Cannabis medicinal rompe ciclo da dor crônica e muda rotina de pacientes no Brasil
Ledyane, que voltou a correr após três anos de tratamento, reflete um movimento crescente entre médicos e pacientes que buscam alternativas aos fármacos convencionais
Publicada em 18/11/2025

Ledyane Rocha Uriartt, 39 anos, portadora de artrite reumatoide durante "Corrida pela Vida" do Instituto do Câncer Infantil do RS (ICI), onde bateu a meta de três quilômetros. Imagem: Arquivo Pessoal
A cannabis medicinal tem se consolidado como uma alternativa eficaz para o tratamento da dor crônica, especialmente quando a medicina convencional falha ou causa efeitos colaterais severos. Cada vez mais pacientes encontram na terapia canábica uma forma de recuperar a qualidade de vida, reduzir o uso de corticoides e opioides e até retomar atividades físicas.
Ledyane Rocha Uriartt, 39 anos, portadora de artrite reumatoide, após três anos de tratamento com a planta, voltou as atividades físicas. No dia nove de novembro, participou da "Corrida pela Vida" do Instituto do Câncer Infantil do RS (ICI), onde bateu a meta de três quilômetros.
"A Ledy de antes iria se esconder, se poupando, se preservando, sem correr, sem fazer musculação. A dor é tanta que não consigo nem pensar em outra coisa. Hoje estou lutando contra as dores com atividade física. É muita disposição."
Diagnosticada em 2018, por mais de 15 anos, ouviu que suas dores articulares eram apenas "dor de crescimento". Moradora de Porto Alegre (RS), Ledyane iniciou a jornada convencional para tratar a doença autoimune, um caminho que ela descreve como repleto de efeitos colaterais severos.
"Apresentei queda de cabelo, cuidados periódicos com o fígado", além de um impacto direto na estrutura óssea. "Hoje, com 39 anos, tenho início de osteoporose."
Mesmo atingindo a remissão da doença (quando a medicação estabiliza os sintomas), o impacto dos remédios tradicionais era alto. "Faço uso de cloroquina, que tem efeito colateral na parte da visão, podendo gerar um dano reversível", explica.
Foi nesse cenário que, em 2022, ela encontrou na cannabis medicinal uma forma de modular o tratamento e recuperar a qualidade de vida. "Só consigo tirar quantidades importantes tanto da cloroquina quanto do corticoide devido à cannabis", afirma.
A transformação, segundo ela, foi total. Ledyane, que hoje atua como coterapeuta canábica, relembra a adaptação. "Nos primeiros dias o CBD me deixava acelerada, acordava três horas da manhã pronta para o dia". Hoje, ela entende a terapia e seu próprio corpo.
"Entendo quando é necessário uma gota a mais, a menos. Ela me dá disposição para começar o dia. Quando estou em crises, o anti-inflamatório é a cannabis e não outro remédio com efeito colateral".
O principal motivo para o uso da cannabis medicinal
A história de Ledyane não é um caso isolado. Ela é o rosto de uma estatística que define o mercado da cannabis medicinal no Brasil. Segundo o "Relatório de Insights e Oportunidades da 4ª Edição da Medical Cannabis Fair", produzido pelo portal Sechat, a dor é a principal motivação para o uso da terapia.
O relatório ouviu 4.671 pessoas, incluindo mais de 1.200 médicos e mostra que, entre os 72,59% dos médicos que já prescrevem cannabis, os três principais tratamentos são para dor (22,52%), indução do sono (18,81%) e distúrbios de humor (17,20%).
Mas por que a cannabis medicinal tem ganhado tanto espaço justamente onde a medicina convencional já oferece um arsenal de analgésicos, anti-inflamatórios e opioides? Para o Dr. Laerte Rodrigues Junior, a resposta está na saturação do sistema tradicional.
O organismo apresenta receptores, tanto para analgésicos, quanto para anti-inflamatórios e também para opioides", explica o médico. "Se você persiste no tratamento cronicamente, você acaba saturando os receptores e diminui a eficácia de cada um deles."
O Dr. Laerte aponta que, em casos de dor crônica de longa data, 10 ou 15 anos, os pacientes chegam com respostas frustradas à "multifarmácia". "Como o paciente é virgem de tratamento de cannabis, nós estamos numa vantagem cronológica em relação ao tratamento", diz ele. "Tem sim uma excelente e uma enorme vantagem de tratamento com cannabis em relação à dor crônica."
A vantagem da cannabis, segundo o Dr. Laerte, está na sua complexidade. Não se trata de uma única molécula, mas de um extrato rico que interage de múltiplas formas no organismo.
"Nós temos uma farmácia dentro de cada frasco, com isso o amplo efeito analgésico e anti-inflamatório é superior ao tratamento convencional, a médio e longo prazo."
Essa complexidade permite um tratamento multifacetado. "Diretamente para a dor, o THC prevalece, dentre outros canabinoides como o CBG, que é um excelente anti-inflamatório", afirma o médico. "Já para anti-inflamatório e analgesia, de uma maneira menos intensa, nós temos o CBD".
O relato de Ledyane confirma a prática. "Hoje uso o óleo de associação — óleo rico em THC. Também faço o uso de um óleo importado CBG + CBD".
O relatório do Sechat corrobora essa abordagem, indicando que a forma de administração preferida pelos médicos prescritores é a Tintura ou óleo (36,7%), seguida por Goma (15,22%) e Creme para dor muscular (11,74%).
O Papel para dissociar dor e sofrimento
O impacto do tratamento com cannabis medicinal vai além do alívio físico. O Dr. Laerte destaca uma das propriedades mais potentes do tratamento, especialmente do THC, a capacidade de "dissociar dor e sofrimento".
Se o paciente iniciar um tratamento só com THC, vai ter uma diminuição na dor, talvez não completa, mas a associação entre 'dor e sofrimento', isso sim consegue-se quebrar." Enquanto o THC atua nessa percepção, o CBD complementa o bem-estar.
"O CBD é um excelente ansiolítico. Ou seja, o incômodo, o estresse, o desequilíbrio do sono, a ansiedade, tudo pode ser controlado com o CBD", conclui o médico.
Para Ledyane, que encontrou a cannabis após o falecimento do sogro, que a incentivava a usar a planta, o caminho foi de "acreditar no tratamento e na melhora da dor.



