Após 7 anos de ensaios, Dinamarca legaliza definitivamente a cannabis medicinal

A Dinamarca aprovou oficialmente uma lei que torna permanente o seu programa-piloto de cannabis medicinal, integrando-o ao sistema nacional de saúde. A medida foi celebrada como uma “vitória para os pacientes”

Publicada em 22/05/2025

Após 7 anos de ensaios, Dinamarca legaliza definitivamente a cannabis medicinal

Dinamarca. Imagem Ilustrativa: Canva Pro

Apresentado pela primeira vez em novembro de 2024, o Projeto de Lei da Cannabis Medicinal (L135) passou por um extenso processo de consulta pública. Operadores dinamarqueses se uniram para exigir mudanças em um sistema de reembolso descrito como “absurdo”, além de outros entraves significativos para empresas nacionais.

Apesar da consulta, quase nada mudou. O programa será lançado em sua versão permanente com os mesmos desequilíbrios que vêm sendo criticados há anos. O lançamento oficial está previsto para 1º de janeiro de 2026.

Embora o Ministério do Interior e da Saúde, junto à Agência Dinamarquesa de Medicamentos (Lægemiddelstyrelsen), tenha ampla autoridade para implementar ajustes, empresas do setor ainda esperam por melhorias concretas antes da entrada em vigor do novo modelo.

 

Desequilíbrios estruturais persistem


O programa-piloto dinamarquês está em vigor desde 2018 e atendeu cerca de 1.800 pacientes nos últimos três anos, totalizando aproximadamente 20 mil prescrições reembolsadas.

Em novembro de 2024, a ministra Sophie Løhde surpreendeu ao anunciar que o programa se tornaria permanente. As partes interessadas foram convidadas a propor melhorias com base em suas experiências durante o piloto.

No entanto, segundo Thomas Skovlund Schnegelsberg, CEO da Stenocare — empresa dinamarquesa produtora de óleo de cannabis medicinal —, “basicamente, a redação e o escopo do programa-piloto foram copiados e colados na nova lei. Os políticos não aproveitaram a oportunidade para fazer mudanças substanciais”.

Ele acrescenta que a mentalidade do governo parece ter sido: “Se não está quebrado, por que consertar?” — ainda que, para as empresas, o sistema claramente precise de ajustes.

Em meio à transição, a Stenocare enfrentou dificuldades: cortou sua previsão de vendas duas vezes em três meses e registrou uma queda de 53% nas receitas brutas no terceiro trimestre de 2024. Na época, Schnegelsberg culpou o desequilíbrio de reembolsos, que levou pacientes a migrarem para uma farmácia com taxa de reembolso governamental de 85%.

Essa farmácia, uma das duas autorizadas a produzir preparações magistrais na Dinamarca, é atualmente a única a vender cannabis medicinal — e, segundo fontes do setor, teria lucrado centenas de milhões de coroas dinamarquesas. “No fim das contas, os reembolsos são altos e os preços chegam a ser quatro vezes maiores que os do programa-piloto”, explicou um dos entrevistados.

 

Quadro legal da cannabis medicinal na Dinamarca


Hoje, o país possui quatro modalidades distintas para prescrição de cannabis medicinal:

- Produtos farmacêuticos: aprovados com base em ensaios clínicos robustos, como Sativex e Epidyolex.

- Programa-piloto: produtos aprovados exclusivamente no âmbito do piloto, como os óleos da Stenocare.

- Produtos não autorizados: disponíveis via permissões especiais, como Nabilona e Marinol.

- Preparações magistrais: feitas sob medida por farmácias para atender necessidades específicas dos pacientes.

Segundo dados fornecidos pela DanCann, até 2022, os produtos magistrais à base de THC receberam 85% de cobertura por subsídios regionais, enquanto os produtos do programa-piloto tiveram apenas 37% de reembolso. No total, entre 2018 e 2022, os produtos magistrais receberam mais de 93 milhões de coroas em subsídios públicos — mais de cinco vezes os 17 milhões destinados aos produtos do programa-piloto.

Além disso, essas preparações magistrais, embora muito mais caras (até sete vezes), seguem menos regulamentações. Enquanto as empresas do programa-piloto gastam milhões e levam anos para registrar um produto, uma farmácia pode colocar uma nova fórmula no mercado em apenas uma semana.

 

Impacto no mercado


Schnegelsberg destaca que o impacto é desproporcional:
“Nos últimos três a quatro anos, o mercado total de cannabis medicinal na Dinamarca movimentou cerca de 60 milhões de coroas por ano. Deste valor, uma única farmácia absorve quase metade — o restante é dividido entre todas as outras empresas.”

Ele critica ainda o fato de produtos magistrais competirem diretamente com os do programa-piloto, o que seria ilegal segundo a própria Agência Dinamarquesa de Medicamentos. A legislação afirma que farmácias só podem produzir medicamentos magistrais para atender necessidades terapêuticas específicas que não podem ser supridas por produtos já comercializados.

 

O que esperar do futuro?


Apesar de todos os desafios, há um fio de esperança. A versão final da L135 não altera regras fundamentais do programa, como a que permite apenas um pedido de aprovação por vez — algo que limita fortemente a diversificação da oferta no mercado.

Outros pontos de crítica incluem a falta de orientações para pacientes sobre o uso de cannabis e direção de veículos, a ausência de formação médica específica e lacunas na orientação clínica.

Segundo Rasmussen, “parece que o objetivo nesta primeira fase foi garantir que o modelo atual fosse mantido — principalmente para não interromper o tratamento dos pacientes quando o programa-piloto expirar, no fim de 2025.”

Schnegelsberg conclui que a nova lei dá ao Ministério da Saúde “plenos poderes” para fazer ajustes, estabelecer diretrizes e definir novos requisitos. Departamentos da pasta e da agência reguladora já estariam incumbidos de revisar essas questões até o lançamento oficial do novo sistema.

 

Conteúdo publicado originalmente em NewsWeed