da Cannabis Medicinal do Conselho Federal da OAB, Maurício Lobo, a falta de um posicionamento claro acirra esse jogo entre os poderes, mas afirma que a responsabilidade do cultivo individual para fins medicinais é do Ministério da Saúde: 

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“A lei que cria e regulamenta a Anvisa não dá a ela essa competência. Mas eu entendo que este compromisso é do Ministério da Saúde, uma vez que a política antidrogas no Brasil, referenciada pela Lei 11.343/2006, permite o cultivo para fins medicinais”, diz Lobo, que explica que o Ministério da Saúde já sinalizou e declarou através de um assessor da ministra Nísia Trindade, que a competência para regulamentar o cultivo medicinal é deles.  

 

“Acredito, eventualmente, que logo será criado um órgão específico para coordenar essa Política Nacional”, finaliza o advogado.  

A ausência de uma regulamentação específica sobre o cultivo individual de cannabis para fins medicinais cria um vácuo legal que impacta diretamente a vida dos pacientes que dependem desses tratamentos. Enquanto o impasse persiste, a sociedade espera por uma solução que concilie as necessidades dos pacientes, a responsabilidade do Estado e a segurança jurídica que a regulamentação adequada proporcionaria. O "jogo de empurra" entre judiciário e agência sanitária precisa ceder espaço para a cooperação entre os órgãos, promovendo uma resposta eficaz diante do crescente desafio médico e social que a cannabis medicinal representa no Brasil.