O sistema endocanabinoide e os transtornos de ansiedade
Em artigo, o colunista Wilson Lessa trata de alguns dos distúrbios de ansiedade e como os canabinoides podem auxiliar no tratamento desses casos. Ao mesmo tempo, contextualiza essa problemática no momento atual que estamos vivendo sob a pandemia da C
Publicada em 15/12/2020
Coluna de Wilson Lessa*
O medo e a ansiedade são respostas defensivas e adaptativas que evoluíram nos animais para a proteção contra estímulos perigosos. A distinção entre essas duas emoções não é muito clara. Geralmente são associadas com algo atual (medo) versus potencial (ansiedade) presença de problemas.
Com o aparecimento da Covid-19, aumentaram nossos gatilhos de ansiedade e o isolamento físico alijou mecanismos amortecedores do estresse diário. Desse modo, nos consultórios psiquiátricos é claro um aumento exponencial de transtornos de ansiedade, tais quais o transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno de pânico (TP), transtorno de ansiedade social (TAS), transtorno por ansiedade à doença (antiga hipocondria), transtornos fóbicos específicos, além do espectro de ansiedade nos transtornos obsessivos-compulsivos (TOC) piorar e mesmo nas psicoses e nos transtornos do humor teve impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes.
Com o aparecimento da Covid-19, aumentaram nossos gatilhos de ansiedade e o isolamento físico alijou mecanismos amortecedores do estresse diário. Desse modo, nos consultórios psiquiátricos é claro um aumento exponencial de transtornos de ansiedade
Apesar de boa parte desses transtornos terem indicações farmacológicas específicas, é importante lembrar que os benzodiazepínicos (clonazepam, diazepam, alprazolam, bromazepam) têm um risco alto de dependência quando ultrapassa o tempo de uso de oito semanas. E que os antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) podem ter efeitos colaterais impeditivos ou sem eficácia para um subgrupo de pacientes. Assim, existe uma necessidade de alternativas terapêuticas eficazes, seguras e bem toleradas para esses quadros clínicos.
O uso da Cannabis é geralmente associado com alívio do estresse e elevação do humor. No entanto, em alguns casos, pode produzir efeitos disfóricos que incluem pânico ou aumento de ansiedade. Este efeito bidirecional de canabinoides observado em humanos pode ser replicado em testes animais, com baixas doses sendo ansiolíticos (quebrando ansiedade) enquanto altas dosagens sendo ansiogênicos (criando ansiedade).
O uso da Cannabis é geralmente associado com alívio do estresse e elevação do humor. No entanto, em alguns casos, pode produzir efeitos disfóricos que incluem pânico ou aumento de ansiedade.
Adicionalmente, alguns efeitos adversos que poderiam resultar do uso da cannabis fumada, como ansiedade e pânico, são raramente observados após administração oral de Delta9-THC.
Em 1982, antes mesmo da descoberta dos receptores canabinoides, Antonio Zuardi e colaboradores no Brasil publicavam um estudo ousado em que demonstraram que o CBD diminui os eventuais efeitos ansiogênicos e psicóticos do Delta9-THC.
O dronabinol, um THC sintético, que é agonista (estimula) o receptor canabinoide do tipo 1 (CB1r) auxilia na extinção do aprendizado do medo em humanos, alivia insônia, pesadelos e outros sintomas em indivíduos com transtorno do estresse pós-traumático (TEPT).
Por outro lado, um medicamento antagonista (bloqueia) do receptor CB1r, o rimonabanto, inicialmente utilizado como inibidor do apetite, foi retirado do mercado em 2010 após a constatação que aumentava significativamente o risco de ansiedade, depressão e até ideação suicida em pacientes sem histórico pessoal ou familiar de transtornos mentais.
As áreas do cérebro que controlam a ansiedade, humor e as emoções – a amígdala, hipocampo e córtex pré-frontal – apresentam muitos receptores CB1r, e estudos demonstram que um distúrbio do funcionamento normal do sistema endocanabinoide podem levar a ansiedade e depressão e ratos criados sem esse receptor apresentaram altos níveis de ansiedade em relação aos ratos com os receptores CB1r íntegros.
Em mulheres que reportaram ansiedade, um estudo demonstrou que apresentavam níveis diminuídos de anandamida (um canabinoide interno).
