Cultivo de cânhamo no Brasil: entenda a decisão histórica do STJ e seus impactos
O que muda e quais os próximos passos para regulamentação e implementação
Publicada em 20/11/2024
Imagem: Canva
O cânhamo industrial é uma variedade da cannabis sativa com concentrações de THC inferiores a 0,3%, incapaz de produzir efeitos psicoativos. Ele é utilizado na produção de medicamentos, fibras, alimentos e outros produtos industriais. Com potencial para movimentar bilhões de reais no setor farmacêutico e agroindustrial, a subespécie da cannabis é uma alternativa promissora tanto para saúde quanto para a economia brasileira.
A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) marca um divisor de águas ao permitir o cultivo dessa planta no Brasil, seguindo regras a serem estabelecidas pelo governo federal.
O que foi decidido pelo STJ?
O caso teve início com uma ação movida pela empresa DNA Soluções e Biotecnologia que buscava autorização para importar e cultivar cânhamo. A argumentação central baseou-se na baixa concentração da substância psicotrópica, inviabilizando o uso recreativo e destacando aplicações farmacêuticas e medicinais.
Após decisões desfavoráveis nas instâncias inferiores, o recurso chegou ao STJ, onde, por unanimidade, os ministros entenderam que a ausência de regulamentação impacta negativamente pacientes e o mercado nacional. A decisão obriga a União a criar uma ação coordenada para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e os Ministérios da Justiça, Agricultura e Saúde a regulamentarem a atividade dentro de 180 dias.
Segundo o advogado Artur Arsufi, responsável por entrar com a ação à favor da empresa, a decisão tem aplicação imediata após a publicação do acórdão, embora a regulamentação completa dependa do cumprimento do prazo dado às autoridades competentes.
“Essa é uma decisão paradigmática que libera o plantio de cânhamo industrial no Brasil, com até 0,3% de THC. Ela estabelece que a regulamentação caberá à União e suas agências. Assim que o acórdão for publicado, os 180 dias começam a contar, e esperamos que a regulação seja inclusiva e favoreça o setor como um todo”, destaca Arsufi.
O jurista explica que a decisão abre caminho para empresas e pessoas jurídicas interessadas no cultivo e exploração do cânhamo, desde que cumpram os requisitos que serão definidos pelo governo federal. "Importante destacar que o plantio autorizado é exclusivamente para fins medicinais e farmacêuticos, não abrangendo o uso recreativo da cannabis", ressalta.
Quais os desafios para regulamentação?
O STJ fixou um prazo de 6 meses para que o Governo Federal e os órgãos competentes desenvolvam uma ação coordenada para regulamentar o cultivo. Contudo, especialistas apontam algumas questões a serem enfrentadas:
- Complexidade do processo legislativo: É possível que a União ou outros órgãos solicitem prorrogações do prazo, atrasando a implementação.
- Criação de mecanismos de controle: Para evitar desvios e usos indevidos, o governo deverá estabelecer medidas de rastreabilidade e fiscalização rigorosas.
- Participação ativa de setores envolvidos: O advogado Artur Arsufi, responsável pela causa, destaca a necessidade de um diálogo amplo com todas as partes interessadas: “O prazo de seis meses exige eficiência do governo. Precisamos de uma regulamentação que contemple todos os interesses legítimos e garanta a segurança jurídica necessária.”
Impactos:
1. Redução de custos de medicamentos
A produção local de cânhamo deve reduzir a dependência da importação, tornando medicamentos à base de canabidiol (CBD) mais acessíveis aos pacientes.
2. Fomento à pesquisa e inovação
A decisão permite o desenvolvimento de genéticas específicas para o clima e solo brasileiros, como destacou o agrônomo Lorenzo Rolim, presidente da Associação Latino-Americana de Cânhamo Industrial (LAIHA).
Segundo ele: “Com acesso a germoplasma de qualidade, será possível desenvolver programas de melhoramento genético que atendam às necessidades locais, reduzindo custos e abrindo portas para exportação.”
3. Expansão do setor agroindustrial
O cânhamo pode ser integrado a sistemas de rotação de culturas, beneficiando outras commodities agrícolas brasileiras. Rolim prevê impactos positivos no campo, com a geração de empregos e aumento da competitividade do Brasil no mercado internacional.
Como funcionará o cultivo no Brasil?
As regras ainda serão definidas, mas o STJ já sinalizou alguns critérios fundamentais como a limitação da quantidade de produção nacional, restrições ao plantio em áreas específicas ou ambientes controlados e exigências de registro das empresas no Ministério da Agricultura e Anvisa, garantindo regularidade fiscal e trabalhista.
Além disso, Rolim reforça que não há impacto negativo sobre outras culturas agrícolas como havia sido colocado em debate no tribunal. Ele enfatiza que o cânhamo pode, inclusive, trazer benefícios ao solo e à biodiversidade.
O cânhamo como uma oportunidade histórica
A decisão do STJ representa um marco para regulação do cânhamo no Brasil, com potencial para revolucionar o setor medicinal e agroindustrial. Contudo, sua implementação depende de uma regulamentação eficiente e do compromisso de todos os envolvidos no processo.
"O Brasil tem agora a oportunidade de se posicionar como líder na produção de cânhamo na América Latina, beneficiando pacientes, agricultores e a economia como um todo", conclui Rolim.