“Editado a toque de caixa”: especialista vê risco de concentração no mercado de cannabis da Colômbia
O advogado Carlos Araújo aponta que o novo decreto sobre flor seca de cannabis deixa lacunas regulatórias que podem favorecer grandes empresas e excluir pequenos cultivadores
Publicada em 31/10/2025

Para Carlos Araújo, embora abra possibilidades, a norma peca pela indefinição, o que pode concentrar o mercado nas mãos de grandes indústrias. Imagem: Canva Pro
A Colômbia publicou o Decreto 1.138, que autoriza oficialmente o uso e a comercialização da flor seca de cannabis como produto medicinal, algo que antes não era permitido. A nova legislação também estabelece regras para agilizar licenciamentos.

Para o advogado Carlos Araújo, mestre em Políticas Públicas e Consultor Estratégico para a cadeia da Cannabis, a medida foi "editada a toque de caixa". Ele aponta que, embora abra possibilidades, a norma peca pela indefinição, o que pode concentrar o mercado nas mãos de grandes indústrias.
O decreto redefine o conceito de "produto acabado". Isso permite que a cannabis florida seja vendida diretamente ao consumidor, com certificação sanitária, sem a necessidade de transformação industrial.
Em entrevista exclusiva ao Sechat, o diretor-geral do Fundo Nacional de Estupefacientes (FNE) da Colômbia, Milver Rojas, confirmou que a norma representa um marco.
"O espírito da norma é realmente o fomento à produção, ao processamento, à exportação e até ao uso na Colômbia da flor como medicina", afirmou Rojas.
Rojas explicou o prazo de cinco meses para que os ministérios da Justiça, Saúde e Agricultura detalhem os requisitos técnicos. Haverá também um período de transição de até dois anos para a plena implementação.
“Em princípio, há cinco meses previstos no decreto para definir os termos, ou seja, para detalhar os requisitos", disse. "E há um tempo prudente de no máximo dois anos para que os novos atendam essa regulamentação e possam então entrar no mercado.”
Contudo, o advogado Carlos Araújo faz uma análise mais cautelosa. "Aqui criticamos a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil], mas é melhor tomar todos os cuidados que soltar um material com pontos a definir", compara.
Segundo Araújo, o texto "diz muito pouco como a regulamentação será feita" e, provavelmente, "não deve incluir pequenos e médios produtos e levar produtos de baixo preço para o cidadão". "A possibilidade está aberta, mas ainda não está definido como ela irá acontecer", pontua Araújo.
Novo decreto pode concentrar o mercado da cannabis na Colômbia?
Para Carlos Araújo, a falta de clareza e os padrões exigidos no novo decreto devem impactar diretamente quem pode participar do mercado.
"Para produzir os medicamentos de cannabis, será necessário um padrão que hoje praticamente nenhuma empresa colombiana produz. São poucas as que estão exportando flor para a Europa", explica o consultor.
Na visão dele, "pequenos e médios cultivadores, que ainda estão fora, pois não têm a qualificação necessária para fabricar medicamentos, não devem germinar nesse mercado".
A consequência, prevê Araújo, é que o "mercado ficará concentrado nas grandes indústrias", apesar de o texto prever procedimentos simplificados para pequenos produtores.
Autocultivo na Colômbia é alternativa
O especialista lembra que o acesso na Colômbia possui uma particularidade: o autocultivo. "O autocultivo é autorizado desde 1986, pela Lei de Saúde. Cada colombiano pode cultivar até 20 plantas em sua casa", diz.
Para Araújo, isso impacta diretamente a adesão aos produtos farmacêuticos. "Se o cidadão precisa do medicamento, ele dificilmente irá procurar um produto caro na farmácia, ainda mais porque na Colômbia, compartilhar a cannabis não é crime."



