Criança deixa de ter 50 crises de convulsão por dia com o uso da Cannabis
Família conseguiu na Justiça o direito de plantar a própria maconha para extração do óleo
Publicada em 28/01/2020
Por Caroline Apple
“Eu estava perdendo a minha filha. Ela estava definhando”, afirma a professora aposentada Liane Maria Pereira, de 50 anos, de Canoas (RS), que chegou a presenciar mais de 50 crises convulsivas na pequena Carol, quando ela tinha apenas três anos.
Caroline Pereira da Silva nasceu com uma doença rara chamada Síndrome de Dravet, o que lhe rendeu a primeira crise convulsiva quando tinha 25 dias. Porém o diagnóstico só chegou em 2015, depois de três anos tendo convulsões periódicas, mas que, ainda, não impactavam diretamente no seu desenvolvimento.
Carol começou a apresentar dificuldade em relação ao equilíbrio e as quedas se tornaram cada vez mais constantes e perigosas. Não demorou muito para ela estar em uma cadeira de rodas.
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Então, as quedas se aliaram asdezenas de crises diárias, que ora eram febris, ora não e também apresentavacrises focais que eram completamente inesperadas, momento crítico em que a famíliapresenciava a pequena olhando por 40 minutos para um ponto fixo, momento queacionava o alerta da família e todos corriam para o hospital para traze-la devolta por meio da medicação intravenosa.
Diante de tantas quedas que adebilitavam ainda mais, Carol foi parar em uma cadeira de rodas em 2014. Até odiagnóstico, a saúde da criança só piorava. A paciente estava sendo medicadacom cinco anticonvulsivos que a salvavam por um lado e a matavam pelo outro. Osefeitos colaterais estavam sendo devastadores. Carol desenvolveu hepatitemedicamentosa, teve queda de plaquetas, problemas na tireoide, entre outrossintomas causados pelos fortes remédios.
Maconha como remédio
Foi então que a médica que aacompanhava Carol mostrou para a família os benefícios que alguns pacientescomo Carol tinham a partir do uso do CBD.
A família não pensou duasvezes, mesmo assumindo o preconceito que tinha em relação à maconha. Foi entãoque a médica prescreveu pela primeira vez o óleo e ajudou a família de Carol emtodos os trâmites legais para conseguir importar o medicamento que, até então,seria pago pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
A ação contra o Estado, que pedia pelo pagamento do medicamento, foi deferida, mas não atendia a demanda da pequena. No princípio conseguiram o valor por três meses e no total o Estado acabou pagando apenas por nove meses. O jeito foi sair pedindo empréstimo, fazendo vaquinha com os amigos, pedindo doações na internet.
Porém, o óleo que conseguiram não reduziu as internações. Carol passou a ter menos crises, mas elas ficaram mais extensas. Então Liane percebeu que se quisesse que a filha realmente melhorasse teria que ser ainda mais ativa no processo de cura de Carol. Nessa altura do campeonato, a pequena estava na cadeira de rodas, com extensas crises convulsivas e se alimentando por meio de uma sonda.
Que comece a plantação
Em 2017, Liane conheceu a associação de Cannabis Cultive, que realiza atividades educativas e pedagógicas com o objetivo de disseminar os benefícios terapêuticos da Cannabis e ampliar o acesso. Então, fez as malas e partiu numa viagem do Sul rumo a São Paulo e foi aprender a plantar maconha para fazer um óleo mais completo para sua filha.
Em setembro daquele ano as primeiras sementes já estavam germinandoe, no paralelo, corria na Justiça o direito de plantar, que veio em 2019 pormeio de um Habeas Corpus.
Os resultados não poderiam ser melhores. No final de agostode 2018, após vários cursos, incluindo de extração de óleo, a família produziuo primeiro medicamento em casa. No primeiro mês Carol não teve mais nenhumacrise.
A pequena toma o óleo com CBD e THC, além de outros canabinóides, produzido pela família há um ano e quatro meses. Além das crises terem cessado por completo, o que Liane acreditava ser benéfico para as crises passou a surtir resultados em outros problemas de saúde que sua filha apresentava.
Carol parou de usar a sonda gástrica para se alimentar esaiu da cadeira de rodas, que foi doada e maio de 2019. A família garante quevive um sonho e que nunca imaginou que a filha, hoje com dez anos, tomando seisgotinhas de óleo por dia, teria a chance de viver uma vida com mais qualidade,algo impensável num cenário de mais de 50 crises diárias.
Aos poucos, com ordem médica, Carol foi parando de tomar os anticonvulsivos. Dos cinco que tomava e a estavam deixando ainda mais debilitada, hoje ela só toma um. E com uma vida mais tranquila sobrou espaço para desenvolver outras aptidões. Liane diz que nunca achou que a filha fosse ser alfabetizada, mas agora ela copia letras, desenha e faz coisas inimagináveis para uma criança que convulsionava até dormindo.
A mãe sabe que teve que enfrentar barreiras sociais, moraise jurídicas para dar uma chance de vida para a filha. Hoje, ela garante que, diferentedo que ela pensava antes, maconha presta sim, e é remédio que cura e dá achance de pessoas como Carol de viver com qualidade.