Homem, cavalo e cannabis: a aliança ancestral que se reinventa pela ciência
A conexão milenar entre humanos e cavalos ganha novo capítulo com a chegada da cannabis à medicina veterinária equina. No centro desse encontro está a busca por bem-estar, equilíbrio e cura
Publicada em 16/04/2025

O Hope foi resgatado no ano passado com feridas graves, desnutrição severa e sarcoide. Desde então, vem sendo tratado com cannabis medicinal e já apresenta evolução no quadro clínico. | Foto cedida pelo médico-veterinário Rodrigo Zamith.
Rodrigo Zamith, médico-veterinário brasileiro radicado em Bologna, na Itália, já montava a cavalo aos três anos de idade. Criado em uma pequena propriedade rural, encontrou nos equinos não apenas fascínio, mas um norte de vida. “Desde então, meu fascínio e admiração só aumentaram — e, em certos termos, minha dívida com eles também. Tiveram (e ainda têm) um grande papel na construção de quem eu sou hoje”, conta o especialista, que se dedica hoje aos estudos sobre o uso terapêutico da cannabis em cavalos.
Ao olhar para o passado, Zamith destaca a profundidade do vínculo que atravessa séculos: “A conexão entre humanos e cavalos remonta a milhares de anos. Os cavalos foram domesticados há cerca de 5.000 anos e desempenharam papéis fundamentais na guerra, no transporte e na agricultura. Mais recentemente, sua importância se expandiu para esportes e terapias assistidas.”
E é justamente neste ponto — o cuidado — que a cannabis começa a ocupar um novo espaço.
A ciência da planta chega aos estábulos
Nos Estados Unidos, Canadá e alguns países europeus, como Alemanha, Suíça e Itália, os estudos sobre compostos da cannabis para uso veterinário vêm ganhando força. Zamith explica que, apesar das diferenças regulatórias entre os países, há uma tendência de crescimento no uso terapêutico da planta: “Na Itália, veterinários podem prescrever produtos full spectrum e com altas concentrações de THC via farmácias de manipulação.”
A pesquisa aplicada especificamente em cavalos ainda é recente, mas promissora. “Alguns trabalhos preliminares sugerem que canabinóides podem ajudar a reduzir inflamações e dores, reduzir ansiedade, ajudar no manejo de distúrbios comportamentais”, afirma Zamith. E completa: “Podem produzir esses efeitos de forma semelhante aos fármacos alopáticos mais utilizados na medicina equina, porém, de forma mais segura e com menor risco de efeitos adversos deletérios.”

Alívio para dores crônicas e distúrbios comportamentais
Entre as indicações clínicas que já despontam como mais beneficiadas estão casos de laminite, osteoartrite, cólicas e síndromes inflamatórias intestinais. “Um grande leque de doenças pode ser melhor manejado e sua progressão retardada com o uso dos canabinoides como ferramenta terapêutica”, destaca o veterinário.
No entanto, ele alerta para os riscos do uso desinformado: “A metabolização dos canabinoides em cavalos ainda não é totalmente compreendida. Alguns efeitos off targets podem ser vistos, como aumento voraz do apetite, hiperagitação ou sedação”. Animais com condições específicas, como fibrilação atrial, também exigem cuidado redobrado.

O futuro da cannabis veterinária
A presença da cannabis no universo equino ainda esbarra em lacunas na pesquisa e na regulamentação esportiva. “Precisamos de mais estudos para estabelecer protocolos seguros de dosagem, identificar possíveis efeitos adversos e entender a farmacocinética dos canabinoides em equinos”, pontua Zamith. Ele também defende uma atualização nos regulamentos de esportes equestres.
Na convivência com os humanos, o veterinário vê pistas de um novo campo de investigação. "Sabemos que cavalos são extremamente sensíveis às emoções e ao estado mental dos humanos ao seu redor. Se uma pessoa está mais relaxada ou tem uma abordagem mais calma/centrada devido ao uso de cannabis medicinal, isso pode refletir no comportamento do cavalo. São hipóteses, que como cientista e indagador da natureza, devo fazer; é necessário aprofundamento desse assunto de forma científica e baseada em evidencias, para que se possa objetivamente ser validada ou não."
Ética, cautela e ciência
Zamith é categórico ao aconselhar profissionais e tutores: “Se você está considerando o uso de produtos à base de canabinóides para cavalos, converse com um médico veterinário com conhecimento sobre a área. Certifique-se de que o produto a ser utilizado é de qualidade comprovada.”
Para ele, a cannabis pode, sim, representar uma revolução na medicina equina, mas o caminho deve ser trilhado com responsabilidade: “Seu uso deve ser sempre seguro, ético e feito por quem sabe e pode fazer.”