Operação Seeds: sinal de alerta ou injustiça?

A ação da Polícia Civil do RJ que prendeu quatro pessoas suspeitas de tráfico de drogas e falsificação de laudos médicos para cultivo de cannabis na última terça-feira (11), dividiu opiniões

Publicada em 17/07/2023

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Por João Negromonte

A “Operação Seeds”, realizada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro na última terça-feira (11), prendeu quatro pessoas supostamente envolvidas em um esquema relacionado à emissão de laudos médicos falsos para o cultivo de maconha e tráfico de drogas.

De acordo com as investigações da 14ª DP (RJ), a quadrilha produzia pareceres médicos indicando o aparente uso medicinal da planta, embora o objetivo fosse, segundo informações, lucrar com a venda da droga, sem haver qualquer enfermidade nos "clientes".

Durante a operação, o médico Adolfo Antônio Pires, a esposa dele Pérola Katarine de Castro, o advogado Patrick Rosa Barreto e o biólogo André Vicente Souza de Freitas foram presos. 

Adolfo e Pérola afirmaram, em depoimento, que realizavam acompanhamento de pacientes por meio  da associação Cannabis Pela Vida, sendo Pérola a presidente. A Sechat tentou contato com a defesa, mas ainda não teve retorno. O inquérito corre em segredo de justiça.

Segundo a polícia, os envolvidos ofereciam um serviço completo para obtenção de autorização judicial e montagem de uma plantação particular de skunk, uma variedade mais potente da maconha. Esse serviço incluía a emissão do laudo médico, a entrada com habeas corpus no judiciário e até mesmo a estrutura para o plantio das mudas. O esquema cobrava valores de até R$ 50 mil por esse pacote de serviços.

Dividindo opiniões

Para um grupo de pacientes do Adolfo no qual a Sechat conversou, a prisão é um reflexo da fragilidade da regulamentação que, segundo os mesmos, não define regras claras sobre o uso dos derivados da planta e marginaliza aqueles que buscam um acesso a medicamentos de cannabis de forma mais acessível, já que hoje o SUS não disponibiliza essa alternativa à população mais vulnerável.

Adolfo Antônio Pires
(Imagem: reprodução/Instagram)

Amanda dos Anjos, portadora de psoríase desde os 12 anos e paciente de Adolfo, diz que o médico e sua equipe trouxeram uma nova vida para ela: 

“A cannabis me permitiu redescobrir a vida. Minhas lesões na pele por conta da psoríase estão reduzindo como nunca vi. Minha mente está mais calma e, agora, consigo viver melhor, conviver com outras pessoas sem receber olhares de reprovação. Antes da terapia canabinoide, deixava de sair de casa ou usar roupas que eu gostava por causa da psoríase. Hoje, durmo a noite toda com qualidade e sem interrupções frequentes. Não consigo nem descrever o quanto tempo fazia desde que me sentia assim. Tudo isso graças ao Dr. Adolfo e à cannabis, que têm sido uma bênção para mim e minha família”.

Quem também se manifestou a favor do médico foi o estudante de veterinária e paciente da equipe de Adolfo, Fernando Rodrigues Bachmann, que revelou nunca ter presenciado qualquer tipo de abuso ou ameaça por parte do mesmo ou sua equipe.

“Ele (Adolfo) sempre foi muito  prestativo e atencioso desde a primeira consulta há oito meses. Tive uma melhora incrível do meu TDAH e dislexia, condições   neurológicas estas que me atrapalharam por anos nos meus estudos, mas que agora, tenho conseguido concluir o meu curso”, destacou o paciente que continua:

“Expliquei ao Dr. Adolfo que não poderia custear meu tratamento e ele me indicou que eu  procurasse a defensoria pública para ajudar no meu caso de Habeas Corpus e judicialização, mas nunca insistiu e tentou induzir que eu fizesse HC com a equipe dele, menos ainda ofereceu valores  absurdos”. 

Em off, um conhecido do setor destaca que o médico é um profissional formado com honras na universidade e não precisa falsificar tais documentos para obter vantagens financeiras. Além disso, ele explica que Adolfo ajuda diversos pacientes a ter mais saúde e qualidade de vida com a terapia canabinoide. Contudo, a fonte destacou também que é preciso agora que a justiça avalie o caso e tome as providências necessárias.

Vamos falar especificamente da atividade médica?

Para Leonardo Navarro, advogado, palestrante e professor universitário especialista em direito médico e saúde, a profissão médica é regulamentada por lei e possui um conselho de classe, além de normas a serem seguidas. 

“Desde 2015, os médicos desempenham um papel importante na prescrição de produtos de cannabis para fins medicinais, de acordo com a definição exata da ANVISA. Inicialmente, eles podiam prescrever produtos importados que o paciente poderia adquirir mediante autorização da Anvisa. Hoje, além dessa possibilidade de importação com prescrição e autorização, os médicos podem prescrever produtos de cannabis que estão disponíveis em farmácias e drogarias, por meio de receitas controladas (A ou B)”.

O advogado, que também é secretário geral e membro efetivo da Comissão de Direito Médico e da Saúde e da Comissão Especial do Direito das Pessoas com Deficiência, ambas da OAB/SP, ressalta que a profissão médica está habilitada a prescrever produtos sujeitos a controle especial, de acordo com a Portaria 344 do Ministério da Saúde.

“Portanto, os médicos desempenham um papel fundamental no acesso aos produtos de cannabis para fins medicinais. Eles têm toda a responsabilidade pela prescrição, efeitos colaterais, contaminações do produto, entre outros, de acordo com a RDC 327 da Anvisa”, afirma Navarro.

Atualmente, cabe ao médico prescrever produtos de cannabis, observando as regras estabelecidas pela Anvisa (RDC 660 e 327). Eles devem garantir o acesso do paciente a produtos importados ou disponíveis em farmácias e drogarias, além de acompanhar o tratamento e avaliar a eficácia dos produtos prescritos e a evolução do paciente.

A atualização e capacitação contínua do médico são fundamentais. Cada prescrição deve ser embasada em evidências científicas.

É importante destacar que o médico deve respeitar as leis e normas vigentes, e não permitir interferências externas em sua relação direta com o paciente. Além disso, eles devem limitar sua atuação ao âmbito de sua prática clínica, não praticando atos que comprometam a sua autonomia.

Quanto aos pacientes que desejam ter acesso ao autocultivo, o médico deve se restringir a fornecer informações sobre os benefícios dos produtos de cannabis para a condição específica daquele paciente. 

“O médico não pode e não deve recomendar o autocultivo ou o uso de produtos de cannabis que não sejam seguros em termos de processo de fabricação, segurança e controle de qualidade. Esse é o cenário atual e, embora haja críticas a essa abordagem, as regras às quais os médicos juraram cumprir em sua formatura não nos permitem outra análise” conclui o advogado.