Cannabis, essa officinalis
Em sua coluna de estreia no Sechat, a médica Jackeline Barbosa faz uma proposta ousada: que deixemos o preconceito de lado para conhecer mais a fundo - sem julgamentos prévios de qualquer tipo - a história da cannabis, permitindo que essa fantástica
Publicada em 02/03/2021
Coluna de Jackeline Barbosa*
Para você, que está chegando agora nessa minha nova coluna, muito prazer, boas-vindas e puxa uma cadeira que eu tenho uma prosa para propor: "esqueça" tudo que você já ouviu falar sobre Cannabis, tire todo histórico político e social que você escutou sobre ela. Assim, com a cabeça meio esquecida das prévias impressões, te convido a conhecer uma planta nova, a qual chamarei didaticamente de "Cannabis officinalis".
Com toda a reverência que minha ousadia exige, aviso aos botânicos: perdoem-me se não sei o que falo. Minha ideia não é contestar a nomenclatura dada por Carolus Linnaeus, mas, sim, convidar a um exercício de imaginação, uma reflexão sem preconceitos, desconstruindo a marginalização que contextualiza esta planta, cujo desenho social e político, por muitos anos, se sobressaiu ao seu poder terapêutico.
Dito isto, vamos em frente?
Eram essas plantas que os mais remotos prescritores reconheciam e aplicavam a serviço da vida. São exemplos de plantas com esta nomenclatura: Borago officinalis (borragem), Calendula officinalis (calêndula), Zingiber officinale (gengibre), entre muitas outras.
O termo "officinalis" ou "oficinale" é frequentemente visto compondo o nome científico de plantas reconhecidas pelo seu uso terapêutico ou farmacêutico, no âmbito da farmacologia que prepara e estuda medicamentos. Em latim, "officinalis" significa o que pertence a uma oficina, ou seja, a planta com uso terapêutico - farmácia, botica - ou culinário - cozinha. Já a palavra oficina remete às práticas originadas à época dos alquimistas, quando as plantas eram transformadas em preparações farmacêuticas, como pomadas, xaropes, garrafadas, bálsamos etc, e utilizadas para fins de tratamento e cura. Eram essas plantas que os mais remotos prescritores reconheciam e aplicavam a serviço da vida. São exemplos de plantas com esta nomenclatura: Borago officinalis (borragem), Calendula officinalis (calêndula), Zingiber officinale (gengibre), entre muitas outras.
Falando de forma mais ampla, o termo officinalis reconhece plantas que já têm um uso tradicionalmente conhecido, estabelecido. Saltemos no tempo, e o que ora é proibido, passando a ser novo de novo, logo pouco conhecido, não poderia compor esse grupo. Quando a Cannabis sativa recebeu sua nomenclatura botânica, de fato seu uso e potencial medicinal, embora fossem milenares, já preocupava e passava a ser muito questionado. Tanto poder em uma só planta? Talvez fosse coisa de bruxas... ou de marginais. Mas essas são outras histórias.
Frequentou nobres salões, serviu a muitos curadores e fez até parte, vejam os senhores, da Farmacopeia Brasileira, parece que até 1929. Só que, outra vez, surgiu uma série de contratempos históricos, políticos, econômicos e sociais e bem... essa também é outra longa história.
O termo "sativa" significa cultivado, plantado. É encontrado nos nomes científicos de muitas espécies de plantas domesticadas, que os seres humanos passaram a cultivar quando deixaram de ser nômades e fincaram pé, literalmente, como agricultores. São dessa leva de batismo Avena sativa (aveia), Allium sativum (alho), Oryza sativa (arroz). Como sativa, Cannabis fez uma belíssima presença. Frequentou nobres salões, serviu a muitos curadores e fez até parte, vejam os senhores, da Farmacopeia Brasileira, parece que até 1929. Só que, outra vez, surgiu uma série de contratempos históricos, políticos, econômicos e sociais e bem... essa também é outra longa história.
Uma planta medicinal que, dia após dia, é certificada por mais e mais evidências. Pode ser preciso fazê-la "renascer", para que consiga ser vista apenas - e tanto - como o que ela é: uma planta que traz benefícios.
Cannabis merece passar por uma absolvição, sabem? Como ocorre a todo egresso de um sistema prisional, o estigma é gigante, pessoa querida, é preciso dizer! Pode ser o caso de se querer adotar uma nova identidade, talvez um nome artístico, que o preconceito é grande e a ignorância... pode até ser fatal. Trata-se, convenhamos, de uma planta medicinal. Uma planta. Medicinal. E das mais nobres que, independentemente do contexto no qual foi inserida, traz um potencial terapêutico incontestável. Uma planta medicinal que, dia após dia, é certificada por mais e mais evidências. Pode ser preciso fazê-la "renascer", para que consiga ser vista apenas - e tanto - como o que ela é: uma planta que traz benefícios.
Meu agradecimento aos que aceitaram minha prosa e esse exercício, de conhecer minha Cannabis officinalis. Porque é sempre com um nomezinho afetuoso e novinho que a gente chama a quem quer muito bem.
*Jackeline Barbosa é médica, com doutorado em Ciências Médicas pela UFRJ e Mestrado em Neurologia pela USP de Ribeirão Preto, e colunista do Sechat.
As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.
Veja outros artigos de nossos colunistas:
Alex Lucena
– Inovação e empreendedorismo na indústria da Cannabis (19/11/2020)
– Inovar é preciso, mesmo no novo setor da Cannabis (17/12/20)
Fabricio Pamplona
– Os efeitos do THC no tratamento de dores crônicas (26/01/2021)
– Qual a dosagem ideal de canabidiol? (23/02/2021)
Ladislau Porto
– O caminho da cannabis no país (17/02/2021)
Marcelo de Vita Grecco
– Cânhamo é revolução verde para o campo e indústria (29/10/2020)
– Cânhamo pode proporcionar momento histórico para o agronegócio brasileiro (26/11/2020)
– Brasil precisa pensar como um país de ação, mas agir como um país que pensa (10/12/2020)
– Por que o mercado da cannabis faz brilhar os olhos dos investidores? (24/12/2020)
– Construção de um futuro melhor a partir do cânhamo começa agora (07/01/2021)
– Além do uso medicinal, cânhamo é porta de inovação para a indústria de bens de consumo (20/01/2021)
– Cannabis também é uma questão de bem-estar (04/02/2021)
– Uma carga de energia limpa para o Brasil (18/02/2021)
Paulo Jordão
– O papel dos aparelhos portáteis de mensuração de canabinoides (08/12/2020)
– A fórmula mágica dos fertilizantes e a produção de canabinoides (05/01/2021)
– Quanto consumimos de Cannabis no Brasil? (02/02/2021)
Pedro Sabaciauskis
– O papel fundamental das associações na regulação da “jabuticannábica” brasileira (03/02/2021)
Ricardo Ferreira
– Da frustração à motivação (03/12/2020)
– Angels to some, demons to others (31/12/2020)
– Efeitos secundários da cannabis: ônus ou bônus? (28/01/2021)
- Como fazer seu extrato render o máximo, com menor gasto no tratamento (25/02/2021)
Rodolfo Rosato
– O Futuro, a reconexão com o passado e como as novas tecnologias validam o conhecimento ancestral (10/02/2021)
Rogério Callegari
– Sob Biden, a nova política para a cannabis nos EUA influenciará o mundo (22/02/2021)
Wilson Lessa
– O sistema endocanabinoide e os transtornos de ansiedade (15/12/2020)
– O transtorno do estresse pós-traumático e o sistema endocanabinoide (09/02/2021)