“Legalizar não é incentivar. É tirar o mercado das mãos do crime”: a despedida de Mujica

Morre aos 89 anos José "Pepe" Mujica, ex-presidente do Uruguai, referência mundial por sua simplicidade, compromisso com a democracia e por legalizar a maconha para tirar o mercado das mãos do crime

Publicada em 14/05/2025

“Legalizar não é incentivar. É tirar o mercado das mãos do crime”: a despedida de Mujica, o presidente que ousou mudar o rumo da história

Ex-presidente faleceu nesta terça, em sua casa no Uruguai | Imagem: Divulgação

"Se tive que viver, é para me comprometer com a vida." A frase é de José “Pepe” Mujica, e talvez resuma como ninguém a trajetória de um dos políticos mais autênticos, generosos e coerentes da história latino-americana recente. 


O ex-presidente do Uruguai faleceu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, deixando não apenas um país em luto, mas um continente que reconhece nele um símbolo da democracia, da resistência e da esperança.


A causa da morte foi uma complicação derivada de um câncer no esôfago, diagnosticado em 2023, que se agravou nas últimas semanas. Ao longo de sua vida, Mujica enfrentou prisões, torturas, doenças e ainda assim, manteve firme seu compromisso com a ética, a liberdade e os mais vulneráveis.


Um líder fora dos padrões


Camponês, ex-guerrilheiro tupamaro, prisioneiro político por mais de uma década durante a ditadura militar uruguaia, Mujica tornou-se presidente entre 2010 e 2015. 


E mesmo no mais alto cargo da República, recusou-se a viver no Palácio. Preferia sua chácara simples nos arredores de Montevidéu, onde morava com a companheira de vida e de lutas, Lucía Topolansky, e dirigia seu Fusca azul, símbolo de sua humildade radical.


Mas se sua imagem era de simplicidade, suas ideias eram de uma profundidade comovente. Mujica defendia uma política centrada nas pessoas, com ênfase na justiça social, no combate à pobreza e na redistribuição da riqueza. Em seu governo, implementou reformas progressistas que colocaram o Uruguai na vanguarda mundial em temas como educação, direitos civis e políticas de drogas.


O primeiro país a legalizar a maconha


Uma das marcas mais revolucionárias de seu governo foi a legalização da maconha no Uruguai, em 2013, uma decisão corajosa que rompeu com a lógica proibicionista e apostou na regulação estatal como forma de combater o narcotráfico e promover a saúde pública.


“Legalizar não é incentivar. É tirar o mercado das mãos do crime”, dizia Mujica, sempre didático, sempre olhando o mundo pelos olhos dos mais simples. A lei uruguaia foi a primeira do mundo a regulamentar todas as etapas da cadeia produtiva da cannabis, cultivo, distribuição e venda sob o controle do Estado.


Hoje, mais de uma década depois, o Uruguai colhe os frutos dessa política: diminuição da violência, maior acesso à informação e tratamento, e um novo setor econômico que cresce com responsabilidade.


Pepe Mujica foi um político que não temia a contradição, mas se recusava ao cinismo. “Não sou pobre. Pobre é quem precisa muito para viver”, dizia, com a serenidade de quem viveu tudo o que dizia.
Mesmo após deixar a presidência, seguiu sendo uma referência ética para o mundo. Seus discursos na ONU, suas entrevistas repletas de sabedoria popular, sua defesa do meio ambiente, da paz, dos direitos humanos,  tudo em Mujica parecia lembrar o essencial num mundo acelerado e desigual: viver com menos para viver melhor, e nunca abandonar a ternura, nem mesmo na hora de lutar.


Pepe se despede do mundo com o coração ainda pulsando em milhares de jovens, militantes, líderes e sonhadores que aprenderam com ele que a política pode, e deve, ser feita com decência, coragem e amor ao povo.