Uma carga de energia limpa para o Brasil

O colunista Marcelo De Vita Grecco trata das possibilidades de inserção do cânhamo numa nova matriz energética, sustentável e com maior capacidade de inclusão social

Publicada em 18/02/2021

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Coluna de Marcelo De Vita Grecco*

O Brasil tem histórico expressivo na utilização de energias limpas, aquelas oriundas de fontes renováveis e que não lançam poluentes na atmosfera. Nossa principal matriz de energia elétrica são as usinas hidrelétricas e a geração de energia eólica está em ascensão. Além disso, o País foi pioneiro na produção e uso do etanol em larga escala. E isso aconteceu nos anos 1970, quando sustentabilidade não era fator central nos debates globais.

E o Brasil tem condição privilegiada para ser protagonista mundial na produção e uso de bicombustíveis. Porém, para chegar a esse patamar precisa diversificar as matérias-primas. Esse é mais um cenário em que o cânhamo pode exercer papel determinante.

No entanto, ainda há grande desafio para que as matrizes de combustíveis utilizadas nas áreas de transporte e logística passem da origem fóssil para as renováveis, reduzindo as emissões de carbono na atmosfera. No caso dos biocombustíveis, temos, além do etanol, biodiesel e biometano, todos provenientes de biomassa renovável. E o Brasil tem condição privilegiada para ser protagonista mundial na produção e uso de bicombustíveis. Porém, para chegar a esse patamar precisa diversificar as matérias-primas. Esse é mais um cenário em que o cânhamo pode exercer papel determinante.

Nesse sentido, é importante frisar que me refiro ao cânhamo produzido em ambiente aberto. Trata-se de uma cultura que encontra em terras brasileiras clima imensamente favorável e que demanda baixa quantidade de insumos agrícolas e, especialmente, água. Ou seja, de impacto ambiental bastante reduzido. Adicionalmente, o cultivo do cânhamo comprovadamente pode absorver mais dióxido de carbono (CO2) do que qualquer outra cultura comercial e suas fibras constituem ótima alternativa para a produção de biocombustíveis.

Atualmente, o Brasil é o segundo maior produtor de biodiesel do mundo e, em 2020, a produção bateu recorde, totalizando 6,4 bilhões de litros. O País fica atrás apenas dos Estados Unidos. O biodiesel é misturado ao diesel fóssil e há grande espaço para aumentarmos a proporção percentual do biodiesel nessa mistura. Hoje temos uma mistura conhecida como B12, que tem 12% de biodiesel na composição. Países como a Indonésia, terceiro maior produtor mundial de biodiesel, já faz testes para implementar ainda em 2021 o mix B40. Já os Estados Unidos tem aprovada por seu Departamento de Agricultura a implantação do B30 até 2050.

Por aqui, a meta é de um novo marco legal para que possamos lançar mão do B20 até 2028. Esse movimento representa investimentos de bilhões no setor produtivo, mas ainda estamos tímidos em relação ao mix, pois esse caminho é irreversível e não podemos ficar para trás.

Além disso, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel determina que cerca de 30% da matéria-prima da produção venha da agricultura familiar, melhorando o equilíbrio na geração de renda e empregabilidade no campo.

Os benefícios da utilização do biodiesel para a sociedade envolvem o tripé econômico, social e ambiental. Com maior produção de biocombustíveis geramos mais emprego e renda e reduzimos a importação do óleo diesel. Além disso, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel determina que cerca de 30% da matéria-prima da produção venha da agricultura familiar, melhorando o equilíbrio na geração de renda e empregabilidade no campo.

Em relação ao viés ambiental, com aumento na produção e consumo de biodiesel, as reduções na emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa ajudarão o Brasil a cumprir metas do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris, em momento no qual a cobrança internacional por boas práticas ambientais bate as nossas portas.

Já temos até a Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio) estabelecida, propondo metas de descarbonização dos combustíveis, certificação da produção de biocombustíveis e créditos de descarbonização. Esse instrumento considera a formação das matrizes brasileiras a partir da segurança energética, previsibilidade do mercado e mitigação das emissões de gases geradores do efeito estufa no setor de combustíveis.

Se temos uma política pública que reconhece o papel estratégico de todos os biocombustíveis para uma oferta de energia mais sustentável, competitiva e segura, precisamos seguir um raciocínio lógico e contemplar o potencial do cânhamo nessa equação.

Se temos uma política pública que reconhece o papel estratégico de todos os biocombustíveis para uma oferta de energia mais sustentável, competitiva e segura, precisamos seguir um raciocínio lógico e contemplar o potencial do cânhamo nessa equação. Esse insight vale não somente para o Ministério de Minas e Energia, mas para a Embrapa Agroenergia, que deve ter papel decisivo para que o Brasil explore ao máximo o potencial do cânhamo.

A organização europeia não-governamental, apartidária e sem fins lucrativos For Alternative Approaches to Addiction, Think & do tank (FAAAT) atua desde 2015 com foco em pesquisa e advocacy. Em um de seus relatórios, relaciona o cânhamo como parte importante para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030, ressaltando o papel da planta para assegurar acesso universal a energias modernas viáveis e confiáveis; aumentar substancialmente a participação das energias renováveis no mix global de energia; e na duplicação da média global de eficiência energética. Tudo em um movimento a partir da produção local.

Um exemplo do que pode ser feito vem da empresa de energia francesa Qairos Energies, que está investindo quase 19 milhões de euros em um projeto para produzir hidrogênio e metano a partir de cânhamo cultivado localmente por 150 agricultores, em uma área plantada de 350 hectares.

Ou seja, temos grande e próspero caminho a percorrer desde já, com diversas possibilidades de inovação no mercado. Um exemplo do que pode ser feito vem da empresa de energia francesa Qairos Energies, que está investindo quase 19 milhões de euros em um projeto para produzir hidrogênio e metano a partir de cânhamo cultivado localmente por 150 agricultores, em uma área plantada de 350 hectares. O hidrogênio deve ser transformado em eletricidade para baterias usadas em trens e ônibus. Já o metano será destinado à rede de distribuição de gás natural.

Não há dúvidas de que o mundo do futuro será abastecido por energia verde e o cânhamo estará no centro das atenções, tanto internacionalmente quanto no Brasil. O momento de optar pelo protagonismo e trabalhar para alcançá-lo é agora.

*Marcelo De Vita Grecco é cofundador, head de Negócios da The Green Hub e colunista do Sechat

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

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