Andy Mannsfeld: “A legalização na Alemanha pode criar muito mais de 27 mil empregos”
Na reportagem, Andy Mannsfeld destaca que a legalização da cannabis na Alemanha poderá criar muito mais do que 27 mil empregos, contrariando estimativas conservadoras e apontando para um impacto socioeconômico ainda mais expressivo no país
Publicada em 29/05/2025

Andy Mannsfeld é fundador da EUCannaJobs | imagem publicada originalmente no Canna Reporter
Entrevista da jornalista Laura Ramos, publicada originalmente no portal CannaReporter.eu em 23 de maio de 2025.
Andy Mannsfeld é fundador da EUCannaJobs, uma plataforma de busca de empregos especializada no recrutamento de profissionais para a emergente indústria europeia de cannabis. Nascido na Alemanha e formado em medicina nos Estados Unidos, Andy foi médico no Colorado durante o processo de legalização da cannabis, mas as restrições federais o impediram de atuar na indústria.
Após uma passagem pelo Vietnã e por Portugal — onde tentou lançar um projeto de cultivo —, Andy acabou voltando para a Alemanha, onde identificou uma necessidade urgente de encontrar profissionais qualificados para o setor.
Hoje, por meio da EUCannaJobs, ele ajuda empresas e candidatos a navegar pelo complexo e dinâmico mercado europeu de cannabis. Nesta entrevista, concedida durante a feira Mary Jane, em Berlim, em junho de 2024, Mannsfeld fala sobre o potencial de geração de empregos, os perfis mais demandados, os desafios regulatórios e os erros que a Alemanha deve evitar repetir.
Andy, você é fundador da EUCannaJobs, mas também é médico, certo?
Sim, fui médico nos Estados Unidos e depois fiz uma breve parada no Vietnã por alguns anos antes de voltar para a Alemanha.
Você teve alguma experiência com cannabis nos EUA?
Sim, eu era médico no Colorado quando todo o processo de legalização estava acontecendo, mas, por causa das restrições federais, não pude me envolver na indústria. O escritório do procurador-geral ameaçou cassar minha licença, e o hospital onde eu trabalhava, por receber recursos federais, não permitia que seus médicos tivessem qualquer envolvimento com cannabis ou a prescrevessem. Embora o Colorado tenha legalizado, as restrições federais dificultavam muito.
Foi nesse momento que você decidiu se mudar para a Europa?
Na verdade, não foi exatamente por isso. Há muitos problemas nos EUA, então achei que era hora de sair. Isso foi há oito anos.
Mas você é alemão, certo?
Sim. Meus pais se mudaram para os Estados Unidos quando eu tinha quatro anos, mas acabei voltando. Meu pai tem quase 90 anos e também gostaria de voltar. Embora ele tenha considerado os EUA como a “terra das oportunidades”, hoje ele não está nada entusiasmado com o que está acontecendo por lá.
Talvez você devesse oferecer um emprego para ele na Europa! (risos)
(risos) Ele foi um químico excelente. Poderia ter feito coisas incríveis com todo o processamento e fabricação que existem hoje, mas acho que esse tempo já passou para ele.
Como você acabou trabalhando com recursos humanos após a faculdade de medicina?
Quando cheguei à Europa, participei de um projeto de cultivo em Portugal. Conseguimos nossa pré-licença rapidamente, mas não obtivemos o financiamento, pois foi na época da guerra na Ucrânia e de todas as questões colaterais. Nesse processo, percebi como é difícil encontrar trabalhadores para a indústria da cannabis, pois para conseguir a pré-licença em Portugal, é preciso ter um cultivador contratado e mais pessoas envolvidas. E foi muito difícil. Como eu conhecia as plataformas de emprego específicas da indústria de cannabis nos EUA, pensei: “Por que a Europa não tem isso? A Europa precisa disso”. Comecei como um projeto paralelo. Quando o negócio de cultivo não conseguiu financiamento, passei a me dedicar a isso em tempo integral.
Com essa nova era da legalização na Alemanha, você tem ideia de quantos empregos existem no setor?
