O que esperar da regulamentação da cannabis no governo Lula

“Sem regulamentação, não há desenvolvimento”, defendem os especialistas

Publicada em 30/10/2023

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No cenário político brasileiro, o desenvolvimento das políticas de drogas, em particular no que diz respeito à cannabis, tem sido marcado por uma série de desafios e entraves mesmo no governo Lula. Desde que o líder petista reassumiu a presidência do Brasil, em janeiro de 2023, as ações do governo sinalizam um certo apoio a criação de uma cadeia para o cultivo da planta em território nacional. Neste contexto, podemos pontuar a criação de um Grupo de Trabalho, o chamado "Conselhão" formado por diversos agentes do setor, para fomentar o debate. Na contramão dessas iniciativas, Cristiano Zanin, ministro do Supremo Tribunal Federal indicado por Lula, votou contra a descriminalização da maconha na revisão da Lei de Drogas. A votação pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal está em 5 a 1. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro André Mendonça.

O princípio da legalidade, que rege o Estado Brasileiro, estabelece que a administração pública só pode agir com base no que está previsto em lei. Portanto, a falta de uma legislação que garanta o acesso a produtos de cannabis, fora da integração do Sistema Único de Saúde (SUS), deixa o governo estadual sem recursos para a compra desses produtos, a menos que uma decisão judicial os obrigue.  

O advogado Murilo Nicolau, com ampla experiência no campo da cannabis, enfatiza que "quando se trata do Estado brasileiro, leis e regulamentos são o ponto de partida para qualquer ação governamental, incluindo a concessão de autorizações e a criação de tributos sobre produtos específicos, como as dos derivados da cannabis." 

Nicolau destaca que a inércia legislativa que tem persistido por muito tempo, força o Superior Tribunal de Justiça a intervir nos casos de autocultivo medicinal. Ele ressalta que "sem regulamentação, não haverá desenvolvimento da indústria da cannabis no Brasil."  

A falta de um marco regulatório claro tem dificultado não apenas a produção e o acesso à cannabis medicinal, mas também o desenvolvimento de uma cadeia produtiva eficaz. 

As vozes do governo Lula

Em entrevista a Globo News ao assumir o Ministério da Saúde em janeiro deste ano, Nísia Trindade defendeu o uso medicinal da planta:

"A Cannabis medicinal é respaldada por sólida evidência científica e tem sido usada em diversos países para tratar condições como epilepsia e Alzheimer. Eu testemunhei sua eficácia no alívio de convulsões em crianças afetadas pela Síndrome Congênita de Zika, proporcionando melhoria na qualidade de vida e aliviando o sofrimento delas e suas famílias. Devemos priorizar evidências e diálogo para superar preconceitos e promover cuidado."

Já o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT), ressalta que “é uma contradição não permitir o avanço da indústria de medicamentos à base de cannabis no Brasil”, enfatizando, durante uma audiência da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados em setembro deste ano, que é mais econômico cultivar maconha destinada a tratamentos médicos dentro do país. 

Ainda caminhando nessa mesma direção, a secretária nacional de Políticas Sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça, Marta Machado, afirmou que o Governo pretende regular o plantio de Cannabis para fins medicinais no Brasil em substituição às importações dos produtos.

Atualmente, a plantação é permitida somente em caso de obtenção de decisão judicial favorável. Em março, o ministério já havia defendido em um processo que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorize a plantação aqui no Brasil.

Apoio da Anvisa

Em uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo na última quarta-feira (25), João Paulo Silvério, gerente de registros de medicamentos específicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), apontou para a falta de apoio de órgãos essenciais, como a Polícia Federal, a Secretaria Nacional de Apoio Antidrogas e o Ministério da Agricultura, à ideia do cultivo em território nacional.  

“Sem esse apoio e uma regulamentação clara, a Anvisa se vê limitada em suas ações”, afirmou Silvério. 

Apesar da inércia do poder Legislativo, a indústria da cannabis no Brasil não parou de crescer. Isso não apenas demonstra o potencial econômico da cannabis, mas também reflete o amadurecimento do debate sobre a legalização entre a população brasileira.  

A esperança de um momento de desmistificação e avanço nessa questão permanece viva. Como Murilo Nicolau conclui, "o momento de ruptura pode estar próximo", indicando que, apesar dos obstáculos, a regulamentação da cannabis no Brasil pode se tornar uma realidade no futuro. 

Imagens: Agência Brasil