O desafio das ações judiciais e a necessidade de regulamentação nacional

Entenda como o SUS gastou 80 milhões de reais em tratamentos com derivados da cannabis em 2023

Publicada em 09/11/2023

O desafio das ações judiciais e a necessidade de regulamentação nacional

Em um cenário marcado por desafios financeiros e pressões sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), chama a atenção o investimento de 80 milhões de reais destinados ao custeio do tratamento com derivados da cannabis em 2023, segundo relatório da empresa de inteligência de dados, Kaya Mind.  

Este montante é destinado a pacientes que não possuem condições de arcar com os custos dessa terapia, e, surpreendentemente, 100% desses gastos se originam de ações judiciais que obrigam o SUS a assumir essa responsabilidade. 

Diante desse cenário, conversamos com o advogado especializado em direito canábico, Dr. Ladislau Porto, que ressaltou a complexidade dessa situação.  

"As ações judiciais têm se tornado uma via de acesso ao tratamento com derivados da cannabis para muitos pacientes, principalmente aqueles que sofrem de doenças raras e graves. No entanto, o fato de todo o custeio recair sobre o SUS coloca um ônus significativo sobre o sistema de saúde pública, já tão sobrecarregado", afirma o advogado que completa:  

“Não tenho dúvidas que uma regulamentação é o melhor caminho, pois ao observarmos nossa realidade, as pessoas que buscam o tratamento com os derivados da cannabis via SUS acabam por desistir, visto que o sistema ainda não está preparado para tal. Assim, a judicialização ainda é o meio mais utilizado.” 

Porto explica que se tivéssemos uma cadeia nacional de cultivo regulamentada, estes produtos estariam disponibilizados nas farmácias vivas do SUS, baixando os gastos tanto para o governo, quanto para quem faz uso desses medicamentos. 

Quem também deu seu parecer sobre o tema foi a representante da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi), Caroline Sellani, que reforça a importância de uma regulamentação nacional.  

"O acesso a esses produtos pelo SUS é um direito da população. A discussão central gira em torno da preparação do setor produtivo para atender à crescente demanda, garantindo produtos de qualidade validados pela Anvisa e otimizando os custos para maior eficiência nos gastos públicos. Com a evolução das legislações estaduais, como a recentemente aprovada em São Paulo, prevê-se um aumento dos recursos destinados a atender a demanda da população, não apenas através de ações judiciais, mas com a vantagem de um planejamento estruturado como política pública." 

A necessidade de uma regulamentação nacional para o uso terapêutico dos derivados da cannabis é um tema que vem ganhando força, e a atual situação evidencia a urgência de uma abordagem mais estruturada até mesmo de um cultivo em solo nacional, defende Caroline: 

“A produção de insumos de cannabis no Brasil já é uma realidade. Apesar de ainda não podermos cultivar a planta no país para verticalizar a produção do medicamento no Brasil, podemos importar o extrato bruto e realizar a purificação aqui, podendo atender a demanda nacional dos produtores. Reduzir a dependência externa destes produtos assegura maior autonomia produtiva do setor, e consequentemente mais previsibilidade do abastecimento e acesso”. 

Ações judiciais, embora tenham sido um último recurso para muitos pacientes, colocam uma pressão financeira desproporcional sobre o SUS. Uma regulamentação nacional pode fornecer uma solução mais justa, eficiente e previsível, garantindo que aqueles que precisam tenham acesso ao tratamento necessário, ao mesmo tempo em que alivia o sistema de saúde pública.