"Infelizmente, começa nos cursos de pós-graduação", diz médico sobre realidade da educação em cannabis no Brasil
João Carlos Normanha critica ausência do tema nas graduações e defende formação ampla de profissionais desde o início da carreira
Publicada em 30/06/2025

João Carlos Normanha durante o Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal 2025. Imagem: Arquivo Sechat
Presente como palestrante na 4ª edição do Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal, realizada em maio de 2025, o médico João Carlos Normanha fez um alerta direto: a educação em cannabis ainda é negligenciada nas universidades brasileiras.
Atuando com prescrição desde 2017, João entende na prática os desafios enfrentados pelos profissionais que desejam entrar no mercado. Coordenador de pós-graduação na Faculdade Unyleya — pioneira em cursos de especialização em cannabis no Brasil — ele destaca a ausência de conteúdos sobre a planta nas graduações, especialmente na área da saúde.
“A educação em cannabis, infelizmente, começa apenas na pós-graduação. Quando, na verdade, deveria estar presente desde a graduação dos profissionais”, afirmou o médico durante sua palestra.
Lacunas sendo preenchidas
Embora ainda sejam iniciativas pontuais e em caráter optativo, algumas universidades federais brasileiras vêm se destacando ao tentando suprir uma lacuna histórica na formação em saúde. A Universidade Federal da Paraíba (UFPB), por exemplo, oferece desde 2019 uma disciplina voltada aos estudantes de Biomedicina, também acessível aos cursos de Medicina e Farmácia.
A Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) disponibiliza uma disciplina optativa no curso de Medicina, enquanto a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) insere o tema tanto na graduação em Medicina Veterinária quanto no Programa de Pós-Graduação em Neurociências.
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), por sua vez, inclui conteúdos sobre o uso terapêutico da cannabis — especialmente em casos de epilepsia e dores crônicas — nas formações voltadas à área da saúde.
Além de iniciativas nas instituições públicas, universidades privadas também começam a avançar no ensino sobre o sistema endocanabinoide e suas aplicações clínicas, oferecendo cursos de extensão, pós-graduação e formação complementar.
Falta de profissionais qualificados afeta toda a cadeia produtiva
Além da escassez de conteúdos acadêmicos, Normanha também chama atenção para a dificuldade de encontrar profissionais qualificados em diferentes áreas.
Segundo ele, a lacuna não está restrita à medicina. Engenharia agronômica, direito, farmácia e outras áreas ligadas à cadeia produtiva da cannabis também sofrem com a falta de formação adequada.
“Esse ainda é o nosso maior obstáculo: o desconhecimento alimenta o estigma e impede que se aprenda sobre o tema de forma organizada.”
Reconhecido como o principal evento científico e profissional da América Latina sobre cannabis medicinal, o Congresso Brasileiro da Cannabis Medicinal abre suas portas para profissionais de diferentes setores se atualizarem e se capacitarem no tema. A edição de 2025 reforçou o papel do congresso como ponto de encontro entre ciência, mercado e educação.
Acompanhe a fala de João Carlos:
Enfermagem canábica em pauta
Entre os avanços recentes na formação, a Faculdade Unyleya lançou uma pós-graduação lato sensu voltada exclusivamente à Enfermagem Canábica. Com 480 horas de carga horária, o curso é ofertado na modalidade 100% EAD.
A formação tem como foco capacitar enfermeiros para atuar de forma ética, segura e baseada na ciência. Entre os objetivos estão a elaboração de projetos terapêuticos singulares, o monitoramento do cuidado e a orientação de familiares e cuidadores.
Enquanto a atuação de enfermeiros na área ainda aguarda regulamentação específica pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), o reconhecimento internacional cresce. Nos Estados Unidos, por exemplo, a American Nurses Association (ANA) já reconhece a Enfermagem Canábica como uma especialidade.
O que é o Sistema Endocanabinoide?
O Sistema Endocanabinoide (SEC) é uma sofisticada rede de regulação glicofisiológica descoberta nas décadas de 1980–90, composta por receptores (CB1 e CB2), endocanabinoides (como anandamida e 2‑AG) e enzimas metabólicas. Está presente em praticamente todos os sistemas orgânicos — incluindo nervoso, imunológico, digestivo, cardiovascular e reprodutor — atuando para manter a homeostase, ou seja, o equilíbrio interno essencial para o funcionamento saudável do corpo
Quando esse sistema está desregulado, surgem diversas patologias, exigindo mecanismos que estabeleçam sua função normal.
A Profa. Dalla Colletta, fundadora do Dalla Instituto — plataforma dedicada à educação canábica — destaca que a formação em saúde tradicional aborda exaustivamente todos os sistemas orgânicos, exceto o SEC, uma omissão que precisa ser corrigida urgentemente.
Ela reforça que os endocanabinoides são peças-chave na fisiologia humana e que fitocanabinoides da Cannabis, especialmente THC e CBD, funcionam como moduladores desse sistema, oferecendo caminhos viáveis e acessíveis para tratamentos em casos de dor crônica, epilepsia e distúrbios inflamatórios.