Cultivo, apreensão e controvérsia: os bastidores da operação na associação Santa Gaia
Mais de 500 pés foram destruídos; pacientes e familiares relatam medo de perder o tratamento
Publicada em 17/10/2025

Sede da Associação Santa Gaia após operação policial na quinta-feira (17). Imagem: Santa Gaia
Em setembro de 2025, a associação de cannabis Santa Gaia, no bairro Garcia, em Lins (SP), foi alvo de uma fiscalização da Vigilância Sanitária, devido a uma denúncia de “cheiro de maconha”, feita por vizinhos. Três semanas depois, a associação foi alvo de uma operação motivada por uma decisão da Justiça. Ontem, quinta-feira (16), a Polícia Civil realizou uma apreensão na sede da associação.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), foram confiscados 466 pés de maconha e outros 96 em fase de produção de óleo. Aparelhos celulares e computadores também foram apreendidos para análise da logística financeira.
Guilherme Viel, fundador e presidente da Santa Gaia também foi preso em flagrante. Nesta sexta-feira (17), durante audiência de custódia, sua prisão foi mantida. Agora, a associação trabalha para entrar com um Habeas Corpus solicitando que ele responda em liberdade.
O Delegado responsável pela operação, Artur Franco explica que a apuração, solicitada pelo Ministério Público, constatou que a associação operava sem a devida documentação da Vigilância Sanitária e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para cultivar cannabis em solo nacional. “Junto ao cultivo, foi identificado um laboratório de ponta para produção em larga escala”, completa o Delegado.
Em nota, a Santa Gaia informou possuir dois processos em andamento que garantem sua atividade. Um Habeas Corpus para cultivo de cannabis e uma ação cível no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). O delegado confirmou ter conhecimento da ação, mas ressaltou que, "enquanto eles não obtiverem a decisão oficial autorizando a atividade, estão irregulares e continuam na ilegalidade".
O drama dos pacientes e os próximos passos
A interrupção das atividades da associação de cannabis gera angústia entre os pacientes. João Victor Viel, vice-coordenador e irmão de Guilherme, afirma que o momento é de “juntar os casos” e encontrar maneiras de assistir os mais de nove mil associados. "Já estamos em contato com outras associações. Vamos focar nos casos mais delicados, mas não iremos deixar ninguém desamparado", explica.
Leny Emídio Barbosa, 46 anos, teme pelo tratamento de sua filha, Jayne Barbosa da Silva, 31 anos, que sofre de epilepsia severa desde criança. Passando por um encefalite viral, logo ao nascer Jayne sofria constantes crises convulsivas. Há um ano e meio, com o uso do óleo, as crises e sequelas foram amenizadas. "É outra vida. Hoje ela tem qualidade de sono, consegue interagir. Estou muito nervosa, não podemos ficar sem o óleo", desabafa a mãe.
Por sorte, Leny fez um novo pedido de óleo na segunda-feira (13). Assim, o tratamento da filha — que consome cerca de quatro frascos por mês — está garantido por pelo menos um mês e meio. Moradora de Alhandra, no interior da Paraíba, Jayne está no início do processo de desmame do Rivotril, que agora deve ser adiado.
Eduardo Augusto da Silva, 47 anos, portador de dor crônica, também se preocupa. Ele utiliza o canabidiol para reduzir o uso de morfina e outros medicamentos. "A cannabis reduz muito minhas dores. Consigo dormir, relaxar, algo que antes não era comum. Só quem sente dor sabe como é". Por sorte, havia retirado um novo frasco um dia antes da operação.
Acusações e a resposta da associação de cannabis
O caso foi registrado como falsificação de produtos terapêuticos e tráfico de drogas. "No local encontramos óleos de cannabis sem qualquer identificação de lote e comprovação formal", explicou o delegado. Segundo ele, também funcionava uma "espécie de farmácia" para a entrega dos produtos aos pacientes.
João Vitor contesta, explicando que a associação trabalha com a rotulagem de todos os produtos, contendo tipo e concentração. "Tínhamos acabado de realizar a colheita e estávamos no processo de envase. Por isso alguns frascos ainda estavam sem rótulo. Primeiro envasamos para depois rotular", justifica. Sobre a "farmácia", ele esclarece que se trata de uma clínica com médico, fisioterapeuta, assistente social e psicólogo, onde é feito o acolhimento e triagem dos pacientes.
“Era um espaço de acolhimento. Uma funcionária fazia a triagem, analisava o receituário e demais documentos, além de cadastrar os pacientes. Nunca realizamos uma entrega sem a receita.”
O futuro das plantas e das pessoas

Segundo o delegado, os mais de 500 pés de cannabis apreendidos na associação serão destruídos sob autorização judicial. A destinação dos frascos de óleo, no entanto, ainda aguarda um parecer dos órgãos sanitários.
Durante a operação, uma arma de fogo foi apreendida na casa de Guilherme. A polícia afirma que nenhuma documentação foi apresentada, enquanto João Vitor alega que a arma possui registro e que o fundador é Colecionador, Atirador e Caçador (CAC).
O delegado considera a manutenção da prisão preventiva acertada. Segundo ele, o próximo passo será a escuta das testemunhas e partes envolvidas.