Substâncias extraídas da Cannabis medicinal podem amenizar sintomas da esclerose múltipla
Fórmula que associa CBD e THC está em consulta pública na Conitec, mas falta de mais informações científicas impede seu uso, já negado em avaliação preliminar do órgão
Publicada em 21/09/2020
Com algumas informações positivas quanto ao tratamento da esclerose múltipla, a associação do canabidiol (CBD) e do tetra-hidrocanabinol (THC) – substâncias extraídas da Cannabis sativa, mais popularmente conhecida como maconha – está com consulta pública aberta pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) desde a semana passada.
Segundo a acadêmica Giovanna Bingre, orientanda da professora Regina Andrade, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, diz que questões legais de cultivo e comercialização da planta e seus derivados e a escassez de pesquisas sobre os efeitos terapêuticos da Cannabis impedem que terapias com os canabinoides sejam liberadas para utilização clínica.
O FDA, órgão norte-americano que controla alimentos e medicamentos, já aprovou o CBD para tratar epilepsia infantil
Sobre as duas substâncias, agora em consulta pública, Giovanna explica que o CBD não tem efeito psicoativo e, segundo alguns estudos, poderia ser usado no tratamento de doenças como câncer, diabete, isquemia e contra epilepsia. De acordo com ela, a agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA) já aprovou o uso do CBD para tratar uma forma grave de epilepsia infantil nos Estados Unidos, tendo como base estudos que mostram o CBD como “eficaz na redução de crises epilépticas em 83% dos casos, alterando a excitação e a transmissão nos receptores neurais”. O mesmo fez o Brasil em 2015, quando a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – autorizou o uso da mesma terapia, desde que com receita controlada e cultivo da planta realizado fora do território nacional.
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Quanto ao THC, Giovanna diz tratar-se de substância psicoativa, com efeito sobre o sistema nervoso central, mas de uso terapêutico confirmado por algumas pesquisas no “aumento do apetite, diminuição de náuseas, dor, inflamação e do descontrole muscular”. Essas propriedades, acreditam os pesquisadores, fazem da droga possível aliada para as pessoas que passam por tratamento quimioterápico ou radioterápico contra o câncer, por exemplo.
Associação de CBD e THC possui efeitos desejáveis sobre o sistema nervoso central
A associação dos dois princípios ativos (CBD + THC), segundo Giovanna, possui efeitos desejáveis sobre o sistema nervoso central de pacientes com esclerose múltipla, “diminuindo a liberação de citocinas inflamatórias, a morte celular, reduzindo rigidez muscular e da dor nos nervos”.
A doença ainda não tem cura e seus sintomas – dor e desconforto intensos – marcam a vida de cerca de 35 mil brasileiros, a maioria mulheres entre 20 e 40 anos. É por isso que a “comunidade de pacientes com a doença e sua rede de apoio buscam maior atenção da associação do canabidiol com o THC, justamente para o alívio do sofrimento desse sintoma e para evitar sequelas mais graves”, informa a acadêmica da USP, adiantando que um dos principais sintomas da esclerose inclui contração involuntária dos músculos, que pode causar deformidades graves nos doentes.
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Apesar da popularidade da planta Cannabis, estudos sobre seus compostos ainda são escassos em todo o mundo. Giovanna cita o Conselho Federal de Medicina, informando que, entre os anos 1970 e 1990, “praticamente nenhum estudo sobre o canabidiol foi publicado”.
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, é uma das pioneiras nas pesquisas com a planta no Brasil
A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, por exemplo, é uma das pioneiras nas pesquisas com a planta no Brasil. Há poucos anos, esta faculdade “entrou em parceria com uma companhia farmacêutica paranaense para o desenvolvimento do extrato de canabidiol”, conta Giovanna, lembrando que a associação com o THC ainda não é produzida nem legalizada.
Segundo ela, a questão vai além da ilegalidade do cultivo e da burocracia para obtenção de licenças, já que o processo de extração das substâncias ativas, como o CBD e o THC, “é delicado e precisa ser feito corretamente para se ter certeza da separação das demais substâncias psicoativas”. São mais de 3 mil substâncias diferentes, informa a acadêmica, o que implica mais dificuldades para os cientistas, mas também se traduz em problemas de saúde para quem fuma o “prensado” da planta.
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Giovanna lembra que o fumo “não tem a terapêutica do extrato refinado de suas duas substâncias mais famosas e traz consequências maléficas para o usuário, como dependência, alteração do funcionamento dos neurônios, problemas respiratórios e aumenta a chance do desenvolvimento de transtornos como a esquizofrenia, assim como pode intensificar crises de ansiedade e depressão”.
Quanto ao relatório em consulta pela Conitec, o produto não obteve recomendação preliminar favorável da comissão avaliadora do órgão, que “considerou que o medicamento só apresentou benefício quando avaliado por escala subjetiva e a ausência de eficácia do fitofármaco na redução da espasticidade por escala objetiva comparado ao placebo.’’
Fonte: Jornal da USP