Descriminalização da maconha: Conselho Federal de Medicina reforça posicionamento a favor da criminalização da planta

O Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Psiquiatria alegam, por meio de nota, que falta experiência histórica e evidências científicas que apoiam a descriminalização das drogas, sobretudo a cannabis

Publicada em 17/08/2023

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Por João Negromonte

O debate em torno da descriminalização da maconha no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ganha um novo capítulo com a reafirmação do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) a favor da manutenção da criminalização da maconha com base na Lei de Drogas brasileira. Ambas as entidades, em nota pública divulgada na quarta-feira (16), argumentam que a falta de experiência histórica e evidência científica que respalda a melhoria com a descriminalização de drogas ilícitas, é um alerta crucial para as consequências potenciais dessa decisão.

Veja a nota na íntegra:

A nota, emitida por ocasião de uma sessão especial no Senado Federal sobre o tema, ressalta que qualquer medida que amplie a liberação ou a flexibilização do uso de drogas poderia resultar em efeitos negativos, incluindo o aumento do consumo, danos à saúde individual e coletiva, além do fortalecimento do narcotráfico.

O CFM e a ABP destacam que a questão do consumo da maconha, mesmo com a alegação de uso "medicinal", acarreta riscos significativos. A dependência grave, danos físicos e mentais irreversíveis e o agravamento de transtornos psicóticos são alguns dos alertas apresentados. Além disso, a correlação entre o consumo de drogas e incidentes de trânsito, homicídios e suicídios é apontada, justificando que no Brasil há um aumento associado.

As entidades refutam a ideia de que a descriminalização poderia resultar em benefícios tangíveis, apontando para exemplos internacionais onde uma abordagem mais rigorosa à questão das drogas levou à diminuição dos casos de dependência e violência relacionada ao consumo e tráfico.

Divergência de opiniões

A divulgação do parecer gerou opiniões contrárias à justificativa das entidades, que segundo especialistas, manifesta uma certa intolerância em relação à cannabis especificamente. 

“A nota parece demonstrar uma falsa preocupação com a saúde da população. O que esperamos de fato é a mesma preocupação do CFM e da ABP para substâncias lícitas que são vendidas e consumidas livremente no Brasil, como as bebidas alcoólicas”, ressaltou o advogado especialista em direito canábico, Ladislau Porto.

Já para o médico psiquiatra Dr. Wilson Lessa, que possui amplo conhecimento sobre a terapia canabinoide, as entidades demonstram desconhecimento ao afirmarem que não há experiência histórica e evidência científica suficiente para respaldar uma descriminalização da maconha:

“O exemplo que utilizam das ruas de São Francisco, Califórnia, estarem cheias de moradores de rua,  está  ligada ao abuso de opióides e ao desemprego, não a cannabis”, afirma o médico, que traz relatório para demonstrar o que acontece de fato por lá.

https://hsh.sfgov.org/services/the-homelessness-response-system/outreach/street-homelessness/

Entenda:

https://www.ucsf.edu/news/2022/03/422436/homeless-deaths-doubled-san-francisco-during-pandemics-first-year-mostly-drug

Quanto à questão do aumento da violência, um recente estudo canadense, cruzando dados entre os anos 2015-2021, chegou a conclusão de que a regulamentação da cannabis no Canadá foi bem sucedida na redução da criminalização relacionada à planta entre adultos e não foram encontradas evidências do aumento de crimes violentos relacionados com essa regulamentação.

https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2023.107813

Quem também deu seu parecer sobre o posicionamento das entidades médicas, foi a pesquisadora e psiquiatra Paula Fabricio, colaboradora do laboratório de estudos e pesquisas sobre saúde mental e atenção psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz), ressaltando que:

“O discurso do CFM e da ABP é limitado, ultrapassado e não está baseado na ciência. As entidades vêm mantendo preconceitos estruturais, como o racismo e questões de classe, não abarcando em seu posicionamento danos sociais relacionados à criminalização, como a morte e os sofrimentos psíquicos sofridos ao longo de todos esses anos de política proibicionista vivida por uma parcela da sociedade brasileira”, explica a pesquisadora que conclui que os conselhos perpetuam uma visão negacionista em relação aos avanços científicos terapêuticos da cannabis.

Em conclusão, é preciso lembrar da publicação do editorial da edição número 29 do Jornal Brasileiro de Psiquiatria da ABP em 1980, que ecoa com notável relevância até os dias atuais:

"Não há dúvida de que cinco dias de detenção em qualquer estabelecimento policial são mais nocivos à saúde física e mental que cinco anos contínuos de uso de maconha".