CBD potencializa os efeitos do THC ao invés de mitigá-los, aponta novo estudo sobre cannabis
O THC, principal composto psicoativo da planta, é amplamente reconhecido por suas propriedades analgésicas, mas não é só isso. Entenda
Publicada em 06/09/2024
Imagem ilustrativa | Freepik
Um estudo publicado na Clinical Pharmacology & Therapeutics trouxe uma nova perspectiva sobre a interação entre canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC). A pesquisa revela que, ao contrário do que se acreditava, o CBD não reduz os efeitos adversos do THC, mas pode intensificá-los, especialmente em doses elevadas. O estudo, liderado por Geert Jan Groeneveld, professor de neurofarmacologia clínica no Leiden University Medical Center e CEO do Centre for Human Drug Research, aponta que doses altas de CBD (450 mg) aumentam significativamente os efeitos do THC, provavelmente devido a uma interação farmacocinética que eleva os níveis de THC na corrente sanguínea.
A importância terapêutica da cannabis
A cannabis tem ganhado destaque tanto como uma droga recreativa quanto por seus potenciais usos terapêuticos, sobretudo no tratamento da dor. O THC, principal composto psicoativo da planta, é amplamente reconhecido por suas propriedades analgésicas, mas também por causar efeitos adversos como comprometimento cognitivo, ansiedade e alterações psicomotoras. Por outro lado, o CBD não é intoxicante e tem sido amplamente divulgado como capaz de atenuar esses efeitos negativos do THC. Essa crença impulsionou o uso de produtos ricos em CBD tanto no campo recreativo quanto no medicinal.
Contudo, a ciência que respalda a ideia de que o CBD pode neutralizar os efeitos adversos do THC permanece inconsistente. Enquanto alguns estudos indicam que o CBD pode reduzir a ansiedade e psicose induzidas pelo THC, outros não encontraram evidências claras desses efeitos protetores.
Desmistificando a interação entre CBD e THC
Em entrevista ao portal PsyPost, Groeneveld comentou que "pessoas envolvidas no campo da cannabis sempre disseram que o CBD suaviza os efeitos do THC, reduz a ansiedade e cria um ‘efeito entourage’ junto a outros canabinoides, mas as evidências científicas eram frágeis. Como farmacologistas, sabemos como demonstrar cientificamente a interação entre medicamentos, por isso conduzimos um experimento rigoroso" .
Para esclarecer melhor essa questão, Groeneveld e sua equipe desenharam um estudo para testar a hipótese de que o CBD poderia mitigar os efeitos adversos do THC sem interferir em suas propriedades analgésicas. O objetivo era fornecer orientações mais precisas sobre o uso seguro e eficaz de produtos à base de cannabis.
Metodologia do estudo
A pesquisa foi realizada com 37 voluntários saudáveis, entre 18 e 45 anos, que tinham experiência prévia com cannabis, mas não eram usuários frequentes. Eles precisavam atender a rigorosos critérios de saúde, incluindo estar livres de transtornos psicóticos e condições que pudessem influenciar a sensibilidade à dor. Os voluntários também foram orientados a abster-se de cannabis e outras substâncias por algumas semanas antes do experimento, a fim de evitar qualquer interferência nos resultados.
O estudo, conduzido no Centre for Human Drug Research na Holanda, utilizou um desenho experimental duplo-cego, controlado por placebo, e cruzado em cinco vias. Isso significa que cada participante recebeu cinco diferentes tratamentos em ordem aleatória, com intervalos suficientes entre as sessões para eliminar possíveis efeitos residuais dos tratamentos anteriores. Os tratamentos incluíram THC sozinho, THC combinado com três doses diferentes de CBD (10 mg, 30 mg e 450 mg), além de um placebo.
Os resultados surpreendentes
Os voluntários receberam as doses de CBD 30 minutos antes do THC, para garantir que ambas as substâncias atingissem o pico na corrente sanguínea ao mesmo tempo. Ao longo de seis horas, foram medidas as reações subjetivas, como humor, ansiedade e sensação de “estar alto”, além de testes objetivos que avaliaram o desempenho cognitivo e psicomotor, como tempos de reação e estabilidade postural. Também foram conduzidos testes de dor, que avaliaram os efeitos analgésicos das substâncias com estímulos térmicos, pressão e frio.
Contrariando a crença popular, os pesquisadores descobriram que a dose mais alta de CBD (450 mg) aumentou significativamente os efeitos do THC. Os participantes relataram uma sensação de maior intoxicação e mostraram um pior desempenho em testes cognitivos e psicomotores. Segundo Groeneveld, isso provavelmente ocorreu devido à interferência do CBD no metabolismo do THC, levando a concentrações mais elevadas de THC no sangue.
As doses mais baixas de CBD (10 mg e 30 mg) não alteraram os efeitos do THC, nem mitigaram a ansiedade, comprometimento cognitivo ou outros efeitos adversos. Isso sugere que o CBD não neutraliza os efeitos do THC quando administrado oralmente.
Apesar de amplificar os efeitos psicoativos do THC, o CBD em altas doses não influenciou as propriedades analgésicas do THC. Essa descoberta indica que o CBD pode alterar a experiência subjetiva do THC, mas sem melhorar seu potencial para alívio da dor.
Limitações e continuidade da pesquisa
Embora o estudo tenha sido rigorosamente controlado, ele não está isento de limitações. Uma delas é a via de administração: os resultados se aplicam apenas à ingestão oral de THC e CBD. Como outros métodos de consumo, como a inalação, afetam o metabolismo de maneira diferente, os resultados podem não ser aplicáveis a outras formas de uso de cannabis. Além disso, o estudo não incluiu uma condição apenas de CBD, o que teria permitido uma análise mais detalhada dos efeitos do canabidiol por si só.
Ainda assim, Groeneveld afirma que novos estudos estão sendo conduzidos, focando apenas no uso de CBD em altas doses. “Continuamos a realizar um estudo somente com CBD, também com níveis de dosagem muito altos, para tentar demonstrar seus efeitos no sistema nervoso central e na função cerebral. Embora ainda não tenhamos publicado, já podemos afirmar que não há evidência de que o CBD seja ativo no sistema nervoso central” .
Conclusão
O estudo publicado por Groeneveld e sua equipe oferece insights valiosos sobre a interação entre CBD e THC, questionando uma das crenças mais disseminadas sobre o uso desses compostos. O artigo “Canabidiol aumenta os efeitos psicotrópicos e as concentrações plasmáticas de Δ9-tetrahidrocanabinol sem melhorar suas propriedades analgésicas”, conclui que o CBD não mitiga os efeitos adversos do THC e, em doses elevadas, pode até aumentá-los .