Sindusfarma solicita revogação da RDC 660 da Anvisa

Entidade justifica que resolução não cumpre critérios de segurança estabelecidos pela agência, divergindo opiniões no setor farmacêutico

Publicada em 22/10/2024

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Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) | Imagem: Agência Brasil

O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), maior entidade representativa da indústria farmacêutica no Brasil, manifestou seu descontentamento com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 660, de 2022, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em um ofício enviado à agência e recebido com exclusividade pelo portal Sechat, a organização solicitou a revogação da norma, alegando que a mesma não atende adequadamente aos critérios de segurança e qualidade determinados pela própria Anvisa, o que poderia resultar em potenciais riscos à saúde da população.

A RDC 660 estabelece os critérios e procedimentos para a importação de produtos derivados de cannabis por pessoas físicas, para uso próprio, com base em prescrição médica. No entanto, o Sindusfarma argumenta que, em sua forma atual, a resolução desconsidera diretrizes importantes voltadas para o controle de qualidade, comprometendo a eficácia e a segurança dos produtos derivados de cannabis disponibilizados no mercado.

Veja o documento na íntegra aqui

 

De acordo com a entidade, o principal objetivo por trás desse pedido é garantir que os produtos de cannabis para uso medicinal tenham sua qualidade devidamente atestada pela Anvisa, como já previsto na RDC nº 327, de 2019, que regulamenta a fabricação e comercialização de produtos de cannabis no Brasil. A revisão proposta pelo sindicato visa a assegurar que o acesso a esses medicamentos ocorra de forma controlada e segura, sem que haja risco à saúde pública.

O pedido de revogação da RDC 660 gerou discussões no setor. Enquanto algumas vozes apoiam a postura do Sindusfarma, argumentando que um controle mais rígido é essencial para garantir a qualidade dos produtos à base de cannabis, outros setores enxergam a solicitação como uma medida que pode atrasar o acesso de pacientes a tratamentos inovadores.

Divergindo opiniões:

 

Fernando Franco, gerente de marketing e sócio da Ease Labs, empresa vencedora da licitação para distribuição de produtos à base de cannabis no Sistema Único de Saúde (SUS) de São Paulo, explica que: "A RDC 660 cumpriu seu papel há quase 10 anos, quando foi publicada em 2015, época em que havia uma grande pressão para o acesso a produtos de Cannabis no Brasil. Com a RDC 327, que entrou em vigor em 2020, a Anvisa estabeleceu regras claras de registro de vendas de produtos de cannabis nas farmácias, com garantia de segurança e qualidade, resguardando principalmente o médico e o paciente. Hoje, diversos produtos estão disponíveis em farmácias em todos os estados do país, a preços acessíveis".

Franco destaca que a RDC 327 fomenta a economia local e possibilita a realização de pesquisas científicas, exigindo que, em cinco anos, estudos clínicos comprovem a eficácia dos produtos, permitindo que sejam registrados como medicamentos. "Temos uma oportunidade única de evoluir como país e como mercado, sendo destaque globalmente pela qualidade técnica e tecnologia no setor".

Por outro lado, a advogada Daiane Zappe, executiva de vendas da Revivid Brasil e especialista em Direito Constitucional, critica o pedido de revogação da RDC 660. Para ela, a solicitação da Sindusfarma é descabida e demonstra falta de conhecimento sobre o tema. "Os produtos disponíveis hoje na RDC 327 não contemplam outros fitocanabinoides que também possuem propriedades terapêuticas, como CBG, THCV, CBN. Os pacientes que já fazem uso desses canabinoides com resultados positivos teriam que suspender o tratamento? Isso é um absurdo!", argumenta. 

Daiane também ressalta que a proibição da importação poderia limitar o acesso dos pacientes a tratamentos que melhoram sua qualidade de vida, defendendo que a resolução deve ser revisada, mas jamais proibida. "O direito à autonomia é fundamental em qualquer sistema de saúde, e nossos pacientes devem ter a liberdade de escolher seu tratamento."

Já o médico psiquiatra Wilson Lessa, conhecido por seu trabalho com o uso medicinal de cannabis, oferece uma terceira perspectiva, defendendo a importância do cultivo nacional: "Dado a personalização da terapêutica com os canabinoides, quanto mais produtos com composições diferentes tivermos à disposição, maior a chance de sucesso no tratamento. A solução pragmática para esse imbróglio é, no meu ponto de vista, a regulação nacional do plantio da cannabis e da produção de insumos farmacêuticos ativos aqui no Brasil. Plantio e produção no país é uma questão de soberania e democratização do acesso".

Vale destacar que a solicitação feita pela Sindusfarma à Anvisa não implica uma decisão definitiva, e o tema ainda passará por debates e análises antes de qualquer ação formal por parte da agência. Ambos os órgãos foram procurados para prestarem esclarecimentos sobre o tema, mas até a publicação desta matéria, não obtivemos respostas.