“Depois da cannabis medicinal, minha avó reconheceu o filho pelo nome”, diz neta de idosa com Alzheimer

Família evangélica passou por cima do preconceito e encontrou na maconha medicinal uma forma de dar qualidade de vida para a matriarca

Publicada em 20/01/2020

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Por Caroline Apple

Uma vida marcada por quadrosde depressão, suspeita de bipolaridade, agressividade e, por fim, pelodesenvolvimento da doença de Alzheimer. Esta é parte da história de Maria dasDores Borges Viana, de 71 anos, de Campina Grande (PB).

A saga de Dona Dôra, como éconhecida, hoje é contada por sua neta, Priscila Albuquerque, de 28 anos, umajovem missionária da Igreja Batista que encontrou na cannabis uma forma deajudar a avó e outras dezenas de pessoas.

Dona Dôra era o tipo de pessoa,digamos, difícil. Sua depressão e seus surtos de agressividade se voltaramcontra ela mais uma vez ao mascarar para a família a doença de Alzheimer, que chegavade forma sorrateira me meados de 2017. A idosa se trancou em casa. Seucomportamento explosivo serviu de escudo. Ninguém entrava. Nada de visitas. Afamília achou que era por causa do estado depressivo e respeitou a decisão deMaria.

Porém, o que ninguém imaginavaera que, na verdade, a matriarca estava apresentando os primeiros sintomas dadoença. Ela já não tomava banho, não se alimentava direito, não fazia limpeza.

“Quando decidimos entrar nacasa foi um choque. Ela estava vivendo em situação precária. Mas nunca aabandonamos, só não tínhamos ideia do que estava acontecendo. Foi muito triste.Ninguém queria aceitar que ela estava com Alzheimer”, relembra a neta.

Com a demora do diagnóstico edo início do tratamento, Dona Dôra piorou muito. Sua agressividade duplicou,ela passou a ter alucinações e a se perder na rua, onde era encontrada, muitasvezes, a quilômetros de casa.

“Foi então que um dos médicosreceitou um remédio alopático tão forte que deixou minha avó prostrada. Ela malmexia os olhos, não comia, sua mobilidade ficou comprometida e enrijecida. Nãosabíamos mais o que fazer”, conta Priscila.

A reviravolta

Agora, totalmente dependente,Dona Dôra precisava mais do que nunca de cuidados. Uma de suas filhas pediuajuda à Priscila para cuidar da idosa. E foi por uma dessas “coincidências” davida que a cannabis entrou para a vida da paciente e de toda sua família.

“Um dia antes de eu ir cuidar da minha avó, eu estava em casa assistindo TV e conheci a história do Seu Ivo [caso de repercussão nacional]. A partir daquele momento eu não tive dúvidas de que aquela era a melhor opção para minha avó. Mas como eu ia levar esse assunto para a minha família extremamente tradicional?”, relembra a jovem missionária.

Priscila fez um verdadeiro dossiê sobre a cannabis medicinal para apresentar para sua família. Links, vídeos, estudos, pesquisas. Entretanto, a surpresa foi grande: os familiares não questionaram nada e deram carta branca para que a jovem buscasse os meios para conseguir o óleo. “Nem eu acreditei na aceitação tão rápida. Foi então que entrei de cabeça no universo da cannabis”, conta.

A missionária começou sua peregrinação atrás do componente da maconha. Passou a conhecer associações, outras pessoas envolvidas na luta pela popularização do uso, médicos entusiastas da substância entre outros personagens dessa história. Logo o óleo full spectrum (óleo que contém todos os canabinoides da maconha) estava em mãos e, então, começou a revolução na vida de Dona Dôra.

Da raiva para o amor

Dona Dôra não era fácil. Nuncafoi, segundo a família. Amorosidade, tranquilidade e serenidade eram adjetivosque passavam longe de serem destinados à idosa. Então, após três dias de uso docanabidiol, as melhoras no quadro da doença deram uma nova vida para a pacientee para toda a família.

“Ela se tornou uma pessoa amorosa, calma e carinhosa. Até bem mais do que antes da doença. Ela usa óleo full spectrum desde outubro de 2019. De lá pra cá, minha avó come sozinha, conversa, no mundinho dela, mas conversa. E ninguém acreditou quando ela reconheceu um dos filhos e o chamou pelo nome. Ela não se lembrava de mais ninguém fazia tempo”, afirma.

Membra de uma igreja cristã bastante tradicional, Priscila hoje “prega” para quem puder as boas novas da maconha medicinal. No Instagram criou o perfil Diário de Dona Dôra para mostrar a evolução da avó e também orientar outras pessoas que buscam informações de como obter o óleo completo da cannabis e não sabem por onde começar.

“A comunidade da minha igrejaaceitou muito bem. Somente uma pessoa não concorda. Até outros irmãos e irmãsestão fazendo o uso do óleo para aliviar sintomas de estresse, ansiedade e etc.Eu mesma uso para minha endometriose. Para mim, tudo faz parte da criação divina.As mãos de Deus criaram essa planta. Ele sabia o potencial dela. Não podemosdeixar de ter qualidade de vida por preconceito. A cannabis é divina”,finaliza.