Você tem TOC? Veja como a cannabis medicinal pode ser uma aliada
Psicólogo Lauro Pontes analisa o maior estudo sobre cannabis e TOC, compartilha evidências científicas e explica como a planta pode aliviar sintomas como ansiedade, compulsões e pensamentos intrusivos
Publicada em 14/06/2025

Para quem vive prisioneiro da própria mente, a cannabis pode ser libertação | CanvaPro
No universo silencioso e angustiante do TOC - Transtorno Obsessivo-Compulsivo, cada pensamento intrusivo e cada ritual repetitivo pode ser um obstáculo entre a pessoa e uma vida com mais leveza. Mas um novo estudo realizado no Reino Unido reacende uma chama de esperança: a cannabis medicinal pode ser uma aliada real, segura e eficaz no alívio de sintomas como ansiedade, depressão, insônia e sofrimento psíquico.
Um levantamento, considerado o maior já feito sobre o uso de maconha medicinal no tratamento do TOC, acompanhou 257 pacientes durante três meses e mostrou resultados animadores. Segundo os pesquisadores da Drug Science, os participantes relataram “melhoras substanciais” na qualidade de vida geral, no sono e no humor, além da redução significativa dos sintomas de ansiedade.
Um novo olhar para um velho sofrimento
“O TOC é um transtorno que, dependendo da intensidade, pode ser absolutamente incapacitante”, explica o psicólogo clínico Lauro Pontes, pós-doutorando em traumas emocionais. “Ele ocupa a mente da pessoa o tempo todo. Há quem chame de manias, mas quando se agrava, pode impedir a pessoa de viver com autonomia e bem-estar”.
Ainda segundo Pontes, muitos pacientes demoram a perceber que sofrem de TOC. “Muitas vezes, são os familiares que notam primeiro. O diagnóstico e a busca por tratamento só começam quando a pessoa aceita que precisa de ajuda”, diz. E esse é um dos pontos mais sensíveis no tratamento de transtornos mentais: o reconhecimento e a vontade de mudar.
Cannabis x TOC: o que mostrou o estudo britânico?
Conduzido por clínicas privadas especializadas em cannabis medicinal, o estudo observacional no Reino Unido revelou que quase 74% dos pacientes usaram flores com predominância de THC. Outros optaram por produtos com equilíbrio entre THC e CBD, ou formulações ricas em CBD. A análise não comparou diretamente a eficácia de cada produto, mas indicou que a maior parte das prescrições foi com foco no THC, o que pode indicar a preferência médica ou a disponibilidade no mercado.
Mesmo com apenas 17 dos 257 participantes tendo TOC como diagnóstico principal (os demais tinham a condição como comorbidade), os resultados foram semelhantes entre os grupos: melhoras notáveis em aspectos emocionais, sociais e físicos. Apenas 5,7% relataram efeitos colaterais leves, o que aponta para um perfil de segurança favorável.
TOC: demais estudos
Segundo Lauro Pontes, embora ainda não haja uma revisão sistemática focada exclusivamente no uso de cannabis para TOC, a literatura científica já oferece indícios promissores. “Em 2008, um estudo com relatos de casos mostrou melhora significativa em pacientes tratados com dronabinol, um derivado do THC. E mais recentemente, em 2021, uma pesquisa com 87 indivíduos indicou redução das compulsões, pensamentos intrusivos, que são muito comuns no TOC, e da ansiedade, com o uso de doses um pouco mais elevadas de CBD”, explica.

Ele destaca que, apesar da falta de consenso definitivo, os estudos existentes oferecem um caminho relevante. “Ainda não temos uma revisão sistemática só para TOC, mas já há revisões bem estruturadas para o uso de THC e CBD no tratamento da ansiedade, que frequentemente está associada ao transtorno obsessivo-compulsivo".
Como a cannabis atua no TOC?
A explicação está no sistema endocanabinoide, responsável por regular funções como sono, humor, ansiedade e percepção da dor. “Temos evidências de que tanto o THC quanto o CBD atuam na diminuição da compulsão, da obsessão e do sofrimento psíquico. O importante é encontrar a dose correta e ter um acompanhamento profissional contínuo”, afirma Lauro Pontes.
Ele alerta que doses muito altas de THC podem, em alguns casos, acentuar as manias. “Por isso, a modulação correta é essencial. Quando bem dosada e acompanhada, a cannabis pode até substituir medicamentos pesados usados hoje apenas de forma paliativa”, completa.
Para o especialista, a cannabis medicinal deve ser considerada uma ferramenta complementar, não isolada, no tratamento do TOC. “A psicoterapia é indispensável. O tratamento ideal é o conjunto: psicólogo e médico trabalhando juntos. E, claro, a cannabis pode entrar como coadjuvante para ajudar no processo”, explica Pontes.
Apesar dos avanços, ainda não é possível afirmar que a cannabis medicinal seja oficialmente eficaz para tratar o TOC, pelo menos até que sejam realizados ensaios clínicos randomizados. Mas estudos como este reforçam o que muitos pacientes já sentem na prática: alívio.
“A ciência ainda está desenhando o melhor caminho, mas esses dados abrem uma trilha promissora”, diz Pontes. “O que precisamos agora é de mais pesquisa, regulamentação e formação profissional para que os tratamentos sejam aplicados com segurança e justiça.”
Enquanto isso, para quem convive com a tormenta diária do TOC, cada nova evidência como essa representa algo mais poderoso do que qualquer protocolo: a esperança.