Cannabis in natura no Brasil: o dilema entre proibição e liberdade de acesso

Diante da proibição da importação de flores de cannabis pela Anvisa, players do mercado divergem opiniões

Publicada em 21/07/2023

capa
Compartilhe:

Por João Negromonte

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou nesta quarta-feira (19), por meio de nota técnica, uma decisão que proíbe a importação de flores de cannabis in natura para o Brasil. De acordo com a agência sanitária, o objetivo é regulamentar o uso da planta e seus derivados de forma segura e responsável. 

A medida gerou debates e discussões 

Players do mercado como Rodolfo Rosato, fundador da TerraCannabis, plataforma que presta serviços de facilitação de acesso a produtos à base de cannabis para pessoas previamente autorizadas, discorda da decisão da Anvisa.

Rodolfo Rosato

O empresário questiona a importância da liberdade de escolha entre médico e paciente no que se refere ao tratamento de saúde. Ele argumenta que a eficácia e a segurança da cannabis são comprovadas em diversos tratamentos, independentemente de sua forma (óleo, cápsulas, creme ou in natura). Como exemplo, menciona o caso de um paciente com Parkinson que usa a planta inalada para controlar os tremores da doença, destacando que a ação é rápida e efetiva. Ele também ressalta a situação de pacientes oncológicos que utilizam a cannabis in natura para reduzir dores e náuseas decorrentes da quimioterapia e defende o direito das pessoas acessarem o  tratamento sem interrupções burocráticas.

“Essa tentativa de bloquear a planta in natura é de uma maldade imensa. Novamente estão pensando apenas nos interesses econômicos de certos grupos, não se importando com a dor das pessoas. Foi assim no início das importações de óleos e será agora com as flores. Se  impedirem os pacientes de terem acesso aos tratamentos adequados, serão milhares de ações judiciais de pacientes que terão suas vidas prejudicadas por interesses alheios à questão da saúde”, destacou Rosato.

Dr. Wilson Lessa, médico psiquiatra com amplo conhecimento sobre cannabis, também manifestou sua opinião. O profissional de saúde explica que o eventual uso recreativo da Ritalina (metilfenidato), por exemplo, é um desvio de finalidade do uso médico. Todavia, esse desvio não justifica a proibição da prescrição e comercialização do produto, ferramenta imprescindível no tratamento de pacientes com TDAH. Mas, é um sinal de que isso pode ocorrer e que medidas de controle de receituário e psicoeducação podem diminuir essa prática. 

“A forma vaporizada para uso terapêutico apresenta vantagens em algumas situações, como o rápido início de ação e por evitar  efeito de primeira passagem no fígado, onde muitos compostos são metabolizados”, explica o médico, afirmando que a via de administração já é utilizada em Israel, Holanda, Suíça, Alemanha, Itália, Canadá e EUA, em pacientes com dores oncológicas, enxaqueca, Parkinson, Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT), dentre outras condições mórbidas.

É preciso avançar no debate

Já Alexandre Biasi, CEO da Medical Hemp Brasil, empresa especializada no acolhimento de pacientes que fazem uso da terapia canabinoide, diz que a Anvisa tem uma equipe preparada e rigorosa, que estudou regulamentações em todo o mundo, garantindo análises técnicas e procedência dos produtos antes de aprová-los para comercialização, via importação legal.  

“Existe um paralelo muito difícil de explicar, pois pela RDC/327 a importação de flores de cannabis in natura não era possível. Contudo, com a introdução da RDC/660 abriu-se uma porta para esta apresentação do produto in natura, o que novamente é vedada pela nota técnica emitida pela agência”, diz Biasi que reforça: “Sigo a regulamentação desde seus primórdios e acompanho o trabalho que a Anvisa faz. Assim, entendo que eles sabem o que estão fazendo”. 

Sobre a justificativa de que muitas pessoas estariam usando a desculpa do uso medicinal para adquirir flores para uso adulto, o empresário declara que a tentativa de orientar os pacientes sobre o acesso é diária, mas que não é possível controlar a prática do falso testemunho.

“Não temos como fazer esse filtro. É uma questão muito complicada, pois na medicina existe também a redução de danos, onde o indivíduo não vai parar de consumir e muitas vezes não sabe nem de onde veio o produto. Enfim, é um leque de discussões a serem traçadas ainda. Mas existem as regras e temos que fazer o correto, estamos com a chance de escrever a história, então temos que aplicar as normas, sem esquecer que a discussão existe para evoluirmos”, completa

O que diz a Anvisa?

Em nota ao portal Sechat, a agência informou que a decisão levou em conta diversos aspectos, incluindo o potencial uso medicinal da cannabis, a segurança dos pacientes e a necessidade de controlar o tráfico ilegal da substância. 

“Com essa proibição, busca-se evitar riscos à saúde pública e garantir que os produtos derivados da cannabis sejam submetidos a rigorosos padrões de qualidade”, consta na nota. 

A Anvisa reforçou , ainda, que após 60 dias, não serão mais aceitos pedidos de importação de flores de cannabis in natura e, caso sejam apresentados novos pedidos, serão negados.

O debate sobre a legalização da cannabis ainda é um assunto em pauta, com opiniões divergentes entre os especialistas e a sociedade em geral. Enquanto alguns defendem a liberação total da planta para uso medicinal e adulto, outros argumentam que é necessário avançar com cautela e basear as decisões em evidências científicas sólidas.

Diante desse cenário, a Anvisa salienta que continuará monitorando de perto os avanços científicos e as políticas internacionais relacionadas à cannabis, com o objetivo de encontrar soluções que atendam às necessidades da população brasileira. 

Enquanto isso, é importante que todos os envolvidos no tema mantenham-se informados e abertos ao diálogo, para que sejam tomadas decisões responsáveis e bem fundamentadas no futuro.