Canabidiol reduz crises de epilepsia refratária em até 41%, aponta estudo da USP

Estudo reforça eficácia do CBD em casos resistentes a medicamentos tradicionais, mas pacientes enfrentam barreiras para obter o tratamento pelo SUS

Publicada em 20/06/2025

Silenciando as crises: o avanço do canabidiol na epilepsia refratária

Como o canabidiol está transformando a vida de quem convive com epilepsia refratária |

Em um mundo em que cada segundo sem crise é um alívio e cada convulsão, uma interrupção da vida, a ciência volta os olhos a uma possibilidade antes marginalizada: o canabidiol, um composto químico extraído da Cannabis sativa e com propriedades medicinais. As evidências, cada vez mais sólidas, reforçam aquilo que muitas famílias já intuíam no dia a dia: o CBD pode ser um divisor de águas no tratamento da epilepsia refratária, aquela que não cede, aquela que resiste aos tratamentos convencionais.


Um novo estudo liderado pelo pesquisador Bruno Fernandes Santos, da Faculdade de Medicina da USP, revelou que o canabidiol reduziu em média 41% as crises epilépticas em pacientes com epilepsia de difícil controle. Isso representa uma resposta terapêutica 127% maior do que a registrada em pacientes que receberam placebo. O estudo foi publicado na revista científica Acta Epileptologica e oferece não só números, mas novas perspectivas de cuidado e dignidade.


Uma síndrome, muitas histórias


A epilepsia afeta cerca de 2% da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Apesar de ser uma condição neurológica crônica conhecida e pesquisada, seu tratamento ainda apresenta muitos desafios, principalmente para quem convive com a chamada epilepsia refratária, quando nem cirurgia, nem os medicamentos tradicionais dão conta de controlar as crises.


As causas da doença são múltiplas: podem incluir tumores, malformações, inflamações ou até processos degenerativos que afetam o hipocampo. E há ainda confusões comuns: nem toda crise convulsiva é epilepsia, e nem toda crise epiléptica se manifesta com convulsão. Como explica Santos, “convulsão é o fenômeno motor, os abalos musculares, mas há crises silenciosas, discretas, difíceis até de diagnosticar”. 


A resposta que veio da Cannabis


O canabidiol, um dos principais compostos da planta Cannabis sativa, tem ganhado destaque por sua atuação no sistema endocanabinoide, um complexo sistema de neurotransmissores descoberto em meados dos 1990 que regula funções como dor, sono, apetite, memória e humor. Dois anos depois, a equipe liderada por Raphael Mechoulam, com os cientistas Lumír Hanuš e William Devane, descobriu a anandamida, o primeiro endocanabinoide identificado. Em pessoas com epilepsia, esse sistema parece ajudar a reequilibrar a hiperexcitabilidade do cérebro, reduzindo as chances de uma crise.


“É uma lógica semelhante à de medicações convencionais, só que por uma via diferente”, explica Santos. Enquanto anticonvulsivantes tradicionais atuam bloqueando canais de sódio nas células, o CBD aumenta o limiar de excitação necessário para que uma convulsão ocorra. Isso significa, na prática, menos crises e mais vida.


Quando a ciência encontra a política


Apesar dos resultados promissores, o acesso ao tratamento ainda é limitado no Brasil. O uso do CBD não está amplamente disponível na rede pública de saúde, e o país carece de uma política federal que contemple pacientes com epilepsia refratária. Algumas iniciativas estaduais já fornecem o composto a pacientes do SUS mediante avaliação médica, mas isso ainda é exceção.


“Desconheço iniciativas federais. Alguns Estados oferecem, mas não ter um plano nacional limita demais as alternativas de quem precisa”, lamenta o pesquisador.


Além da epilepsia 


O sistema endocanabinoide não se limita à epilepsia, e o canabidiol também não. Seus efeitos analgésicos e benefícios no sono já são respaldados pela ciência, mas o entusiasmo generalizado tem levado ao uso do CBD em uma gama de condições ainda não suficientemente estudadas, como alguns tipos de autismo.


Santos faz um alerta ético: “Temos que tomar cuidado com a ideia de que o canabidiol é solução para tudo. Não é. Existe uma diferença entre ser especialista em uma doença e ser especialista em uma substância". 


A ciência como ponto de partida


Para Bruno Fernandes Santos, a importância do estudo está em firmar as bases científicas para um uso responsável e efetivo do canabidiol. “Quando fugimos da ciência, entra a política baseada em achismos. E nisso, quem sofre é o paciente".


Enquanto não se avança em uma política pública nacional para ampliar o acesso ao CBD, milhares de pessoas seguem entre crises e silêncios, entre dias comuns e dias em que o corpo interrompe tudo. Mas os dados estão aí. E a esperança, também.

 

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