O que a medicina contemporânea pode aprender com o uso milenar dos psicodélicos
Com mais de 10.000 anos de história, o uso de plantas medicinais por culturas antigas pode oferecer insights valiosos para o renascimento psicodélico da medicina moderna
Publicada em 20/09/2024
Imagem: Vecteezy
O uso de substâncias psicodélicas, como ayahuasca, psilocibina e MDMA, tem ganhado destaque no cenário médico contemporâneo, principalmente no tratamento de transtornos mentais como depressão, ansiedade e dependência química. No entanto, o uso dessas substâncias não é uma novidade. Civilizações antigas, como os Tiwanaku e outras culturas indígenas ao redor do mundo, utilizavam essas plantas em rituais espirituais e cerimônias de cura há milhares de anos, oferecendo lições valiosas para o atual renascimento dos psicodélicos na medicina ocidental.
A sabedoria ancestral das culturas indígenas
Em 2008, a descoberta de uma bolsa de couro pertencente a um xamã da civilização Tiwanaku nos Andes bolivianos trouxe à tona uma coleção de apetrechos utilizados para o consumo de plantas psicoativas, como psilocibina e ayahuasca. Esses achados mostram como as antigas civilizações tinham uma profunda conexão com os psicodélicos, utilizando-os em cerimônias que iam muito além da simples cura individual. Para essas culturas, o uso de substâncias alucinógenas estava intrinsecamente ligado à restauração do equilíbrio entre o indivíduo, a comunidade e o mundo espiritual.
Yuria Celidwen, pesquisadora da Universidade da Califórnia, em Berkeley (EUA), destaca que nas culturas indígenas, os psicodélicos são vistos como remédios espirituais, integrados ao cotidiano da comunidade. Diferente da abordagem ocidental, que foca no bem-estar individual e na saúde mental, os povos indígenas utilizam essas substâncias para restaurar o equilíbrio entre os humanos e a natureza. Em cerimônias de cura, a ênfase não era apenas tratar a doença, mas reconectar a pessoa com o mundo espiritual e com os ancestrais.
O renascimento psicodélico na medicina moderna
Nos últimos anos, estudos têm demonstrado o potencial terapêutico dos psicodélicos para tratar transtornos mentais, como depressão resistente, ansiedade e estresse pós-traumático. Pesquisas lideradas por instituições como a Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins mostram que a psilocibina, combinada à psicoterapia, pode alterar profundamente o estado emocional e mental dos pacientes, ajudando-os a processar traumas e mudar padrões de pensamento prejudiciais.
No entanto, esse renascimento psicodélico na medicina moderna não está isento de críticas. Alguns especialistas, como Jules Evans, da Queen Mary University of London, alertam que o uso de psicodélicos no Ocidente muitas vezes negligencia o elemento espiritual presente nas tradições indígenas.
"O uso dessas substâncias em contextos seculares pode gerar confusão existencial, pois as experiências psicodélicas são extremamente intensas e, sem a orientação adequada, podem causar efeitos adversos de longo prazo", destaca a pesquisadora.
Integração do conhecimento ancestral na medicina ocidental
Para que a medicina contemporânea possa realmente aproveitar o potencial terapêutico dos psicodélicos, é essencial que se reconheça o valor das práticas espirituais que acompanham seu uso nas culturas antigas. Pesquisadores, como Osiris Sinuhé González Romero, sugerem que práticas como o uso da música e do jejum, comuns em rituais indígenas, poderiam ser integradas aos tratamentos modernos. Essas práticas auxiliam no estado de transe e no aprofundamento da experiência psicodélica, facilitando o processo de cura.
Além disso, é necessário que as comunidades indígenas, guardiãs desse conhecimento milenar, sejam incluídas no debate atual. Estudos apontam que, apesar do crescente mercado psicodélico, que deve alcançar bilhões de dólares em todo mundo até 2027, poucas das riquezas geradas beneficiam as comunidades originárias dessas tradições. Para que o renascimento psicodélico seja verdadeiramente sustentável, é fundamental que essas vozes sejam ouvidas e respeitadas.
Com informações de BBC