Nova técnica utiliza luz para prever teor de canabinoides semanas antes da colheita

Nova metodologia baseada em imagens hiperspectrais permite que cultivadores antecipem a concentração final de THC e CBD, apenas analisando as folhas, sem danificar a planta

Publicada em 05/12/2025

Nova técnica utiliza luz para prever teor de canabinoides semanas antes da colheita

Estudo demonstra que a medição da reflectância da luz nas folhas grandes permite estimar os níveis químicos futuros. Imagem: Canva Pro

Pesquisadores da Escola de Agricultura, Alimentação e Vinho da Universidade de Adelaide, na Austrália, desenvolveram um método inovador capaz de prever o teor de canabinoides em plantas de Cannabis sativa. A identificação ocorre semanas antes do amadurecimento das flores, garantindo precisão e eficiência ao processo.

O estudo, publicado na revista científica Industrial Crops & Products, demonstra que a medição da reflectância da luz nas folhas grandes permite estimar os níveis químicos futuros. Isso elimina a necessidade de cortar a planta ou realizar processos complexos para verificar o teor de canabinoides, como o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC).

Para Kellis Fernanda Amancio Moreira, engenheira agrônoma da Associação AbraRio, a tecnologia é promissora, especialmente no campo da pesquisa. "O equipamento apresenta boa correlação com outros que realizam esse tipo de análise. Ele se mostrou mais sensível a variações e é uma ferramenta importante para o melhoramento genético, desde que utilizado em ambientes onde seja possível controlar os fatores ambientais, principalmente a iluminação", avalia.

 

Tecnologia avança na análise do teor de canabinoides

 

A nova tecnologia promete impactar tanto o mercado de cânhamo industrial quanto o de cannabis medicinal. Ela oferece uma ferramenta robusta para monitorar a conformidade regulatória e otimizar o momento da colheita.

No entanto, a engenheira faz uma ressalva importante sobre a aplicação dessa tecnologia em diferentes climas. "Em relação ao excesso de THC, o impacto depende do tipo de cultivo. Em países de clima temperado, onde predomina o cultivo protegido e há controle da iluminação nas faixas visível e não visível, trata-se de uma ferramenta-chave para o processo produtivo", explica Kellis.

Já no cenário nacional, a dinâmica muda. "No caso específico do Brasil, onde predomina o cultivo externo, em campo, utilizando iluminação fluorescente de baixo consumo apenas para condicionar o escotoperíodo, o equipamento reduziria parcialmente as perdas do investimento", pondera a agrônoma.

Kellis detalha que, como a fase entre o plantio e a indução floral corresponde a cerca de 50% do investimento total, a tecnologia ajudaria a estancar prejuízos. "As perdas seriam referentes apenas à metade do valor investido, já que não é possível manipular a iluminação que influencia o metabolismo secundário da planta no campo. Portanto, seria possível eliminar apenas as plantas que excedem os níveis de THC, em vez de descartar a lavoura inteira", completa.

 

O futuro das análises laboratoriais


Atualmente, a validação de potência exige o envio de amostras físicas para laboratórios, utilizando métodos como a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC). Embora a nova técnica de luz seja menos invasiva, Kellis Moreira destaca que ela não substituirá os métodos tradicionais, mas servirá como um complemento logístico.

"O controle de qualidade com análises laboratoriais não será eliminado, pois se trata de um método já validado e é realizado principalmente no extrato bruto para a produção de óleo", afirma a especialista.

Para ela, a grande vantagem está na transparência da cadeia produtiva: "O equipamento funciona como ferramenta útil em um cenário em que a cadeia produtiva separa o produtor da planta do fabricante do medicamento. Assim, o produtor saberá o que está entregando em termos de qualidade e composição química, que posteriormente serão confirmadas pelo fabricante por meio do laboratório".

Como funciona a medição do teor de canabinoides


O método baseia-se no uso de um dispositivo portátil de hiperspectroscopia, diferente das câmeras comuns. Esse equipamento capta a maneira como a luz reflete na superfície da folha em centenas de faixas de comprimento de onda, incluindo espectros invisíveis ao olho humano.

Segundo o estudo, as assinaturas espectrais coletadas são processadas por algoritmos de aprendizado de máquina. Esses modelos matemáticos correlacionam a "assinatura de luz" da folha jovem com o futuro teor de canabinoides que a flor apresentará.

Os testes alcançaram uma precisão preditiva considerada alta pelos cientistas. O coeficiente de determinação - métrica que indica a qualidade da previsão — chegou a 0,89 para o CBD e 0,77 para o THC.

 

Aplicação na indústria e controle do teor de canabinoides

 

A capacidade de prever o perfil químico da planta antes do desenvolvimento total das flores oferece vantagens logísticas cruciais. Para produtores de cânhamo industrial, que operam sob limites estritos de THC, a técnica permite identificar precocemente plantas fora do padrão.

"A previsão 'precoce' do teor de THC mitigaria esse risco, permitindo a identificação e remoção de plantas individuais com probabilidade de exceder os limites legislados", aponta o texto do estudo.

Isso evita a destruição total de colheitas, um prejuízo comum quando testes tardios revelam que a plantação ultrapassou o limite psicoativo. No cultivo medicinal, a ferramenta auxilia na seleção de genéticas produtivas ainda na fase vegetativa, otimizando o teor de canabinoides final.

 

Metodologia para validar o teor de canabinoides

 

Para validar o método, a equipe utilizou dois cultivares distintos (Black Label e Mountain Strong CBD 1) submetidos a sete regimes de iluminação. Foram utilizadas luzes LED com espectros variados e lâmpadas de sódio de alta pressão para testar as variáveis.

Os pesquisadores realizaram medições em dois momentos. "Precoce" (duas semanas após o início da floração) e "Tardio" (quatro semanas após). Surpreendentemente, as medições precoces mostraram-se eficazes para prever o resultado final da colheita e o teor de canabinoides.

Além disso, a análise espectral foi capaz de distinguir entre os diferentes cultivares e identificar o tipo de luz utilizada no cultivo. Os autores concluem que essa integração tecnológica, que não exige destruição de amostras, representa um avanço significativo para o setor. 

Sobre a possibilidade de usar a luz para corrigir a rota da produção, a engenheira da AbraRio ressalta que o timing é essencial. "É possível realizar alguns ajustes durante o estágio vegetativo da planta. É importante ressaltar que outros fatores abióticos também exercem grande influência sobre a expressão metabólica", diz ela, acrescentando que futuras pesquisas devem focar nas fases de crescimento que antecedem a floração.

"A possibilidade de uso para sensoriamento remoto é interessante, pois permite avaliar outros aspectos relacionados à adubação, controle de pragas e irrigação, que podem estar influenciando o perfil químico da planta", conclui Kellis.