Gana e a Nova Fronteira Verde: o que o Brasil pode aprender com a regulamentação da cannabis na África
Especialista detalha os desafios e o potencial econômico da nova legislação do cânhamo industrial no país africano e o que o Brasil pode observar
Publicada em 14/11/2025

Após um longo percurso legislativo, Gana está implementando seu quadro regulatório para o cultivo da Cannabis sativa. Imagem: Canva Pro
Gana, um país da África Ocidental conhecido por suas ricas exportações de cacau e ouro, está abrindo caminho para uma nova e promissora indústria: a cannabis. Após um longo percurso legislativo, o país está implementando seu quadro regulatório para o cultivo da Cannabis sativa com baixo teor de tetrahidrocanabinol (THC) - até 0,3% -, com fins industrial e medicinais, podendo conter um nível mais alto de THC.
o Dr. Mark G. Darko, Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Internacional Africana (AICCI) e CEO da Câmara da Indústria da Cannabis do Gana (Cannacham), oferece uma visão detalhada sobre como Gana está navegando nesta complexa transição. Além disso, aponta o que o Brasil, que atualmente debate sua própria regulamentação, pode observar.
Os desafios da regulamentação do cânhamo industrial
A legalização do cultivo de cânhamo em Gana não foi uma tarefa simples. A jornada exigiu uma alteração na lei de narcóticos do país, um processo que, segundo o Dr. Darko, gerou seus próprios obstáculos.
Um dos principais desafios foi a "reforma legal e clareza de mandatos". O Parlamento aprovou a atividade, mas "deixou muitos dos detalhes de implementação para o executivo", segundo ele. Isso criou um hiato entre a permissão legal e a aplicação prática.
Além disso, foi crucial "equilibrar a segurança pública com a oportunidade econômica". O governo estabeleceu o limite rigoroso de 0,3% de THC para "separar claramente o cânhamo industrial da cannabis psicoativa", explica o Dr. Darko. Esse limite, embora alinhado com padrões internacionais, exige um controle rigoroso de sementes e testes.
Para o Dr. Darko, ainda existe a necessidade de construir "capacidade institucional e confiança". O governo levou tempo para estruturar órgãos de licenciamento e inspeção críveis. E ainda hoje luta para "combater intermediários fraudulentos", alertando que nenhuma licença deve ser comprada através de agentes não oficiais.
O Potencial econômico do cânhamo industrial
Embora a indústria regulamentada de Gana ainda seja "nascente", o Dr. Darko afirma que "grande parte do impacto econômico hoje é potencial, em vez de receita realizada em grande escala".
O interesse está dividido em duas frentes principais. A primeira é a medicinal, focada em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de produtos de canabidiol (CBD), com forte interesse de empresas farmacêuticas e de biotecnologia.
A segunda é a industrial, onde o potencial de transformação é vasto. "O cânhamo industrial está sendo discutido e pilotado para: têxteis e fibras, materiais de construção como concreto de cânhamo, bioplásticos e compósitos", explica o Dr. Darko.
No entanto, a Cannacham é clara ao posicionar a nova cultura dentro da economia tradicional do país. A visão é que o cânhamo deve ser "complementar, não um substituto" do cacau ou da mineração.
"O cacau e a mineração continuam sendo os principais geradores de receita para Gana", admite Darko. O papel do cânhamo será na "diversificação de culturas" para agricultores e, crucialmente, na "industrialização de valor agregado".
A meta é evitar a exportação de matéria-prima barata. Para isso, o país incentiva o processamento local para "manter mais valor no país".
A Lição para o Brasil
Para o público brasileiro, focado no debate sobre o uso medicinal, que teve mais uma vez sua regulamentação do cultivo adiada, agora para março de 2026, Dr. Darko esclarece um ponto crucial da regulamentação de Gana: a separação total das licenças.
"Em Gana, a abordagem legislativa separa o cânhamo industrial de até 0,3% de THC da cannabis medicinal controlada, que pode conter THC mais alto"", explica ele.
Na prática, existem "trilhas de licenciamento diferentes". Uma empresa que deseja cultivar cânhamo para fazer concreto segue um caminho já o cultivo com fins medicinais, segue outro caminho.
Quem deseja pesquisar variedades com mais de 0,3% de THC para fins medicinais passa por uma ""segurança mais rigorosa, aprovações e monitoramento próximo das agências de narcóticos" e das autoridades de saúde".
Protegendo a Indústria Local
À medida que Gana estrutura seu processo de licenciamento, há uma preocupação central em garantir que os ganenses se beneficiem. O Dr. Darko confirma que, embora os detalhes finais ainda estejam sendo implementados, a indústria e a Cannacham têm defendido fortemente "salvaguardas para participação local".
Isso inclui discussões sobre "conteúdo local obrigatório, acesso preferencial para agricultores/PMEs ganenses, treinamento e transferência de tecnologia mandatórios". Segundo o Dr. Darko, o objetivo é fortalecer a economia interna e garantir que o investimento estrangeiro traga benefícios duradouros.
7 dicas de Gana para a regulamentação nacional
Questionado sobre o que o Brasil poderia aprender com a jornada de Gana, o Dr. Mark G. Darko oferece conselhos práticos para os legisladores brasileiros:
- Legislar e Implementar Rapidamente: "Aprovar uma lei habilitadora é apenas o primeiro passo", diz ele. Os regulamentos de implementação (taxas, formulários, papéis das agências) devem vir rapidamente para que a lei funcione na prática;
- Definir Limites de THC com a Realidade Agrícola: Um teto de 0,3% de THC exige bons programas de sementes e laboratórios de teste acessíveis para os agricultores;
- Construir Capacidade Institucional Primeiro: Os reguladores devem estar prontos para inspecionar e fiscalizar antes de emitir licenças em massa, para "evitar esquemas fraudulentos";
- Proteger a Cadeia de Valor Local: Criar regras desde o início para "incentivar o processamento local", protegendo o país de "se tornar um exportador de matéria-prima com pouco valor retido";
- Comunicar e Proteger contra Golpes: "Comunicações públicas claras sobre o processo oficial de inscrição" são essenciais;
- Integrar a Saúde: Se produtos medicinais forem permitidos, "os padrões clínicos e de segurança devem ser aplicados pelas autoridades de saúde, não apenas pelas agências de narcóticos";
- Engajar as Partes Interessadas (Stakeholders): Agricultores, cientistas e processadores devem participar da elaboração das regras para garantir que sejam "viáveis no terreno".



