USP estuda o CBD no tratamento do Burnout em cuidadores
O psiquiatra e pesquisador José Diogo Ribeiro de Souza comenta o inédito estudo da USP sobre o uso do canabidiol no tratamento do Burnout em cuidadores de idosos, destacando avanços científicos, impactos emocionais e a importância de cuidar de quem cuida
Publicada em 17/06/2025

Estudo avalia canabidiol para aliviar a sobrecarga de quem cuida | CanvaPro
Eles acordam cedo, fazem o café, dão banho, preparam as medicações, medem a pressão, escutam histórias repetidas, acalmam dores e acalentam silêncios. Cuidam como se fosse o coração que estivessem segurando entre as mãos. Mas quem cuida de quem cuida?
No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, uma pesquisa inédita começa a buscar respostas. Pela primeira vez, o canabidiol será estudado como possível tratamento para o Burnout em cuidadores de idosos. Um passo delicado e necessário em direção a uma ciência mais empática e a um país que precisa, com urgência, olhar para quem sustenta o cuidado invisível.
Burnout: Um estudo que escuta quem quase nunca é ouvido
A pesquisa, aprovada pelo Comitê de Ética da USP e realizada em parceria com a Ease Labs, integra o Programa PACCE (Programa de Aceleração de Conhecimento Canabinoide). A proposta é avaliar, por quatro semanas, os efeitos de 300 mg diários de canabidiol (CBD) em cuidadores, tanto profissionais quanto familiares, de pessoas idosas com alto grau de dependência.
Além dos indicadores de exaustão emocional e despersonalização, os pesquisadores também querem entender se o CBD pode aumentar a empatia desses cuidadores. O estudo será duplo-cego, com placebo e acompanhamento rigoroso. No centro da investigação está uma pergunta simples, mas poderosa: seria possível ajudar quem carrega, todos os dias, o peso e a ternura do envelhecimento alheio?
Dados do Burnout no Brasil
Afinal, onde habita esse problema muitas vezes silencioso? No Brasil, cerca de 30% das pessoas ocupadas — ou seja, que estão ativas profissionalmente — sofrem de burnout, segundo dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt) . Isso representa quase 1 a cada 3 trabalhadores.
Outras estimativas, incluindo relatos de especialistas, sugerem índices ainda maiores: estimativas apontam que até 40% das pessoas economicamente ativas no país convivem com sinais da síndrome, embora muitas não sejam formalmente diagnosticadas, de acordo com publicação do portal RH Pra Você.
Em 2023, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) registrou 421 afastamentos por burnout, um aumento de 136% em relação a 2019 — embora esse número represente apenas os casos que resultaram em licença médica acima de 15 dias . E entrevista ao Deusa Cast, a jornalista Izabella Camargo compartilhou sua experiência com o Burnout, em uma episódio dedicado à saúde mental. Assista agora!
O que diz o especialista?

Convidamos o médico psiquiatra José Diogo Ribeiro de Souza, doutor pela USP de Ribeirão Preto e referência nacional no estudo dos canabinoides, para comentar a relevância do estudo. Com mais de uma década de atuação em pesquisas clínicas, ele compartilha sua experiência com a serenidade de quem sabe que ciência também é escuta. “Cuidadores, remunerados ou não, são frequentemente invisíveis nas discussões sobre saúde mental. Estima-se que entre 40% e 70% deles apresentem sintomas significativos de ansiedade ou depressão. E muitos enfrentam tudo isso sem apoio estruturado”, pontua José Diogo.
Segundo ele, o burnout, fenômeno associado ao esgotamento físico e emocional, pode ser apenas a ponta do iceberg. “Durante meu doutorado, acompanhei profissionais da linha de frente na pandemia. A exaustão era visível, a angústia constante. É uma realidade que se repete entre cuidadores de idosos. E o impacto vai além da saúde de quem cuida: afeta diretamente a qualidade do cuidado oferecido”, explica o psiquiatra.
Canabidiol para tratamento do burnout: promessa ou poesia?
A pergunta que paira no ar é: por que o CBD? E o que o diferencia de outros tratamentos? José Diogo responde com precisão: “o canabidiol tem sido estudado por possíveis efeitos ansiolíticos e apresenta um perfil de segurança considerado favorável. Ele não substitui os tratamentos convencionais, mas pode ser uma alternativa complementar para casos específicos, especialmente quando há sintomas persistentes ou efeitos adversos com medicamentos tradicionais”.
Ele também lembra que o burnout, apesar de legitimamente reconhecido, não é um transtorno psiquiátrico, mas sim um fenômeno ocupacional. “Os sintomas muitas vezes se confundem com quadros de ansiedade ou depressão. Por isso, toda abordagem deve ser cuidadosa, com avaliação clínica criteriosa. O CBD pode ser um caminho a ser explorado, mas sempre com base em evidências”.
A ponte entre estudos: da pandemia ao cuidado com idosos
A expertise de José Diogo com profissionais da saúde durante a pandemia oferece uma base sólida para essa nova etapa de investigação. “Fomos pioneiros ao avaliar os efeitos do CBD em profissionais da linha de frente. Com 120 participantes, observamos redução significativa nos sintomas de ansiedade e depressão após quatro semanas de uso. Os métodos foram rigorosos, os dados, promissores”, diz.
Essa experiência, segundo o pesquisador, pode contribuir diretamente com o novo protocolo da USP. “São grupos diferentes, mas com semelhanças importantes: carga emocional intensa, rotina extenuante e pouca rede de apoio. O que aprendemos ali pode orientar novas estratégias para quem cuida de idosos: uma população que precisa urgentemente de atenção”.
Ética, ciência e responsabilidade: os três pilares da mudança
Diante dos preconceitos que ainda envolvem o uso da cannabis medicinal, José Diogo é enfático ao falar sobre o compromisso ético. “O uso terapêutico da cannabis, especialmente do CBD, ainda carrega muito estigma. Por isso, o rigor metodológico é essencial. Nosso estudo seguiu todos os protocolos: aprovação ética, instrumentos validados, transparência nos dados e separação entre ciência e interesses comerciais”.
Ele também destaca que o CBD utilizado em pesquisas clínicas é isolado, sem os efeitos psicoativos do THC. “Trata-se de um composto que precisa ser tratado com a mesma responsabilidade de qualquer outro medicamento. A ciência é o que deve guiar o debate, não o preconceito”, indaga.
Um passo delicado em direção ao cuidado coletivo
Enquanto cuidadores seguem enfrentando o cansaço, a solidão e a falta de suporte, a ciência abre uma nova janela. O estudo da USP pode não ser uma resposta definitiva, mas é um gesto de escuta. E escutar, afinal, já é um ato de cuidado. “Investir em ciência é investir em qualidade de vida”, diz Flávia Guimarães, da Ease Labs.
E talvez, ao cuidarmos melhor de quem cuida, estejamos também escrevendo um novo capítulo da saúde mental no Brasil. Um capítulo onde a empatia não é apenas um ideal, mas uma prática cotidiana, sustentada por afeto, pesquisa e responsabilidade.
Confira parte do episódio #02 do Deusa Cast que trouxe o tema Cannabis medicinal e SAÚDE MENTAL com Izabella Camargo e Dra. Juliana Sudário.