Uma recente série de casos reportando o uso de canabidiol (CBD) para ansiedade e sono, encontrou que quase 80% dos participantes perceberam redução da ansiedade ainda no primeiro mês de tratamento, com redução sustentada através da duração do estudo.
Uma recente série de casos reportando o uso de canabidiol (CBD) para ansiedade e sono, encontrou que quase 80% dos participantes perceberam redução da ansiedade ainda no primeiro mês de tratamento, com redução sustentada através da duração do estudo.
Uma parte do efeito ansiolítico (aliviar ansiedade) do CBD ocorre em função da ativação de receptores serotoninérgicos (relacionados à serotonina) do tipo 5-HT1A e isso começa a ocorrer já em dosagens baixas. Por outro lado, em dosagens maiores de CBD, este, costuma ativar receptores vaniloides, do tipo TRPV1, o que tem uma ação ansiogênica (causar ansiedade). Essa resposta farmacológica é bem conhecida quanto ao CBD purificado.
Em 2015, Gallily e colaboradores em Israel, avaliaram o uso de CBD purificado e de um óleo rico em CBD, mas com outros fitocanabinoides, flavonoides e terpenos (planta integral) em modelos animais de inflamação e dor. No uso do CBD purificado, ficou evidente a dose-resposta em U invertido, onde a partir de determinada dosagem (mais alta) diminui o efeito terapêutico. Por outro lado, o uso do óleo rico em CBD, da planta toda, demonstrou uma curva dose-resposta onde dosagens maiores continuaram a exercer um maior efeito terapêutico. Essas diferenças entre as curvas dose-resposta do CBD purificado e do óleo rico em CBD da planta integral são apenas mais uma faceta do famigerado efeito comitiva (entourage).
Isso também é percebido no tratamento dos quadros de ansiedade, onde percebemos na prática clínica que os óleos ricos em CBD (full spectrum) são eficientes para transtornos de ansiedade em dosagem entre 30-60 mg/dia, e que compostos com CBD purificado, necessitam de dosagens até 4 vezes maiores.
Desse modo, num modelo prescritor racional e econômico, um objetivo importante é utilizar a dosagem mínima que traga significativa resposta terapêutica, com menos efeitos colaterais.
É importante ressaltar que apesar do sistema endocanabinoide ter sido descoberto há mais de 25 anos, a grande maioria dos médicos não conhecem ou não sabem explicar minimamente o funcionamento do mesmo e apenas duas Universidades no Brasil tratam do assunto dentro do currículo (UFPB e UFSC)
A própria função do nosso sistema endocanabinoide em fazer uma diminuição da liberação de alguns neurotransmissores, que faz parte de seu papel de homeostático (buscar equilíbrio) fisiológico, nos dão essa possibilidade do tratamento seguro, eficaz e tolerável dos quadros de ansiedade com os canabinoides, principalmente o CBD e de preferência com outros canabinoides, flavonoides e terpenos.
E, é importante ressaltar que apesar do sistema endocanabinoide, ter sido descoberto há mais de 25 anos, a grande maioria dos médicos não conhecem ou não sabem explicar minimamente o funcionamento do mesmo e apenas duas Universidades no Brasil tratam do assunto dentro do currículo (UFPB e UFSC).
Não tenho dúvidas que daqui a menos de 10 anos, os canabinoides serão altamente prevalentes nas prescrições dos médicos para os quadros de ansiedade (entre outras patologias) em detrimento dos tratamentos usuais.
Mas para quem está sofrendo, esperar compaixão custa mais caro que o dinheiro possa comprar ou a angústia suportar.
Referências: 1 - Lisboa SF, Gomes FV, Terzian AL, Aguiar DC, Moreira FA, Resstel LB, Guimarães FS. The Endocannabinoid System and Anxiety. Vitam Horm. 2017;103:193-279. doi: 10.1016/bs.vh.2016.09.006. Epub 2016 Nov 2. PMID: 28061971. / 2- Goldstein, B. Cannabis is Medicine. Little, Brown Spark. 2020. ISBN 978-0-316-50078-4.
*Wilson Lessa é Médico Psiquiatra, Psiquiatra Forense, professor da faculdade de Medicina da UFRR (Universidade Federal de Roraima) e colunista do Sechat
As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e não correspondem, necessariamente, à posição do Sechat.
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