É muito difícil saber. Infelizmente, não há bons dados sobre isso. Há cerca de cinco anos, uma universidade alemã fez um estudo e publicou um artigo dizendo que, se a Alemanha legalizasse totalmente, seriam criados 27 mil empregos. Acho que esse número é baixo, mas é o único que temos. Minha estimativa é que seja ainda maior. Só nos primeiros 30 dias após 1º de abril de 2024 [data da legalização], mais de 70 mil pacientes se cadastraram como usuários de cannabis medicinal, um aumento de cerca de 25% no número de pacientes na Alemanha. Isso em apenas 30 dias. É um crescimento enorme. Embora não esperemos que continue crescendo tão rapidamente, está claro que haverá uma expansão significativa no mercado medicinal, e isso vai gerar muitos empregos.
Quais são os candidatos mais comuns? Quem está conseguindo mais empregos?
Há muitos tipos de candidatos — desde pessoas com muita experiência com cannabis até aquelas sem nenhuma experiência profissional no setor. Vemos muitos profissionais com vivência na área, mas também muitos vindos de outros setores, com experiência em vendas ou marketing, que são transferíveis. Muitas vezes, essas pessoas têm alguma experiência pessoal com cannabis, seja por uso próprio ou de um familiar, mas não necessariamente conhecem as boas práticas de fabricação (GMP) ou agrícolas (GACP). Mas isso pode ser aprendido.
Na sua experiência, quais profissões serão mais necessárias?
Atualmente, uma das maiores necessidades é de farmacêuticos e assistentes de farmácia, pois as farmácias estão sobrecarregadas. Todos esses novos pacientes estão preenchendo prescrições; os distribuidores e cultivadores estão prontos para fornecer mais cannabis, mas tudo precisa passar pelos farmacêuticos, o que cria um gargalo. Além disso, haverá muita demanda por profissionais de vendas, especialmente se a legalização recreativa avançar. Marketing e TI também estarão em alta, pois todo setor precisa de tecnologia.
E médicos?
Sim, há uma demanda enorme por médicos. Muitas clínicas de telemedicina estão abrindo para atender pacientes de cannabis. Recentemente, falamos com uma empresa que está iniciando esse processo e vai contratar muitos médicos.
E produtores?
Isso será mais demorado. Mais instalações de cultivo surgirão na Alemanha, já que a lei mudou em 1º de abril, permitindo que mais empresas cultivem no país, além das três já autorizadas. Mas levará pelo menos nove meses para que essas instalações sejam construídas, inspecionadas e aprovadas — apenas para cultivo sob GACP. A certificação EU-GMP levará mais um ano ou mais. Então, só veremos mais cultivo em operação daqui a cerca de um ano.
O que você prevê para a Alemanha agora?
Definitivamente haverá muito crescimento no mercado medicinal. Teremos também os clubes de cannabis, mas a grande questão é o que acontecerá com os projetos-piloto para uso recreativo. Se eles avançarem, tudo mudará, pois muitos que hoje buscam cannabis medicinal poderão migrar para o setor recreativo. Isso reduzirá a necessidade de visitar médicos, por exemplo. Tudo dependerá dos próximos seis meses e do andamento desses projetos.
Então, é incerto.
Sim, mas deveremos saber até o final de 2024 se esses projetos vão acontecer, o que pode provocar mudanças rápidas.
Você espera que o setor de Recursos Humanos também cresça?
Sim, absolutamente. Especialmente na Alemanha, mas em toda a Europa, RH é uma área complexa. Mesmo pequenas empresas precisam de alguém especializado, pois erros podem levar a multas ou até ao fechamento do negócio. Muitas startups e pequenas empresas vão precisar de profissionais de RH e contabilidade, mas talvez não em regime integral, o que abre espaço para trabalhos em meio período.
Na EUCannaJobs vocês recrutam tanto candidatos quanto empresas, certo?
Sim, trabalhamos com dois públicos: as empresas, que pagam pelas vagas ou pelo recrutamento; e os candidatos, que não pagam nada. Precisamos dos dois lados para que funcione, por isso, nossas campanhas de publicidade e postagens nas redes sociais são direcionadas para ambos.
Andy, posso fazer uma pergunta pessoal? Por que você decidiu mudar de carreira? De médico em Colorado para outra área… O que motivou essa mudança?
Antes de sair dos EUA, comecei a fazer consultoria médica e atuar em vendas na área de genética, introduzindo testes genéticos em clínicas…