A Justiça brasileira garante o acesso ao canabidiol?

Planos de saúde tem sido obrigados a custear o pagamento do tratamento com medicamentos derivados de cannabis

Publicada em 01/10/2019

capa

Por João Victor Chaves, advogado e colaborador do Blog da Cidadania

A hipótese de interferência do Poder Judiciário na liberação de medicamentos produzidos a partir da cannabis é objeto de grande polêmica. A este respeito, existem alguns parâmetros normativos que devem ser observados pelos juízes para concessão do medicamento, inclusive com previsão de custeio pelos planos de saúde.

Para tratar da questão, a Resolução Normativa 269/2011 da Agência Nacional de Saúde determina que os planos de saúde são obrigados a suportar os custos para procedimentos emergenciais. Neste sentido, o médico de confiança do paciente deve fornecer laudos e exames que demonstrem a urgência alegada. Conforme a lei 9.656/98, é de 24 horas o prazo máximo de carência que pode vir a ser exigido pelos planos de saúde para procedimentos de emergência.

Não há consenso, tampouco, sobre quais doenças podem ser tratadas pelo canabidiol, por exemplo. O Conselho Federal de Medicina recomenda o tratamento para crises convulsivas na infância. Em função disso, pode haver maiores dificuldades para que este tratamento seja destinado a outras enfermidades, ainda que haja precedentes judiciais admitindo a sua concessão.

A Súmula 102 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, considera que, havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de sua natureza experimental ou por não estar prevista no rol de procedimentos da ANS.

Ainda que o registro de medicamento à base de canabidiol tenha sido aprovado pela Anvisa em 2017, a autorização é específica para tratamento de espasticidade. O uso é, portanto, considerado experimental no que diz respeito a outras doenças sobre as quais ainda não há posição firmada pelos órgãos de controle.

Ainda assim, há decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerando que a prescrição médica se sobrepõe ao tratamento sugerido pela operadora de saúde, mesmo em se tratando de medicamento em caráter experimental. A 7ª Câmara de Direito Privado da Corte julgou, no último dia 29 de maio, recurso de apelação interposto em favor de um paciente com diagnóstico de paralisia cerebral. Na ocasião, o colegiado determinou que o plano de saúde realizasse o custeio integral do canabidiol por meio da rede credenciada ou mediante reembolso (Apelação Cível 1002837-94.2018.8.26.0320).

Outro paciente, diagnosticado com mal de Parkinson, também foi autorizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a cobrar do plano de saúde as despesas com o tratamento à base de canabidiol. Neste caso, a Justiça observou que foram realizadas diversas tentativas para tratamento dos sintomas ao longo de dezoito anos, com o uso de medicamentos mais tradicionais, mas os resultados não foram satisfatórios. O canabidiol, nesse contexto, se mostrou como a última alternativa viável para tratamento (Apelação Cível 1002837-94.2018.8.26.0320).

Outro fator constantemente considerado pelo Poder Judiciário são as garantias constitucionais à saúde e à vida. São frequentemente consideradas nulas pelo Poder Judiciário cláusulas tidas como abusivas, que preveem excessiva desvantagem ao consumidor, sobretudo em contratos de adesão, por serem elaboradas de forma unilateral. O Código de Defesa do Consumidor contém dispositivos para combater tais abusos.

Estes são alguns dos aspectos frequentemente considerados pelos juízes para concessão de autorização para uso de medicamentos à base de canabidiol, ainda que não haja uma legislação detalhada sobre o tema.